Morte de Yaginadatta. Valmiki


Morte de Yaginadatta - Valmiki


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iredo

      Morte de Yaginadatta Episodio do poema epico – O Ramayana

      … «Não conhecemos na litteratura indiana, nem talvez em litteratura alguma, episodio mais sentido e mais sublime do que aquell'outro do Râmâyana, – a «Morte de Yaginadatta». Priamo aos pés de Achilles, na «Illiada» de Homero, é admiravel de dor e de sentimento; arrebata-nos a lastimosa Dido nos cantos do cisne mantuano; Ignez deante de Affonso, no poema de Camões, abala-nos a alma e obriga-nos a lagrimas: não teme porem confronto com Priamo, Dido e Ignez o cego sublime de Valmiki deante do assassino de seu filho.

      Asserções fundadas, mas que podem passar por temerarias, reclamam prova efficaz. Não nos esquivamos a ella…; tomâmo-nos até de ufania com sermos o primeiro que apresenta em linguagem nossa um dos eternos monumentos da verdadeira poesia indiana.

      Não é o luxuriante e o garrido da fórma o que nos prende ao episodio de «Yaginadatta»: difficilmente se aprecia a fórma em toda a sua pureza, quando a lima dos commentarios e a crueldade, talvez, das traducções, entibiou naturalmente o colorido que brotou espontaneo da paleta do artista. Mas aquillo que é sempre bello, aquillo que a mão dos seculos não consegue carcomer nem afeiar, aquillo que o genio deixa insculpido em caracteres indeleveis – torna immortais e queridos os admiraveis «çlokas» da «Morte de Yaginadatta.»

      Reproduziremos o episodio em decasillabos portuguezes. Descorado embora na traducção modesta, entrever-se-á nelle ao menos a majestosa simplicidade da narração, e conjuntamente se descortinará o ponto mais elevado a que podem sublimar-se os sentimentos do coração humano.»

      CANDIDO DE FIGUEIREDO, no Instituto, vol. XVII, n.º 4.

      ELUCIDAÇÕES E ADVERTENCIA

      Os que se derem ao cuidado de confrontar a nossa tentativa com os trabalhos de Gorresio acharão porventura divergencias. Advertiremos, por isso, que a interpretação de Fauche, cujas versões discrepam a revêzes das do filologo italiano, foi a que especialmente nos serviu de guia.

      Aos leitores pouco familiarisados com a litteratura indiana offerecemos um indice de algumas palavras do episodio, mais desconhecidas por menos vulgares:

      BRAHMANES – casta sacerdotal.

      ÇUDRAS – casta servil.

      DAÇARATHA – rei de Ayodhya, e pai de Ramá.

      DJATA – cabelleira especial.

      GURÚ – mestre, director espiritual.

      INDRA – o rei dos deuses, o Jupiter indiano.

      KCHATRYAS – casta militar e real.

      RAGHÚ – rei dos da raça solar.

      RAMÁ – o heróe do Ramayana.

      YAMÁ – o juiz dos mortos, o Plutão indiano.

      MORTE DE YAGINADATTA

      Quando Ramá, dos homens o mais bravo,

      partiu para as florestas, Daçaratha

      – aquelle rei outr'ora tão ditoso, —

      deixou-se possuir de mágua enorme.

      Exilados seus filhos, o monarca,

      tão alto como Indra, escureceu-se

      nas trevas do infortunio, como quando

      a sombra de um eclipse os céus invade,

      tapando ao sol a face.

                             Após seis dias

      de prantos e saudade, o rei egregio,

      acordando uma vez á meia noite,

      lembrou-se de uma falta commettida

      em afastado tempo, e dirigiu-se

      desta fórma a Kaoçálya, sua esposa:

      – Se és tambem acordada, ouve-me attenta,

      Kaoçálya. Quando um homem, dama illustre,

      faz uma acção, ou boa ou má, não póde

      evitar no porvir os fructos della.

      Qualquer que em suas coisas não distingue

      o bem e o mal, e ás cegas vai obrando,

      os sabios appellidam-no criança.

      Nos bons tempos da minha adolescencia,

      em que eu, moço imprudente, me ufanava

      de frechar toda a fera que avistasse,

      commetti uma falta… por acaso.

      A desgraça presente é fructo acerbo

      dessa culpa, Kaoçálya, como a morte

      é fructo de um veneno que se bebe.

      Mas filha de ignorancia foi a culpa,

      como a morte talvez de envenenado.

      Ainda tu não eras minha esposa,

      e eu era apenas da corôa herdeiro.

      Nesse tempo, a estação das manhans frescas

      entornava alegrias na minha alma;

      o sol, que havia esbraseado a terra

      e bebido a humidade das campinas,

      cançado já de procurar o norte,

      mudara de hemisferio. Graciosas

      as nuvens espalmavam-se nos ares,

      e os grous, e os cisnes, e os pavões folgavam

      repletos de alegria. Os aguaceiros

      obrigavam os rios a espalharem

      agua lodosa em cima das alpondras.

      Os campos, sorridentes sob a chuva,

      ostentavam seus virides relvados

      em que as aves, alegres, volitavam.

      No correr de estação tão prasenteira,

      tomei sobre meus hombros dois carcazes,

      empunhei o meu arco, e fui-me andando

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