Jaime de Magalhães Lima. Agostinho José
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Jaime de Magalhães Lima
Uma monstruosidade do Passado – A Meza Censória – Torquemada e Escobar – A critica com o constitucionalismo – Como a Meza Censoria persiste – A hypocrisia – Que critica a Republica recebe das mãos da Monarquia – O que ela é, em geral – Como ha de haver Arte livre? – Como ha de haver escritores e editores? – Os unicos trabalhadores livres – O faciosiamo na politica e nas letras – José Caldas e Joaquim Costa – Emilio Littré e Augusto Comte – Madame Comte e Clotilde de Vaux – Uma liberdade que a Republica tem de conquistar – O heroismo português – Trabalhadores independentes – Verdades sobre Garrett – Verdadeiros livres-pensadores – Camilo, Inacio Pizarro, Pedro de Lima, Jorge Artur, Hamilton, J. A. Vieira, S. Dias, A. da Costa, A. T. da Silva Leitão e Castro, P. da Cunha, J. de Lemos, A. da Conceição, Guilherme d'Azevedo – Os Magalhães Lima – O dr. Sebastião de Magalhães Lima – Jaime Lima e o seu refugio – A sua vida moral e mental – Ideias de Malebranche, Pascal, Moutesquieu, Guyau, Amiel e Fouillée – Constant Martha e Lucrecio e Epicuro – Jesus-Cristo e Tolstoi – A Terra – Impopularidade voluntaria – Heroismo perfeito – Filósofo na poesia, sociólogo no romance, pensador na crítica – Apostolos da Terra – Amostras de estilo – Via Redentora – Vozes do meu lar – Um belo excerto – Eduardo Schuré – Defeitos – Melchior de Vogüé – O que seria desejavel na obra de J. de M. Lima – O romancista – Superioridade notavel – Julio Dinis e Camilo – A unica lei duravel da estetica positivista – Uma animação de Lessing – Lessing e Winchelmann – A influencia de Platão e do pintor Oeser – J. de M. Lima e Balzac, Victor Hugo, Flaubert e Tolstoi – Eça de Queiroz e Julio Dinis – O romance Na paz do Senhor – Qualidades excelentes – Nem Pangloss nem Baudelaire – Tipos verdadeiros – Os romances No Reino da Saudade e Sonho de Perfeição – Verdadeiros modelos – O critico – Menor e servo S. Francisco d'Assis – Esquecimento das obras de Prudenzano e Pardo Bazan – Guerra Junqueiro – Leonardo Coimbra – Superioridade de J. M. de Lima – Alexandre Herculano e José Estevão – Nem Planche nem Sainte-Beuve – Balzac e Werdet – Alfredo de Vigny – José Estevão, Danton, Robespierre, Lamartine e Mirabeau – Fernandes Tomás e A. José d'Almeida – A conclusão dum belo livro – Serenidade nos processos criticos – Porque destacamos a figura de J. de Magalhães Lima.
Uma das monstruosidades do passado, e ainda com predominio no presente, é a escravidão da conciencia. Horror e vergonha da Humanidade, foi Meza Censoria, depois de ser cátedra e pulpito, fogueira e pôtro, fôrca e anátema.
Julgou sempre sem autoridade de juís, porque foi sempre verdugo. Nunca pôde ser lei pura, porque foi sempre suplicio e ignominia, patibulo.
Para cometer o seu crime com prestigio, com absolvição plena dos seus rancores, abrigou-se em todos os refugios sagrados e vestiu todas as túnicas luminosas: a túnica de Jesus-Cristo, a pretexta de Catão, o manto de Sócrates.
Tudo lhe serviu para armadura, escudo, auréola e máscara.
Entre nós, como em toda a Europa, esse monstro alapardou-se na rigidês da ortodoxia intolerante que apedrejou Fénelon, e mordeu o calcanhar branco de S. Francisco d'Assis. Deu a Torquemada o báculo do pescador Pedro e a Escobar o principado de S. Francisco Xavier. Ululou, queimou, deturpou, assolou, enxertando a alma negra de Atila na haste aromal do Evangelho, voz e guia da Humanidade em jornada.
Veio, entretanto, a Liberdade no constitucionalismo. Como vitoria? Infelizmente mais como vingança do que como evolução. As verdadeiras vitorias não se vingam: destróem, mas construindo. A liberdade do constitucionalismo foi principalmente represalia e assim a velha intolerancia não se extinguiu: deslocou-se, dissimulada, cavilosa.
Extinguiram a Meza Censoria? Decerto, mas não se extinguiu o espirito do faciosismo, meza censoria latente e multipla que perpetra os mesmos crimes contra a liberdade do pensamento e do sentimento.
O regimen constitucional opôs á intolerancia a intolerancia, ao odio o odio, ao despotismo sanguinolento, odioso em suplicios fisicos, a tirania da opinião preconceituosa sobre todo o trabalho mental.
E esta com um involucro repugnante: a hipocrisia. Todos são livres de opinião! clamaram os caudilhos de Mousinho da Silveira. Entretanto, quem ficáva deveras livre era só a opinião dos dirigentes do regimen.
Divergir corajosamente dela era o escandalo. Se a obra intelètual não ficava suprimida de direito, ficava-o de facto, tão excomungada, tão deprimida, que ninguem a lia.
Esta tirania mental e moral criou entre nós a critica, como da Monarquia a acaba de receber a joven Republica.
Os atuais governantes já a devem ter lobrigado no seu antro, onde esperamos que a hão de sanear. Diz-se liberal e é absolutista. Diz-se justiceira e é pessoalista e sètaria. Apregôa independencia, e acarinha apenas vaidades individuais. Guia-se pela influencia dos habilidosos e audazes. Flagela os cabotinos e, afinal, para alcandorar muitos deles, ou desdenha dos honestos, ou beneficia estes com epítetos de misericordia, que são afrontas flagrantes, ignobeis.
Não tem, não póde ter, meios termos: ou turibulo ou chicote. Não arranca das trevas um desconhecido de merito, mas arraza de lentejoilas muitos nulos.
E, entretanto, todos se queixam de que a nossa literatura e a nossa arte tombam em decadencia.
Mas, porque não, se Portugal se tem regido sempre pela peor tirania, pela adulteração da Liberdade?
Como querem Arte livre sem critica livre? Como querem os escritores e os editores que o publico leia, se os poucos não analfabetos do país, em vez de lêrem tudo para discutir tudo, ainda têm diante dos olhos o seu Index conforme o partidarismo apaixonado que os domina?
Quem ha de trabalhar num meio assim? O verdadeiro trabalhador? Mas esse não procura nunca os criticos vulgares. Procurá-los é confessar baixeza, é ter até de oferecer deprimidamente jantares ou ceias, ou joias, a troco de elogios, é renegar implicitamente toda a ciencia e filosofia moderna, toda a razão e toda a fé e sentimento; é aceitar um qualquer partidarismo intolerante; é pôr a Arte debaixo da tutela de qualquer efemero fetiche; é condenar-se a ser escravo do erro, se ele domina, ou da paixão se ela triunfa.
Ficam, pois, só vitoriosos e livres os maus trabalhadores, os que não têm sinceridade, os que não têm principios.
Em vão a Ciencia e a Razão lhes dizem que a Republica, por exemplo, em todas as suas demolições é compativel com todos os grandes principios, até com os dum elevado espiritualismo; que se póde ser cristão e ser democrata, obrigando o Estado a separar-se da Egreja dentro da justiça pura; clamando ao atual governo que não páre, que êrga o verdadeiro edificio da liberdade, que vá, pouco a pouco, demolindo e construindo, dando golpes energicos á Burguezia da agiotagem e erguendo os humildes, o Povo, dentro da conciencia desoprimida.
Eles não ouvem, nem pódem ouvir, tanto na vida politica como na vida artistica. Convém-lhes perturbar. Merece-lhes todo o apoio o Capitalismo que exploram. O que os preocupa é vencer depressa. Nunca é um ideal, porque este, quando sincero, é feito de toda a justiça, dentro de toda a austera tolerancia. O que os atrai é a popularidade e ela, embora mais tarde por vezes de nada sirva, lisongeia agora o amor-proprio de quem nem possue talento nem caráter, de quem não é democrata se não para poder ser plutocrata.
E estes séticos de hontem e acomodaticios de hoje é que fazem a Critica contemporanea, raras vezes digna. Vemos que elogia ignobilmente, e incondicionalmente, só o correligionario, ás vêses de ha minutos, ou só o que é audaz no pedir, ou só o que é habil no grangeio de amizades entre plumitivos, ou o que, algumas vezes, encontra a peso de oiro uma trombeta passiva e estrepitosa a aturdir a opinião, os ingenuos, os simples e, emfim, por contagio, os proprios cultos e inteligentes!
Onde está, pois, o lugar dos grandes e verdadeiros trabalhadores?
Raras vezes aparece. Para o corajoso e liberrimo cristianismo de José Caldas lhe não negar a primasia de democrata, foi preciso que a Republica tivesse dado o exemplo da sua gloriosa imparcialidade, fazendo, do grande homem de letras, seu ministro em Roma. Assim, para Joaquim Costa na Espanha, morrendo na velha fé, ter a apoteose admiravel que foi o seu enterro, justiça triunfal a um lutador de sempre, foi preciso que o partido republicano espanhol emudecesse os intolerantes negros e escarlates com a luminosidade e generosidade da obra do extinto,