Os jesuitas e o ensino. Calógeras João Pandiá

Os jesuitas e o ensino - Calógeras João Pandiá


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      Os jesuitas e o ensino

      Algumas linhas premonitorias são necessarias para explicar a razão de ser, em sua forma primitiva, desta reimpressão de nosso estudo sôbre os jesuitas e o ensino.

      Destinado originariamente á Revista Americana, terminou sua redacção antes de expedido o recente decreto federal, que reformou a instrucção publica. A este, portanto, não se podia referir.

      A presente tiragem, embora posterior á Lei Organica, não apresenta um texto modificado, no sentido de se pronunciar sobre o acto governamental.

      Não vae nesse silencio louvor, nem vituperio: assignala, apenas, a insufficiencia do escopo. O novo Codigo encerra algumas medidas boas quanto ao magisterio superior; outras, menos felizes, attinentes ao chamado cyclo secundario, ligadas a providencias que se preconisam.

      Emmudeceu sobre o estagio basilar, essencial, do ensino primario. No ponto dominante do problema, o punctum vitae da formação mental, os moldes officiaes regrediram do que já estava conquistado, vencedoras varias campanhas nesse rumo no seio do Congresso.

      Desfalleceu nesse transe em mãos do Govêrno a causa da educacão nacional.

      Sabedores de pedagogia dirão as vantagens ou os inconvenientes das normas recem-edictadas.

      Todos os homens publicos, porém, cumpre ponderem as consequencias graves do abandono em que continúa o periodo primeiro da cultura intellectual. Ahi se trata, não nos cancemos de repetil-o, do problema politico, maximo entre os maiores, da elaboração do caracter brasileiro, com todos os seus derivados na vida de nosso paiz, em seu govêrno, nas soluções dos conflictos entre a intellectualidade e as crenças.

      Esse ensaio de philosophia politica tentamos esboçar nas paginas que seguem.

      Junho de 1911

      I

      Fundação da Ordem. Suas tendencias

      Não ha, talvez, exemplo mais flagrante de injustiça collectiva do que a reputação opprobriosa dos jesuitas. Feitas todas as reservas sôbre seus methodos de disciplina e sua casuistica, não haveria exaggêro em dizer que elles são os grandes calumniados da historia.

      Razão de sobra tem Monod1 quando nota que nunca se falou da Companhia com serenidade e espirito imparcial, figurando sempre os escriptos sôbre ella em um dos dous extremos: a apologia sem limites, nas obras da seus adeptos; o pamphleto sem critica, nas accusações de seus detractores. A verdade, a probidade scientifica e o amor á justiça parece estarem banidos de tal literatura.

      E, entretanto, representam os discipulos de Inigo de Loyola um dos factos mais importantes da humanidade, e nenhuma noção completa se pode ter da evolução das idéas, da historia das religiões, do progresso intellectual e do surto moral do homem, sem estudar sua collaboração continua, preponderante mesmo no seio do Catholicismo, no elaborar a mentalidade das successivas gerações que regeram o Occidente a partir do seculo XVI, e os conceitos dogmaticos definitivamente impressos no clero, desde o Concilio Tridentino até o Concilio do Vaticano.

      Tanto bastaria, entretanto, para investigar sua historia com o espirito calmo e desprevenido de preconceitos que deve presidir á analyse dos factos e dos elementos formadores da propria vida.

      Quando, a 15 de Agosto de 1534, na capella de Montmartre, Ignacio e seus seis companheiros lançaram as primeiras bases da sua associação, não iam seus designios além da conversão dos musulmanos da Terra Santa. Si fôsse impossivel realisá-la, elles se collocariam á disposição do Papa, que lhes haveria de designar o modo por que pudessem salvar suas almas.

      A ultima hypothese se verificou. De Veneza, onde se reuniram, já elevado a dez o numero de socios, tiveram de tornar para trás em 1535, a conselho de Paulo III, em vesperas de iniciar nova cruzada contra os turcos, com o imperador Carlos Quinto e a Republica das lagunas. Voltou-se então Loyola para a missão interior, cuja necessidade, em pleno schisma reformista, se lhe evidenciou tão indispensavel e urgente quanto a propaganda da fé entre os incréos.

      Nesse anno, teve a Curia de estudar os estatutos da Companhia de Jesus. Fê-lo com pouca sympathia, causando delongas, impondo restricções, e somente em 23 de Setembro de 1540 a bulla, prophetica em muitos sentidos, Regimen militantis ecclesiæ, confirmou a nova Ordem.

      Era exclusivamente uma associação sacerdotal para a missão interior, trazendo como caracterisco o voto especial de fidelidade ao Summo Pontifice, a quem prestava obediencia incondicional, identica á disciplina dos exercitos. Della se serviu desde logo Paulo III, como de tropa auxiliar posta a seu dispôr.

      Sua primeira tarefa foi a conversão das massas irreligiosas: pêlo catecismo, para as creanças; pêlo tribunal da penitencia, para os adultos; pêla prédica, para a generalidade dos homens. Devia salientá-la, em tudo, seu zêlo por obras inspiradas no amor do proximo, applicando sempre a bella maxima do Fundador: «Ser tudo para todos, afim de merecer a confiança de todas as almas».

      Breve alargou-se a esphera da propaganda. Francisco Xavier, primeiro de uma legião de missionarios, foi evangelisar o Oriente.

      A actividade intellectual e moral, e a promptidão, bem como a habilidade com que desempenhava suas incumbencias, grangearam á Ordem a inteira confiança pontificia e tambem a da Curia, que, de principio, vira com pouca fé fundar-se uma congregação nova. Foi-lhe entregue a reforma de conventos, onde a disciplina afrouxara.

      Começaram seus membros de leccionar na Universidade Romana. Foram enviados em missão de combate á heresia. Receberam, sem discutir, encargos secretos de alta politica, incumbidos de sublevar a Irlanda catholica contra seus soberanos ingleses, fautores do schisma, que os varios prayer-books evidenciavam. Seu prestigio, fama e valimento subiram logo, tanto que foram jesuitas os theologos pontificios no Concilio Tridentino, Lainez e Salmeron; jesuitas, ainda, os coadjutores da missão que levou á Alemanha, como legado, o grande Cardeal Morone; jesuita, sempre, o segundo apostolo da Germania, van der Hondt, o immortal Canisius.

      Cresceu sua reputação de saber: de toda a parte chegavam pedidos de mestres que se incumbissem de reger as cadeiras das universidades. Em seis annos, o ensino superior estava dominado pêla Ordem, mas é preciso lembrar que tal transformação de seu rumo primitivo não se dera por iniciativa de Loyola, constrangido a ceder a pedidos de protectores da nova associação. Acceitando a incumbencia, embora a contragosto, organisou-a e deu-lhe, com a maior energia e habilidade, o cunho especial que a caracterisa entre todas. Dahi resultou, pêlo successo de seus fructos, um quasi monopolio do ensino em muitas regiões catholicas e mesmo em Estados protestantes.

      Fôram incalculaveis as consequencias da escola catholica dirigida por elles em puro país da Reforma. A ella se deve, em parte, a reconquista romana nessas zonas que Roma já reputava perdidas.

      Por um novo desvio de sua orientação primeira, êste jubilosamente acceito por Ignacio, a Ordem encetou o combate extrenuo, sem treguas nem transigencias, com o Protestantismo. Ao bispo de Modena, Morone, cabe provavelmente a iniciativa da mudança de roteiro. Antes, e até 1552, a lucta contra a heresia, a prédica dos jesuitas, fôra obra individual de cada um delles, ou imposta por ecclesiasticos de hierarchia elevada, ou solicitações de amigos da Ordem. A todas as tentativas se mantivera extranho o Fundador.

      Da ida á Allemanha, em 1542, como legado pontificio acolytado por jesuitas, resultara em Morone a convicção da necessidade de prégar a contra-reforma nos países infectados do virus lutherano, não com sacerdotes latinos, mas com missionarios oriundos daquellas mesmas regiões. Dahi a fundação do Collegio Germanico, em Roma, clarividente creação do Cardeal, mais do que de Loyola.

      Loyola adoptou a idéa, deu-lhe organisação genial e vasta, e considerou a extirpação do êrro protestante como alvo capital da acção jesuitica. De 1554 data seu plano de campanha contra a Reforma, cujo alcance só mais tarde os papas comprehenderam, plano applicado, sem falhas, a partir de 1573, após a remodelação feita por Gregorio XIII.

      Para a duplice mudança nos intuitos primeiros de Santo Ignacio ao fundar a Companhia de Jesus, em ponto nenhum tivera elle a iniciativa. Em ambas as circumstancias, obedecera á ordem ou solicitação de influencias que não pudera evitar: a Curia, os Wittelsbach, os Habsburg, Morone e alguns bispos. Feita a mudança, applicou


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Introdução ao estudo de Boehmer sôbre os jesuitas. Nessa obra colhemos quasi todos os nossos apontamentos sôbre a Companhia, muitas das considerações que damos a seguir.