O homem que gostava dos russos. Rafael Bassi
© Editora Gato-Bravo, 2019
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editor Marcel Lopes
coordenação editorial Paula Cajaty
revisão e adaptação Gabriel Benamor
capa Julio Silveira, Ímã Editorial
projecto gráfico 54 Design e Ímã Editorial
imagem da capa Shutterstock
Título
O homem que gostava dos russos & outros contos
Autor
Rafael Bassi
isbn 978-989-8938-37-4
e-isbn 978-989-8938-38-1
1a edição: setembro, 2019
Depósito legal: 461255/19
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Para Bárbara, que me ensinou a ser.
Não existe meio de verificar qual é a decisão acertada, pois não existe termo de comparação. Tudo é vivido pela primeira vez e sem preparação. Como se um ator entrasse em cena sem nunca ter ensaiado. Mas o que pode valer a vida, se o primeiro ensaio da vida já é a própria vida? É isso que leva a vida a parecer sempre um esboço. No entanto, mesmo esboço não é a palavra certa, pois um esboço é sempre o projeto de alguma coisa, a preparação de um quadro, ao passo que o esboço que é a nossa vida não é o esboço de nada, é um esboço sem quadro.
– Milan Kundera, A Insustentável Leveza do Ser.
Índice
O vinho argentino de M. Lapouche
O homem que gostava dos russos
A colcha colorida da minha mãe
Um bilhete (ou A carta suicida. Ou ainda: Uma resenha literária)
O existencialismo é um humanismo
J. de A. Fernandes e suas rememorações
Nem só de pão o homem viverá, mas de toda palavra
A filosofia. O que é e como se pratica
Introdução
Esse livro é o resultado de alguns anos, muitos rabiscos, muito rascunho. Entretanto, cabe ressaltar o apoio fundamental dado por meu amigo Arthur Telló, com alguns comentários fundamentais e algumas horas de discussão sobre livros; Fabíola de Paola, que tem uma sensibilidade para literatura como poucas pessoas que eu conheci; Felipe Karasek leu alguns dos textos e disse que era um editor igual ao de Carver; e também Patrícia Zanella, cujo olhar atento fez com que o texto não parecesse um grande experimentalismo gramatical.
Agradeço a Luís Henrique Pellanda, pelo aceite em fazer uma leitura dos originais e pelas belas palavras que estão na orelha desse livro. Os comentários de Luiz Antonio de Assis Brasil foram muito generosos, assim como é o próprio Assis, um dos grandes nomes entre os grandes nomes das letras portuguesas. A todo o grupo da Editora Gato Bravo, pelo carinho no trabalho completo de elaboração desse livro. E não poderia deixar de mencionar, mais uma vez além da dedicatória, Bárbara Menegotto, que foi uma editora extremamente dura em sua leitura, mas, também, fundamental. A todos que, de certa maneira, me incentivaram, registro aqui meu agradecimento.
3 Porteñas e 2 quase
A decisão de Cortázar
Júlio estava sentado em sua poltrona bastante confortável. O apartamento era pequeno, como convinha ao seu salário de professor e tradutor, mas bastante aconchegante, com livros nas paredes, uma luminária ao lado da poltrona que, por sua vez, encontrava-se ao lado da janela. Era assim que Júlio passava suas tardes e suas noites, lendo e pensando.
Lia sobre John Keats, porque estava escrevendo um contra-livro universitário sobre o poeta, e pensava, toda vez que repousava sua visão sobre uma pequena escrivaninha que tinha ao lado da prateleira de livros, no que precisava fazer para mudar as coisas. Nela, encontrava-se o bilhete que tinha recebido sobre a morte de André Gide, em Paris, em 19 de fevereiro de 1951, um dia antes dessa cena que se descreve aqui.
Não tinha mais tantas certezas sobre nada, principalmente sobre a sua própria condição de educador. Defendia a liberdade, acreditava na democracia, mas estava descontente tanto com o que escutava de alguns de seus alunos quanto com o sistema político vigente na Argentina. O mundo que Cortázar acreditava esfacelara-se, e ele via, pela janela, que o calor era demais naquele início de ano.
Em meio às incertezas que tinha, trazia em si a vontade. Vontade de viver. Viver entre livros, sem a certeza de nada, aberto para as vontades próprias que os acontecimentos ocasionais pudessem lhe dar. Olhava sua Olivetti e via nela uma amiga, uma defensora desses mesmos ideais.
Era, claramente, um homem voluntarioso. Sempre disposto a ajudar aos seus alunos, a responder-lhes sobre o que necessitavam. Adorava as discussões acerca da literatura e da sua importância para a compreensão de que o ser humano é um