Suicídio Policial: Guia Para Uma Prevenção Eficaz. Dr. Juan Moisés De La Serna
de pensamentos, tentativas ou suicídios em si. A esse respeito, deve-se destacar que um dos problemas com relação aos dados relacionados a essa questão no caso da polícia é que as estatísticas geralmente coletam apenas informações sobre suicídio consumado, desconhecendo quantos policiais têm pensamentos suicidas ou quantos já realizaram tentativas de suicídio. Aspecto que poderia pertencer à esfera privada do agente, mas que impede a aplicação de políticas de prevenção adequadas, visto que, se não for do conhecimento, as medidas não podem ser aplicadas para que estes pensamentos ou tentativas não terminem em suicídio, daí a importância, antes de tudo, de obter dados e informações confiáveis através de questionários, que podem até ser anônimos, mas que pelo menos dariam conta da dimensão do problema.
Por exemplo, se um questionário for aplicado em uma determinada delegacia de forma totalmente anônima para apurar sobre pensamentos e tentativas de suicídio, será possível avaliar o grau de gravidade com que um suicídio poderia ocorrer nesta delegacia e com isso se poderá intervir com políticas diferentes que serão descritas neste texto para evitar ou pelo menos reduzir tal possibilidade entre os agentes desta delegacia.
O Perfil do Suicídio entre a Polícia
Deve-se destacar que, embora os policiais sejam pessoas que em princípio não diferem do restante dos cidadãos de sua população e, portanto, o perfil dos agentes que atentam contra a própria vida não teria que ser diferente do observado em dita população. Apesar do exposto anteriormente, deve-se destacar que há uma série de características que conferem ao agente algumas peculiaridades em termos de suas funções e desempenhos, bem como no que diz respeito à realidade que enfrentam e que dificilmente se pode encontrar em outras profissões, o que determinará em muitos casos um perfil “peculiar” no âmbito do suicídio.
No que diz respeito ao perfil sobre o suicídio levando em consideração 446 artigos selecionados por sua relevância e qualidade (Comissão de Saúde Mental do Canadá, 2018), se pode extrair um perfil sobre o risco de suicídio a nível mundial, indicando que as pessoas que mais se suicidam são homens, por outro lado, as mulheres têm mais condutas suicidas, sendo a adolescência a idade em que ocorrem mais casos. Da mesma forma, geralmente está associado na população geral com variáveis sociodemográficas como ter mais de 40 anos, estar divorciado, ter problemas psicossomáticos, vivenciar sua realidade de maneira desagradável, sofrer de depressão ou altos níveis de ansiedade (Grassi et al., 2018); além de ter mais de 85 anos, ter sofrido de transtornos alimentares, esquizofrenia ou transtorno bipolar; com histórico de abuso de substâncias (Brodsky, Spruch-Feiner, & Stanley, 2018).
Na mesma linha, a OMS destaca a importância das relações de casal como fator de proteção ou de estresse psicossocial no caso de divórcio ou separação, constatando que as pessoas envolvidas nestes processos de dissolução da convivência têm entre 2 a 3 vezes mais probabilidades de ter pensamentos suicidas, e de 3 a 5 de atentar contra a própria vida (O.M.S., 2009).
São várias as contribuições teóricas que foram realizadas para explicar o fenômeno do suicídio, as quais podem ser agrupadas em três:
a)Perspectiva biológica, que tenta explicar uma maior propabilidade de suicídio se houver um parente próximo que o tenha sofrido, inclusive alegando que existem genes que aumentam a possibilidade de suicídio, conforme observado em uma pesquisa onde foram analisadas 43 famílias de Utah (EUA), nas quais pelo menos um de seus membros havia cometido suicídio nas últimas sete gerações (Coon et al., 2018). No total foram coletadas mais de 4.500 amostras de DNA, e analisaram 207 genes diferentes, encontrando uma associação entre um aumento de risco na presença de variantes nas proteínas SP110, rs181058279; AGBL2, rs76215382; SUCLA2, rs121908538; APH1B, rs745918508
Apesar do exposto e como apontam os autores, estes genes não explicam todos os casos de suicídio, mas apenas 50% deles (Pedersen & Fiske, 2010).
b)Perspectiva social, onde o foco não é tanto no indivíduo como uma entidade biológica ou psicológica, mas como reativo das condições sociais em que vive, assim o suicídio tem sido associado à perda de valores, inconsistência de normas, desorganização social, ruptura de laços com a sociedade, aspectos que são observados em certos agentes que tentaram tirar a própria vida, quem estava envolvido em algum tipo de investigação ou havia sofrido condenação ou afastamento do trabalho, de modo que o sentimento do dito agente em relação a essa “sociedade” era de que esta havia “falhado” com ele, ou que ele não poderia “confiar” nas instituições que representava até o momento, o que poderia tê-lo levado ao suicídio (Palacio., 2010).
Deve-se destacar um fator fundamental no âmbito social e que não são afetados por crises econômicas e taxas de desemprego, ambos os aspectos se correlacionam a nível social com taxas de suicídio mais altas, mas que, sendo a polícia, pelo menos na Espanha, funcionários públicos do governo central, regional ou local, ou seja, são funcionários com contratos vitalícios, com salário fixo, independentemente da conjuntura econômica do país, o que significa que ambos os fatores não têm impacto.
Apesar do exposto, os agentes podem perder sua condição e com ela a referida estabilidade econômica devido a uma série de pressupostos, que no caso da Polícia Nacional estão incluídos no artigo 5º da Lei Orgânica 9/2015, de 28 de julho, sobre o Regime de Pessoal da Polícia Nacional (Chefia de Estado, 2015)
a) A aposentadoria.
b) A demissão do cargo de funcionário.
c) A perda da nacionalidade espanhola.
d) A sanção disciplinar de afastamento do trabalho que tenha caráter definitiva.
e) A pena principal ou acessória de desqualificação absoluta ou especial para o exercício do trabalho ou cargo público que tenha caráter definitiva.
Aspecto, o do afastamento do serviço, voluntário ou não, que tem sido associado a um aumento nas taxas de suicídio (LaMontagne et al., 2018).
c)Perspectiva individual, onde a psicologia desenvolveu diversas teorias associadas ao suicídio entre os membros da corporação e forças de segurança (Violanti, Owens, McCanlies, Fekedulegn, & Andrew, 2019):
–Psicodinâmica, a superexposição a um ambiente “inapropriado” pode levar à superação das barreiras psicológicas do agente e que isto o conduza ao suicídio.
–Cognitiva, onde se observou como os policiais mostram uma falta de flexibilidade cognitiva em seu trabalho, associado a dificuldades em administrar o estresse contínuo, aumentando a ideação suicida.
–Taxonômico, onde existem quatro fatores associados ao suicídio no âmbito militar (aplicável à polícia), o formativo, os antecedentes, os precipitantes, e os associados aos sentimentos de alinhamento e impotência.
–Com base na autópsia psicológica, empregando este método se chegou a entender como existem fatores sociais prévios que afetam a sua rede de contatos e a sua integração com os colegas.
–Perspectiva de pressão, onde os agentes vão reagir de forma desigual aos estressores de seu trabalho, podendo enxergar o suicídio como uma “solução” para dito sofrimento.
–Interpessoal, onde o estresse no trabalho está relacionado a exposições traumáticas, aliadas ao sentimento de isolamento e falta de pertencimento social.
–Diátese-estresse interativa, onde o suicídio está relacionado ao estresse e os fatores pessoais de predisposição (Mann, Waternaux, Haas, & Malone, 1999).
Fatores de Risco
São considerados fatores de risco aqueles em cuja presença aumentam as chances de sofrer atos suicidas. Estes podem ser quantitativos ou qualitativos, no primeiro caso estaríamos falando de fatores que precisam “se acumular” ao longo do tempo, ou que requerem uma alta intensidade para poder ter essa influência na conduta suicida; e no caso dos fatores qualitativos, se falaria mais da mera presença desse fator como sendo suficientemente determinante para “provocar” tal ato.
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