O Médico Enigmático. Serna Moisés De La Juan

O Médico Enigmático - Serna Moisés De La Juan


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muito, para chegar onde estou agora, enfrentando o meu futuro, pelo menos é assim que eu me sinto e desejo.

      Tantas terras percorridas, tantas cidades visitadas, tantos quilômetros caminhados e eu não consegui fugir do meu passado. Mesmo quando fecho os olhos à noite, vejo aquelas imagens de que me esforcei tanto para me livrar, aquelas imagens que me lembram que sou inocente, ainda que tenha tentado apaga-las da minha memória, não consegui.

      Muitos ofícios tentei realizar mais tarde, mas em todos eles, mais cedo ou mais tarde, me vi sujeito à responsabilidade do que estava fazendo, deixando de ser um aprendiz e ninguém para me supervisionar nas minhas funções.

      Nesse momento, e não sei porquê, eu ficava bloqueado por me ver sozinho no trabalho, o que quer que fosse, mesmo o mais simples. Eu sentia um pânico enorme, um suor frio, um tremor nas minhas mãos que não conseguia acalmar ou parar.

      Eu olhava para todos os lugares e não via nada que pudesse ser um problema para mim, nem mesmo uma ameaça, mas não importava, havia esta reação descontrolada que gradualmente tomava conta do meu ser e me tornava inútil e paralisado.

      Eu conhecia os sintomas e a razão pela qual isso estava acontecendo, eu tinha tentado evitar até mesmo tomar medicamentos para reduzir minha ansiedade e em outros casos para aumentar minha atividade, mas nada funcionou, tudo que eu tinha que fazer eu sabia, dar um passo, respirar calmamente, pensar em aspectos positivos, mas nada, não havia maneira de conseguir isso.

      Fui considerado incapaz para qualquer trabalho, embora não estivesse satisfeito com essa qualificação. Eu já tinha sofrido demais com o rótulo que me foi dado socialmente para me tornar agora um total inútil, incapaz de atender às tarefas mais simples sem desmoronar.

      Alguns médicos que consultei disseram-me que poderia ser uma consequência do stress a que tinha sido submetido nos momentos seguintes a esse trágico acontecimento, outros que era o resultado de uma vida isolada e sem esperança, alguns disseram que era um trauma psicológico e outros falaram de um conflito interno entre querer e poder, em todo o caso, eu tinha tentado tudo e nada tinha funcionado.

      Até que, por acaso, uma vez fiz algo que era normal para mim, mas que trouxe à tona o riso mais sincero que já tinha ouvido, um menino pequeno riu da minha falta de jeito quando alguns pratos caíram, quando eu estava trabalhando ou pelo menos tentava trabalhar como assistente de cozinha.

      Umas risadas que contrastaram com o mau humor com que o dono daquele lugar se aproximou de mim, que não hesitou em me expulsar do lugar, sem sequer me pagar pelos dias trabalhados, claro que não descontou o custo daquela pilha de louça suja que eu tinha de lavar e que por um descuido acabaram em pedaços.

      Isso me fez pensar, um trabalho como comediante ou talvez um humorista, isso não exigia nenhum tipo de responsabilidade ou tarefas complexas nas quais eu pudesse cometer erros, pelo menos era o que eu pensava antes de provar a profissão, mas eu tentei e não deu certo, as piadas roubadas de outros que eu lembrava dos meus tempos de juventude ou que eu ouvi outros contarem, teve pouca influência num público exigente, atento a cada ato e gesto que fazia, escrutinando até o menor movimento, esperando que qualquer palavra ou gesto que fizesse provocasse uma risada sonora, mas isso não aconteceu, pelo menos não da maneira que se esperava.

      Recebi alguns sussurros, algumas risadas e alguns sorrisos, especialmente das senhoras, que estavam mais preocupadas em não me ver sofrer lá em cima do que em ser uma boa piada.

      Eu não entendia o que estava acontecendo, porque outros com as mesmas palavras e gestos muito semelhantes estavam enchendo salas, desfeitas em risos, enquanto eu mal conseguia tirar alguns sorrisos delas. As piadas eram as mesmas diante de um público semelhante… Tentei com pessoas mais jovens, mas foram ainda menos divertidas para eles.

      Até que tentei com os pequenos, aqueles que estranhamente exerciam uma estranha influência, porque me olhavam com aqueles grandes olhos e com tanta atenção, que por um momento esqueci todas as minhas desgraças, as críticas sociais e até quase a perseguição a que tinha sido submetido, e isso me encheu de uma sensação singular. Aqueles olhos limpos e imparciais esperavam algo de mim, algo bom que os entretivesse e os fizesse rir, pelo menos eu pensei assim no início e tentei novamente.

      Às vezes as piadas não eram muito bem entendidas, outras vezes eu tinha que explicá-las para que entendessem o sentido irônico das minhas palavras, outras vezes… muito complexas para aqueles pequenos, que esperavam se divertir sem palavras complicadas com duplo sentido.

      Até que chegou aquele dia mágico, quando entendi que o que aqueles pequenos curiosos queriam era não me ver zombando de ninguém, ou ridicularizando a atuação de outra pessoa, mas uma pequena história para eles por meio de uma história, um conto.

      No começo eu resistia diante de uma idéia tão simples, tantos anos de profissão, tantos estudos e especializações para acabar contando histórias.

      Um trabalho mais próprio das mães principiantes que só são guiados por seus instintos e as suas recordações, de quando suas mães lhes contavam histórias, mas eu…

      Essa ideia era incomum e até repulsiva para mim, ver-me reduzido a tentar entreter aqueles pequenos com meias verdades, histórias que só contavam fantasias onde animais ou plantas podiam falar como pessoas, pareceu-me como engana-los, alimentando uma irrealidade em alguns pequenos que eu não conseguia entender como isso poderia beneficia-los.

      É verdade que eu consegui mantê-los calados, entretidos por um momento e que no final eles me agradeciam pedindo-me outra história, mas eu não via muito sentido em contar o que aconteceu com este ou aquele animal, que estava com outro de sua espécie e que comentava alguma episódio.

      É certo que eles ainda não tinham idade suficiente para entender muito do meu conhecimento, mas se eu tivesse podido escolher, teria preferido ensinar na universidade. Pelo menos ali as perguntas dos alunos faziam algum sentido técnico ou teórico, mas agora, além do fato de que ninguém interferia até o final da história, tudo era tão pequenininho, lento, bonito…

      Eu não gostava muito de algo sobre o que, apesar da minha relutância, estava começando a me sair bem.

      As piadas explicadas deram lugar a explicações sem piadas, e logo em seguida seguidas a simples histórias.

      No início eram contos bastante curtos e sem detalhes, preocupados em explicar bem o enredo dos personagens e tentar torná-los animados. Então, pouco a pouco, os detalhes se tornaram episódios, introduzindo agora elementos fantásticos que apareceram e desapareceram da história sem nenhuma coerência aparente, mas que a enriqueceram de tal forma que aqueles pequenos ficaram encantados, mas eu ainda tinha um longo caminho a percorrer para descobrir a essência da história e a magia de contá-la bem.

      Muitas sessões de prática observando como os outros o faziam e experimentando por conta própria tentando diferentes maneiras e aprendendo com os meus erros. Um caminho árduo e lento que me levou por meio mundo à procura da melhor história, que tanto as crianças como os adultos gostem, que os possa animar e emocionar, que os deixe sem palavras ao mesmo tempo que permitisse que a sua imaginação voasse à solta.

      A princípio, buscava apenas tentar me superar, cada vez fazer melhor, tentar vencer os outros e a si mesmo nessa profissão tão desgastada e esquecida.

      Os adultos às vezes zombavam da minha arte, subestimando a dedicação e preparação que ela requer, sem entender a importância do meu papel e que eu enfrento o público mais exigente, as crianças, embora às vezes eu tenha conseguido armar alguma história para conserta-la, quando via que ela não despertava o menor interesse entre o público, me dei conta de que existiam histórias ruins e boas histórias.

      A partir daí, comecei a escolher aquelas que eu considerava melhores, embora não entendesse qual era o critério usado por aqueles pequenos juízes, que com seus olhos faziam um veredicto aguçado, indicando se gostavam ou não.

      Quando começavam a sussurrar entre si, olhavam para o lado ou eu os via abrindo a boca, levados pelo sono e pelo tédio, eu entendia que não estava fazendo bem o meu trabalho.

      Aquele


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