Sumalee. Javier Salazar Calle

Sumalee - Javier Salazar Calle


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era uma pessoa muito seca e prepotente. Ele me contou em linhas gerais em que consistia o projeto como se estivesse me fazendo um favor e me mostrou meu posto de trabalho, onde meu notebook já estava me esperando. Assinei todos os papeis da entrega do computador e do celular e me instalei em meu lugar. Amit compartilhou comigo uma pasta na nuvem como toda a documentação e me disse que Jérôme, a quem me apresentou como o colega no projeto que tinha me designado, me contaria o que era mais importante ler para começar. Nisso, sim, ele insistiu que eu devia me colocar a par muito rápido e que esperava que naquela mesma semana eu começasse a trabalhar a todo vapor. Grande chefe arrogante e sério que me deram! Me lembrava muito um que tive em um projeto na Espanha.

      Jérôme, que era francês, acabou sendo um cara totalmente diferente de Amit. Ele era doido, mas muito louco. Defini-lo como extrovertido era dizer o mínimo. Além disso, ele tinha um entusiasmo e uma vitalidade contagiosas e parecia estar sempre de bom humor. Falava um inglês com marcadíssimo sotaque francês – me custou acostumar-me a ele e escutá-lo sem rir. Ele me disse quais eram os principais documentos que deveria ler e me fez uma apresentação do projeto de quase uma hora, destacando o que era importante de verdade: em que consistia, o que se esperava de nós, em que ponto dele estávamos e quais eram os próximos passos que tínhamos que dar. Tudo isso depois de ir ao refeitório e conversar animadamente com Tere e Diego.

      No meio da manhã, Josele me acompanhou até uma filial do banco POSB para eu abrir uma conta. Ele tinha conta no mesmo banco, que era um estatal do departamento de correios que funcionava muito bem. Segundo tinha me contado, por ser um paraíso fiscal, abrir uma conta era um processo muito simples. Me pediram o número FIN, que era como o documento de identidade. A empresa tinha agilizado para mim com o visto de trabalho, mas, pelo visto, era possível abrir uma conta sem ele e entregá-lo quando o tivesse. Tudo era fácil. Emitiram um cartão de débito para mim na hora e me deram minhas chaves para operar por internet e telefone.

      Não muito longe havia um escritório exclusivo para banco privado.

      — Ali, com um bom maço de notas, não é necessário nem identificarem você — disse Josele, olhando para mim com uma cara travessa. — Ainda que não possam dizer isso abertamente, claro. Essa gente facilita tudo para receber dinheiro.

      — Que nada, espero conseguir ser cliente deles — assegurei, rindo.

      Uma vez feitos os trâmites, voltamos para o escritório.

      Josele se aproximou sorridente da minha mesa no trabalho.

      — Adivinha, adivinha!

      — Não sei. Tem algum abacaxi para me passar que precisa que eu termine antes do fim da semana? Estou cheio de coisas aqui tentando ficar em dia com isso, mas ajudarei você no que puder.

      — Não! Muito melhor.

      — Vamos ver.

      — Neste sábado temos uma festa na Avalon, uma das baladas da moda. A que comentei com você que fica do outro lado do rio, ao lado do Museu de Artes e Ciência.

      — Cara, não me surpreende muito. Tenho a impressão de que todos os sábados temos uma festa.

      — Esta é especial. É uma homenagem aos expatriados espanhóis. Estará cheio de espanhóis e de expatriados de outros países. É a sua oportunidade de conhecer gente de todo tipo e lugar!

      — Já conheço vocês, acho que não preciso de mais do que isso nos próximos cinco anos… — Sorri, contente de estar com eles.

      — Sim, mas nós precisamos nos livrar de você um pouco. Você é como as rêmoras, esses peixinhos que vivem grudados nos tubarões. Tudo bem que sejam parasitas, mas às vezes cai bem um pouco de liberdade. Não sei se me entende.

      — Se querem que eu os deixe em paz, é só me dizerem, manés.

      — É brincadeira! Você sabe. Mas não te fará mal conhecer gente nova e tomar um bom porre.

      — Isso, sim, eu sei. Estou cansado de choramingar pelas esquinas como um trouxa. Vamos ver se conhecemos um trio de belas australianas precisando de carinho. Porque de espanholas já me fartei por um bom tempo. O que preciso é um pouco de exercício de quadril. Você me entende — disse, fazendo um nada discreto movimento para frente e para trás.

      — Esse é meu garoto! Vamos dizer a Dámaso e combinamos.

      Levantei e fomos contar os planos a Dámaso. Naquele sábado arrasaríamos Cingapura.

      O resto da manhã pareceu eterno. Todo mundo falava dessa grande festa para espanhóis à nossa volta. Todos faziam planos e riam pensando nas coisas que fariam. Saímos os três para correr com Diego algumas tardes para tentar liberar a tensão e nos concentrarmos em outra coisa, mas todos os esforços foram infrutíferos; e olha que forçamos tanto que nossas pernas ficaram doendo a semana toda. Até a partida de basquete da liga das empresas não foi mais que uma desculpa para falar do mesmo assunto.

      Finalmente, chegou o sábado. A festa era no começo da noite. Assim, de manhã me levantei cedo e desci para a academia. As pernas estavam destruídas, mas tinha muito que trabalhar nos braços. Depois, fui com Diego em uma sessão matinal do cinema, na rede Golden Village Cinema, a quinze minutos andando de nossos escritórios. Eram salas com assentos grandes, muito espaço para esticar as pernas e em que às vezes passavam ciclos de cinema clássico. Estavam passando alguns dos melhores filmes de ficção científica de sempre e Diego e eu estávamos com pique para todos. Ver de novo Alien, Guerra nas Estrelas, Dune ou Blade Runner na tela grande não tinha preço. Nós éramos fanáticos pelo gênero.

      Depois do filme, que era Matrix naquele dia, comemos em um restaurante de comida rápida chamado Mos Burger que, como o próprio nome diz, servia hamburgueres. Era a semana do hamburguer japonês e tinham alguns ingredientes muito estranhos, como shoyo e missô. No fim, não me entusiasmei muito. Onde tivesse um bom hamburguer com molho barbecue, queijo, tomate e cebola, preferia que deixassem de foras os experimentos estranhos. Então, fomos cada um para sua casa para tomarmos um bom banho e nos prepararmos para a festa, que começaria pouco depois, às sete da noite.

      Quando cheguei em casa, Dámaso e Josele estavam em plena animação preparatória. Josele estava ocupado diante do espelho do banheiro com seu pequeno topete, que lhe dava um ar de “Rei”, e Dámaso olhava as roupas do armário com tanta concentração que parecia que estava jogando a mais difícil das partidas de xadrez da história. Aproveitei para tomar uma ducha e escolher um conjunto de roupas elegantes, mas nada exagerado. Não queria humilhar, mas também não queria parecer um Don Juan. Quando estávamos todos prontos, descemos até a rua, onde já esperava o táxi que tínhamos chamado, e fomos para a festa. Em quinze minutos estávamos na porta.

      A entrada era uma estrutura de cristal com a palavra Avalon em letras fluorescente. Era vizinha da Marina Bay, por isso, a vista do outro lado da baía, incluindo os prédios onde trabalhávamos, era impressionante, com todos esses altos edifícios iluminados. Não deixava nada a desejar às vistas noturnas de Manhattan, em Nova Iorque, do Brooklyn. Entramos quando a festa tinha acabado de começar, por isso não havia ainda muita gente, e pudemos escolher um bom lugar para ficar. Nas festas acontecia o mesmo que com o marketing na Internet. As três chaves eram: posicionamento, posicionamento e posicionamento. Por dentro, havia um ar de nave industrial e com todas as luzes e a música, me lembraram o movimento ciberpunk, muito parecida com a ambientação do filme Blade Runner que Diego e eu iríamos ver na semana seguinte. Ao fundo, em uma plataforma com muitíssimos pontos de luz na parede que se acendiam e apagavam de forma aleatória, estava o DJ, tocando música eletrônica. Para mim, o nome dele não dizia nada, mas a verdade é que música não parecia ser sua especialidade. Parecia até que não tinha nem ideia do que estava fazendo. De qualquer forma, parecia ser conhecido aqui, porque quando o anunciaram, as pessoas ficaram loucas.

      Tínhamos combinado com dois colegas de trabalho, e pouco a pouco foram chegando até que éramos mais de vinte. Na verdade, espanhóis eram cinco: Teresa, Dámaso, Josele, Diego e eu. Eu achava estranho


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