Flores do Campo. João de Deus
só beijo bebi em vida minha!
E morro sem te vêr! Cabeça doida,
Desasisado amor! Sonhar afflicto
Um sonho até morrer… Não: resuscito;
Morto tenho eu vivido a vida toda.
ROSAS
Trazeis-me rosas; d’onde as heis trazido,
Boa velhinha e minha boa amiga?
Rosas no inverno! permitti que o diga,
Sois feiticeira: d’onde as heis colhido?
Na primavera de meus annos, ólho,
Mas vejo abrolhos e não vejo flôres:
E vós colhêl-as, como as eu não colho…
Sois feiticeira— enfeitiçaes d’amores.
Enfeitiçaes que a formosura, crêde,
Não vem da face avelludada e bella;
A formosura vem só d’alma; é d’ella
Que brota a fonte que nos mata a sêde.
Vós sois velhinha, já não tendes côres
Que o rosto animem e que os olhos prendam,
Mas tendes prendas que o amor accendam,
Tendes ainda no inverno… flôres.
Evora.
ROSA E ROSAS
A Rosa trouxe-me rosas
E nada mais natural,
Mas eu prendas tão mimosas
É que não tenho; inda mal.
Quando tinha, se me désse,
Não digo mais que uma flôr,
Talvez de flôres lhe enchesse
Esses cofrinhos d’amor.
Aguas passadas, Rosinha!
Deixal-o; veja se vê
N’este chão que já foi vinha
Coisa que ainda se dê.
Veja e escolha. Está na mesa
O que ha em casa; é tirar
– Tirar com toda a franqueza;
Inda hão-de espinhos sobrar.
Mas se espinhos, mas se abrolhos
Lhe não agradam, amor!
Mire-se bem nos meus olhos,
Que ha-de ahi vêr… uma flôr.
Evora.
A HERMANN
«Conchega a mãi ao peito o filho caro;
Estende a pomba as azas no seu ninho
Pelos filhinhos seus.
Embala o arbusto agreste; o fructo amaro.
Guia a bussola o nauta em seu caminho,
Como um dedo de Deus.
«Bebe a nuvem no mar, no rio a fera;
Acha o tigre covil na antiga Hyrcania,
Hoje em dia, Ghilã;
Renasce a planta á luz da primavera,
E no calix da flôr gotta espontanea
Cahe á luz da manhã.
«Só eu no mundo um gosto em vão pretendo:
Guebro entre os persas, entre os indios pária,
Judeu entre christãos,
Só eu debalde ao céo as mãos estendo,
Como o naufrago á praia solitaria
Debalde estende as mãos.
«Tenho no livro azul onde Elle escreve
Esse nome, que nunca pronuncia
Quem bem o soletrou,
Mil vezes tenho lido que não deve
Queixar-se mais que a flôr que vive um dia
Um verme como eu sou.
«Porém, chorando, as mágoas diminuem.
Custa muito soffrer sem que um gemido
Ah! solte a nossa dôr.
E se aos olhos as lagrimas affluem,
É que este allivio nosso é permittido.
O céo orvalha a flor.»
Diz isto o orphão. De alma os ais lhe sahem,
Como os suspiros de harpa eolea em ermo.
Ninguem no mundo o ouviu.
Mas, se a teus pés as lagrimas lhe cahem,
Tocou a mão de Christo a mão do enfermo;
O Lazaro surgiu.
Por isso, Hermann! espantas-me. Não scismo
Nos prodigios da milagrosa vara
Que o Senhor Deus te deu.
Teu coração, Moysés do christianismo!
Tua alma é que eu admiro, e te invejára
Se o que é teu… fosse teu.
Coimbra.
PRESENTIMENTO
Emilia! não vês a lua
Como vacilla e fluctua,
Ora avança, ora recúa,
E não ha passar d’alli?
Tu és a imagem d’ella;
És tão sympathica e bella,
Meiga e timida, que ao vêl-a
Me lembra sempre de ti!
Tu és o botão de rosa
Que abraçado á mãi formosa
Só folga, só vive e goza
N’aquella triste união;
Treme até de ouvir a aragem
Passar por entre a folhagem:
Emilia! tu és a imagem
Do mais timido botão.
Mas embora: o tempo gira.
Um dia o botão, que aspira
O ar da manhã… suspira
E levanta o collo ao céo:
Vê vir raiando a aurora,
Abre o seio á luz que adora,
Correm-lhe as lagrimas, chora…
Chora o tempo que perdeu!
Porque elle, Emilia! não teme
Que a luz da aurora o queime;
Elle suspira, elle geme
Por vêr a luz que o creou.
Nem tambem a lua pára:
Se algumas vezes repara
N’uma nuvem menos clara,
É um momento e… passou.
Não ha existencia alguma
Que não tenha amor; nenhuma;
Porque o amor é, em summa,
Essencia de todo o sêr.
Ha sempre quem nos attráia.
Mil