Os Lusíadas. Luis de Camoes

Os Lusíadas - Luis de Camoes


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tambem aquelle illustre Gama,

      Que para ſi de Eneas toma a fama.

      Pois ſe a troco de Carlos Rei de França,

      Ou de Ceſar, quereis iqual memoria:

      Vede o primeiro Afonſo, cuja lança

      Eſcura faz qualquer eſtranha gloria:

      E aquelle que a ſeu Reino a ſegurança

      Deixou, com a grande & proſpera victoria.

      Outro Ioane, inuicto caualleiro,

      O quarto, & quinto Afonſos, & o terceiro.

      Nem deixarão meus verſos eſquecidos,

      Aquelles que nos Reinos la da Aurora,

      Se fizerão por armas tam ſubidos,

      Voſſa bandeira ſempre vencedora.

      Hum Pacheco fortiſsimo, & os temidos

      Almeidas, por quem ſempre o Tejo chora.

      Albuquerque terribil, Caſtro forte,

      E outros em quem poder não teue a morte.

      E em quanto eu eſtes canto, & a vos nam poſſo

      Sublime Rei, que nam me atreuo a tanto,

      Tomay as redeas vos do Reino voſſo,

      Dareis materia a nunca ouuido canto:

      Comecem a ſentir o peſo groſſo,

      (Que polo mundo todo faça eſpanto,)

      De exercitos, & feitos ſingulares,

      De affricas as terras, & do Oriente os mares.

      Em vos os olhos tem o Mouro frio,

      Em quem vè ſeu exicio afigurado,

      So com vos ver o barbaro Gentio,

      Moſtra o peſcoço ao jugo ja inclinado:

      Thetis todo o ceruleo ſenhorio,

      Tem pera vos por dote aparelhado:

      Que affeiçoada ao geſto bello, & tenro,

      Deſeja de compraruos pera genro.

      Em vos ſe vem da Olimpica morada,

      Dos ous auôs, as almas ca famoſas,

      Hũa na paz Angelica dourada,

      Outra polas batalhas ſanguinoſas:

      Em vos eſperão, verſe renouada,

      Sua memoria, & obras valeroſas.

      E la vos tem lugar no fim da idade,

      No templo da ſuprema eternidade.

      Mas em quanto eſte tempo paſſa lento,

      De regerdes os pouos, que o deſejão:

      Day vos fauor ao nouo atreuimento,

      Pera que estes meus verſos voſſos ſejão:

      E vereis ir cortando o ſalſo argento:

      Os voſſos Argonautas, por que vejão,

      Que ſam vistos de vos no mar yrado,

      E costumaiuos ja a ſer inuocado.

      Ia no largo Occeano nauegauão,

      As inquietas ondas apartando,

      Os ventos brandamente reſpirauão,

      Das naos as vellas concauas inchando:

      Da branca eſcuma, os mares ſe moſtrauão

      Cubertos, onde as proas vão cortando.

      As maritimas agoas conſagradas,

      Que do gado de Proteo ſam cortadas.

      Quando os Deuſes no Olimpo luminoſo,

      Onde o gouerno esta, da humana gente,

      Se ajuntão em conſilio glorioſo,

      Sobre as couſas futuras do Oriente:

      Piſando o criſtalino Ceo fermoſo,

      Vem pela via Lactea, juntamente

      Conuocados da parte do Tonante,

      Pelo Neto gentil do velho Atlante.

      Deixão dos ſete Ceos o regimento,

      Que do poder mais alto lhe foi dado,

      Alto poder, que ſo co penſamento

      Governa o Ceo, a Terra, & o Mar yrado:

      Ali ſe acharão juntos num momento,

      Os que habitão o Arcturo congelado.

      E os que o Auſtro tem, & as partes onde

      A Aurora naſce, & o claro Sol ſe eſconde.

      Eſtava o Padre ali ſublime & dino,

      Que vibra os feros rayos de Vulcano,

      Num aſſento de estrellas criſtalino,

      Com geſto alto, ſevero, & ſoberano,

      Do roſto reſpiraua hum ar diuino,

      Que diuino tornàra hum corpo humano:

      Com hũa coroa, & ceptro rutilante,

      De outra pedra mais clara que diamante.

      Em luzentes aſſentos, marchetados

      De ouro, & de perlas, mais abaixo estavão

      Os outros Deuſes todos aſſentados,

      Como a Razão, & a Ordem concertauão.

      Precedem os antiguos mais honrrados,

      Mais abaixo os menores ſe aſſentauão:

      Quando Iupiter alto, aſſy dizendo,

      Cum tom de voz começa, graue & horrendo.

      Eternos moradores do luzente

      Eſtelifero polo & claro aſſento,

      Se do grande valor da forte gente,

      De Luſo, não perdeis o penſamento,

      Deueis de ter ſabido claramente

      Como he dos fados grandes certo intento

      Que por ella ſeſqueção os humanos,

      De Aſsirios, Perſas, Gregos & Romanos.

      Ia lhe foy (bem o vistes) concedido

      Cum poder tam ſingelo & tam pequeno

      Tomar ao Mouro forte & guarnecido,

      Toda a terra que rega o Tejo ameno:

      Pois contra o Caſtelhano tam temido

      Sempre alcançou fauor do Ceo ſereno.

      Aſsi que ſempre em fim com fama & gloria,

      Teue os tropheos pendentes da victoria.

      Deixo Deoſes atras a fama antigua,

      Que co a gente de Romulo alcançarão,

      Quando com Viriato, na inimiga

      Guerra Romana tanto ſe affamarão.

      Tambem deixo a memoria, que os obriga

      A grande nome, quando aleuantarão

      Hum, por ſeu capitão, que peregrino

      Fingio na Cerua eſpirito diuino.

      Agora vedes bem, que cometendo,

      O diuidoſo mar, num lenho leue,

      Por vias nunca vſadas, não temendo

      De Affrico & Noto a força a mais ſatreue:

      Que auendo tanto ja que as partes vendo,

      Onde o dia he comprido,


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