Um novo mundo. Cabral Guilherme Read

Um novo mundo - Cabral Guilherme Read


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quadros são provavelmente, a reproducção fixa d'esses teus sonhos d'outróra?

      – Não senhor! É da realidade!

      Voltei-me para elle, e o meu olhar obrigou-o a dizer-me:

      – «Sem duvida, julgas-te na presença de um mentecapto!»

      – Em quanto te tinha como phantasista, ou para melhor dizer, – o nephelibata da pintura – não passavas de originalismo, mas quando me queres impôr que tudo isto é verdadeiro, francamente, não me parece que estejas no teu juizo perfeito.

      – D'essa maneira, de que me serve contar-te a historia representada n'estes quadros?

      Ter-me-has na conta de um improvizador, e não sei mesmo, se de intrujão.

      – Tudo, menos isso, Luiz!

      Conheço demais a seriedade do teu caracter: mas não haverá no teu espirito uma illusão, filha dos teus insaciaveis desejos de penetrar os mysterios vedados á nossa investigação?

      – Não, Carlos! Estes quadros são as memorias vivas do que me foi dado ver!

      – O que homem! O centro da terra, e o fundo dos mares?

      Agora começo a duvidar da tua sanidade intellectual! Como queres tu que eu tenha por realidade, este quadro, por exemplo, em que vejo a tua figura, pois evidentemente o é, com o trajo de banho que usavas, olhando com pasmo um espaço enorme illuminado, segundo julgo, a luz electrica; arcarias cristallinas a perder de vista, um lago sem fim que parece de prata liquida, um arvoredo exótico, esplendido, e junto de ti, encarando-te como em extasis, uma rapariga gentilissima, linda como pode ser um anjo!

      Que matizado tapete é este que se desenrola em toda a extensão do quadro? Nunca a Persia produziu uma maravilha igual. E esta claridade, suave como a da lua, que penetra, sem produzir sombras, todos os pontos mais reconditos d'este phantastico recinto!

      Pois tudo isto é real!

      – É! respondeu-me elle; imperativamente.

      Havia um tom d'authoridade n'aquella affirmativa que me fez emmudecer.

      – Senta-te; me disse elle, e escuta-me. Por mais extraordinarios que te pareção os acontecimentos que vou narrar, peço-te que me tenhas na conta de verdadeiro. O mundo dava-me por doudo varrido, bem sei; e é por isso que este segredo morreria comigo se o acaso nos não aproximasse mais uma vez na vida.

      – Descança, Luiz, lhe respondi: serei mudo como o tumulo.

      – Não me opponho a que divulgues a minha singularissima aventura, pois poderá servir de proveito, com tanto que supprimas a minha individualidade.

      Sabes, continuou elle, quanto eu lamentava não poder arrancar ao seio das aguas e ao centro da terra os seus mysterios! Pois bem! Um dia, precisamente a vespera d'aquelle em que desappareci, tinha-me lançado ás aguas, mergulhando a grande profundidade, como era meu costume, para admirar as plantas da costa submarina e a variedade de peixes que o pescador não apresenta no mercado.

      De subito; pareceu-me distinguir um rosto humano e uns olhos que me espreitavam com curiosidade e interesse.

      Veio-me á idea a lenda das sphinges, meio corpo de mulher e meio de peixe, ideia tão repellente, quanto attractiva era a espressão d'aquelle rosto.

      Era-me, porém, precizo ganhar a superficie para renovar os pulmões de ar.

      Quando desci pela segunda vez, o mysterioso ser tinha desapparecido.

      Não sei que influencia exercêra sobre mim tão singular apparição.

      Queria profundar aquelle mysterio e temia-o ao mesmo tempo.

      Não se me tirava da imaginação: sentia-me fatalmente arrastado para a borda do mar, mas, por cautella, armei-me de punhal que cozi pela bainha, ao fato de banho.

      Nada me assegurava que fosse um ser inofensivo, e devia ir preparado para o peior.

      Quando cheguei á maxima profundidade, la estava o ente mysterioso; não, como na vespera, em distancia, mas proximo.

      Corpo mais gentil, rosto mais seductor, não podia existir.

      A Sphinge desappareceu immediatamente da minha imaginação. Fiquei como enfeitiçado!

      O mysterioso, como deves lembrar, tinha sobre mim um poder magico. Não senti, senão já tarde, a necessidade de respirar: um desfallecimento apoderou-se de mim, era a asphyxia: perdi os sentidos, mas não sem perceber que estava sendo impetuosamente impellido para o fundo.

      Quando os recuperei, achei-me acolá, aonde me vês, extendido sobre uma alfombra de fino musgo matizada pela Alternánthera e outras flôres lindissimas de variadas côres, e, curvada sobre mim, estava a mais encantadora e sympathica creatura imaginavel.

      Puz-me de pé: – Olhei maravilhado para ella e para tudo que me rodeava.

      Uma abobeda descommunal, cristalina, reflectindo a luz suave que vês n'aquelte quadro e illuminando soberbas arcarias perdidas na distancia, brancas como jaspe; e, sem se conhecer os limites, um lago que parecia de azougue, reproduzindo na sua superficie refulgente de aguas adormecidas, as sumptuosas naves e a vegetação esplendida d'esta archicathedral.

      Miragem admiravel!

      Passado o primeiro momento de espanto voltei-me para a minha companheira a pedir-lhe me dicesse, se não era ella a Eva legendaria, perpetuada atravez dos séculos, tal como Deus a pozera no paraiso, e se o que estava vendo não fazia parte do proprio Eden.

      Não só conservou-se calada, mas demonstrou surpreza quando fallei.

      Repeti a minha pergunta em outras linguas, e sempre a mesma mudez.

      Rodeava-a um bando de cabras. Tomando de cima do enflorado tapete uma concha, que primeiramente passou pelas aguas limpidas de um arroio que corria perto de nós, mugiu uma cabrinha alva de neve e offereceu-me aquella rustica taça, acenando-me para beber do precioso leite.

      Seria ella muda?

      Embora o fosse, a minha admiração da sua belleza attractiva redobrava de momento para momento.

      Tomei, reconhecido, as suas mãos nas minhas e ella abraçou-me sem constrangimento. Uni-a a mim e beijei-a.

      A expressão de amor com que ella me olhava era mais eloquente do que quanto podesse exprimir a palavra.

      Sobre nós espraiavam-se as largas e magestosas folhas da Muza, cujos esplendidos cachos de côr dourada beijavam o chão.

      A Passiflora, com seus fructos roxos, e outras trepadeiras lindissimas em flôr, enlaçavam-se aos troncos.

      Palmeiras elegantissimas, com seus differentes fructos, erguiam-se magestosas. A Vanilla, com suas perfumadas e deliciosas bages, arvores de fructo de que não tinha conhecimento, a Vanda, a Begonia, e outras plantas ornamentaes que n'aquelle ambiente tépido e inalteravelmente tranquillo, floresciam como nas nossas estufas na maxima perfeição.

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