Memorias de José Garibaldi, volume II. Garibaldi Giuseppe
de revolucionar estas provincias.
A primeira vez que sahiu das linhas, não sei se foi dos soldados ou dos officiaes, a legião italiana tomou tal medo que entrou para as fortificações sem haver disparado um tiro.
Obriguei um dos tres commandantes a pedir a sua demissão, dirigi uma proclamação aos italianos, escrevendo pela segunda vez a Anzani, que estava no Uruguay, empregado n'uma casa de commercio, convidando-o a vir para a minha companhia.
Este excellente amigo chegou no mez de julho.
Com elle tudo ganhou força e vida. A legião que se achava horrivelmente administrada mereceu todos os seus cuidados.
Durante este tempo tinha-se organisado, sabe Deus como, uma pequena flotilha, de que me confiaram o commando.
Mancini tomou o meu logar na legião.
A flotilha communicava pelo rio com o Cerro, fortaleza que tinha ficado em nosso poder, ainda que estivesse a tres ou quatro leguas, na margem do Prata, mais distante que o Cerrito que tinha cahido no poder de Oribe.
O Cerro era-nos mui necessario porque nos servia de ponto de apoio, para mandar gente para as planicies e receber os fugitivos.
Antes de organisar a defeza, a esquadra do almirante Brown tinha feito uma tentativa sobre o Cerro e sobre a ilha dos Ratos. Durante tres dias defendi a ilha e a fortaleza. Na ilha havia peças de 18 e de 36, obrigando o almirante a retirar-se com grandes perdas.
Já disse que á entrada de Anzani as concussões tinham acabado; porque este honrado homem em tudo tinha cuidado, e por isso se formou uma conspiração que tinha por fim assassinal-o e a mim, entregando a legião italiana ao inimigo.
Anzani foi prevenido.
Os conspiradores viram que não tinham nada a fazer por este lado, e uma manhã vinte officiaes e cincoenta soldados passaram para o inimigo.
Os soldados, é necessario fazer-lhe esta justiça, voltaram a pouco e pouco.
A legião livre dos traidores, ficou composta de homens valentes e honradissimos. Anzani reuniu-a e disse-lhe:
– Se eu tivesse que fazer uma escolha entre os bons e os maus, não teria escolhido melhor, como o acaso vem de fazer.
O general Pacheco e eu tambem fizemos os nossos discursos á tropa.
Alguns dias depois do primeiro combate onde a legião italiana tinha dado de si tão má idéa, propoz uma expedição, com o fim de a rehabilitar, que foi acceita. Tratava-se de atacar as tropas de Oribe que estavam diante do Cerro. Embarquei a legião italiana na nossa pequena esquadra e desembarcámos no Cerro, e tomando com Pacheco o commando da legião atacámos o inimigo ás duas horas da tarde, tendo-o posto na mais completa derrota ás cinco.
A legião composta de quatrocentos homens atacou um batalhão de seiscentos. Pacheco combatia a cavallo, e eu ora a pé, ora a cavallo, conforme era necessario. O inimigo teve cento e cincoenta mortos e duzentos prisioneiros, e nós apenas cinco ou seis mortos, e doze feridos, entre os quaes figurou um official chamado Ferrucci ao qual foi necessario cortar uma perna.
No dia seguinte voltamos em triumpho a Montevideo. Pacheco mandou reunir a legião, elogiou-a muito, e deu uma espingarda de honra ao sargento Loreto.
O combate tinha tido logar no dia 28 de março de 1843.
Já me achava tranquillo, os meus soldados haviam recebido o baptismo do fogo.
No mez de maio teve logar a benção da bandeira.
Era de seda preta com o Vesuvio pintado. Era o emblema da Italia, e das revoluções que em si encerrava. Foi confiada a Sacchi mancebo de vinte annos que se tinha conduzido admiravelmente no combate do Cerro.
É o mesmo que combateu mais tarde comigo em Roma, e que hoje é coronel.
III
O CORONEL NEGRA
A 17 de novembro do mesmo anno, a legião italiana achava-se de serviço nas linhas e eu tambem ahi estava.
Depois do almoço o coronel Negra, natural de Montevideo, montou a cavallo e percorreu a linha acompanhado por alguns homens.
O inimigo dirigiu-lhe alguns tiros, e com tanta felicidade que o feriram mortalmente.
Vendo-o cahir, o inimigo avançou e apoderou-se do corpo.
Apenas soube este acontecimento e não querendo deixar o corpo de um tão bravo official exposto aos insultos do inimigo, reuni uns cem homens e ataquei com elles.
Momentos depois o corpo do coronel estava em meu poder.
Então os soldados de Oribe encheram-se de furor, e tendo recebido consideraveis reforços achei-me cercado por todos os lados. Os nossos soldados vendo isto voaram em meu soccorro, tomando parte no combate toda a legião.
Exaltados pela minha voz, avançaram contra o inimigo e com tanta felicidade que n'um momento estava na mais completa derrota, tendo-lhe tomado uma bateria e occupado as suas posições.
Mas bem depressa voltando em massa nos atacaram.
Todas as forças da guarnição sahiram, e o combate tornou-se geral, durando oito horas.
Fomos obrigados a abandonar as posições que haviamos tomado, mas Oribe suffreu grandes perdas, e entramos em Montevideo vencedores na realidade e convencidos da nossa superioridade sobre o inimigo.
Tivemos sessenta homens feridos ou mortos.
Tinha tomado parte no combate como um simples soldado, por isso não tinha observado o que se passou em volta de mim. Entretanto no meio da confusão havia visto Anzani combatendo com o seu socego habitual, e sabia que dominando a lucta nenhum detalhe lhe havia escapado.
N'essa mesma tarde pedi-lhe uma nota de todos os que se haviam distinguido.
No dia seguinte reuni a legião, louvando-a e agradecendo-lhe em nome da Italia, e promovi alguns d'estes bravos a officiaes e a sargentos.
Depois d'estes dois combates a legião italiana tinha tomado tal influencia sobre o inimigo que quando elle a via marchar de bayoneta callada fugia, ou se acceitava o combate era sempre derrotado.
Durante estes acontecimentos Rivera tinha conseguido reunir um pequeno exercito composto de cinco ou seis mil homens, com o qual fazia frente a Urquiza, hoje presidente da republica argentina. De tempos a tempos Rivera enviava pelo Cerro mantimentos a Montevideo.
Oribe mandou uma parte do seu exercito a Urquiza, ordenando-lhe que tratasse de destruir Rivera.
IV
PASSAGEM DA BOYADA
Soubemos em Montevideo da partida dos soldados de Oribe, resolvendo então o general Paz a aproveitar-se do enfraquecimento do exercito inimigo.
Além do Cerrito, estavam quasi mil e oitocentos homens observando o Cerro.
Partimos a 23 de abril de 1844 ás 10 horas da noite.
Eis qual era o nosso plano:
Atacar o corpo de observação do Cerro, porque sabendo d'este ataque, Oribe devia enviar-lhe soccorros enfraquecendo-se ainda mais, e então sahiria toda a nossa gente a atacal-o.
Seguimos as margens do mar, passando o Arroyo Secco, que apesar do seu nome nos obrigou a encher d'agua até ao pescoço.
Tendo passado o rio, dirigimo-nos pela planicie rodeando o acampamento.
Marchavamos com taes precauções que chegamos á vista do corpo d'observação sem ter causado a mais pequena suspeita.
A guarnição do Cerro devia sahir coadjuvando o nosso movimento. Uma discussão se elevou entre os dous officiaes que a commandavam porque ambos queriam tomar o commando. Estando em fuga os mil e outocentos homens deviamos voltar sobre Oribe, collocando-o entre o fogo da nossa gente e o da cidade. A discussão entre os dous officiaes fez falhar o nosso plano, porque a guarnição sahiu, mas senhor de todas as forças Oribe repelliu-a, e foi elle que por sua vez marchou sobre nós, executando o plano de batalha que haviamos formado contra elle.
Fomos pois attacados