Memorias de José Garibaldi, volume II. Garibaldi Giuseppe

Memorias de José Garibaldi, volume II - Garibaldi Giuseppe


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«Fogo, fogo!»

      Saltar do gurupés á prôa, da prôa á ponte e deixar-me correr pelo bordo foi obra de um segundo.

      Fazendo a distribuição de viveres, o distribuidor tinha tido a imprudencia de tirar a agua-ardente de um barril com uma luz na mão; a agua-ardente havia-se incendiado, e o que a tirava atarantara-se, e em vez de tornar a fechar o barril, tinha deixado correr a golphadas o liquido; sendo o aposento dos viveres um lago de fogo scintillante.

      Foi ali que vi quanto os homens mais bravos são accessiveis ao terror, quando o perigo se lhes apresenta sob um aspecto differente d'aquelle a que são habituados.

      Todos estes homens que eram heroes no campo de batalha se compelliam, corriam, perdiam a cabeça, tremulos e transidos como creanças.

      No fim de dez minutos ajudado de Anzani, que havia deixado seu leito ao primeiro grito de alarma, tinhamos extinguido o fogo.

      O pobre Anzani, com effeito estava de cama, não por estar inteiramente nú, mas porque se achava já violentamente tomado da doença de que devia morrer chegando a Genova, quero dizer de uma phtisica pulmonar.

      Este homem admiravel ao qual o seu mais mortal inimigo, se acaso podia ter algum, não poderia achar um só defeito, depois de ter consagrado sua vida á causa da liberdade, queria que seus ultimos momentos fossem ainda uteis a seus companheiros de armas; todos os dias ajudavam-no a subir á ponte; quando não poude mais subir, fez-se para ahi transportar, e deitado sobre um colxão dava lições de estrategia aos legionarios, reunidos em redor d'elle.

      Era um verdadeiro diccionario de sciencias o pobre Anzani; ser-me-ia tão difficil enumerar as cousas que elle sabia, como encontrar uma que não soubesse.

      Em Palo, quasi a cinco milhas de Alicante, saltámos em terra para comprar uma cabra e laranjas para elle.

      Foi lá que soubemos pelo vice-consul sardo parte dos successos que se passavam na Italia.

      Soubemos que a constituição piemonteza tinha sido proclamada e que os cinco gloriosos de Milão se tinham passado, cousas que não podiamos saber á nossa sahida de Montevideo, isto é a 27 de março de 1848.

      Disse-nos o vice-consul que vira passar navios italianos com bandeira tricolor. Não era preciso mas para me decidir a arvorar o estandarte da independencia. Arriei o pavilhão de Montevideo sob o qual navegavamos, icei immediatamente na verga do navio a bandeira sarda, improvisada com metade de um lençol, um casaco vermelho e o resto dos ornatos verdes do nosso uniforme de bordo.

      Recordam-se que o nosso uniforme era a blouse vermelha adornada de verde com debruns brancos.

      A 24 de junho, dia de S. João, chegámos á vista de Nice. Muitos entendiam que não deviamos desembarcar sem mais amplas informações.

      Arriscava-me a muito, pois estava ainda condemnado á morte.

      Todavia não hesitei, ou antes não teria hesitado, porque reconhecido pelos tripulantes de um navio, o meu nome espalhar-se-hia bem depressa, e apenas meu nome estivesse espalhado, Nice em peso correria para o porto, e seria preciso no meio das acclamações, acceitar as festas que nos eram offerecidas de todos os lados. Mal se soubesse que eu estava em Nice, e que tinha atravessado o Occeano para vir em auxilio da liberdade italiana, os voluntarios correriam de todos os lados. Mas n'esse momento eu tinha melhores projectos.

      Da mesma fórma que acreditara no papa Pio IX, cria no rei Carlos Alberto; em vez de nos preoccupar de Medici que tinha expedido como disse a Via Reggio para ahi organisar a insurreição, encontrando a insurreição organisada e o rei do Piemonte á sua frente, julguei que o que tinha de melhor a fazer era offerecer-lhe os meus serviços.

      Disse adeus ao meu pobre Anzani, adeus tanto mais doloroso por ambos sabermos que não nos tornariamos a ver, e embarquei para Genova, aonde cheguei ao quartel general de Carlos Alberto.

      O resultado da minha entrevista com elle, provou-me que me havia enganado. Separamo-nos, pois, descontentes um com o outro, e volvi a Turim onde soube da morte de Anzani.

      Perdia metade do coração.

      A Italia perdia um dos seus mais distinctos filhos.

      Oh! Italia! Italia! mãe infortunada! que lucto para ti no dia em que este bravo entre os bravos, este leal entre os leaes cerrou os olhos para sempre á luz do teu bello sol!

      A morte de um homem como Anzani, eu t'o digo, ó Italia! deve arrancar do intimo seio da nação que lhe deu o nascimento um grito de dôr, e se ella não chora, se não se lamenta como Rachel na Roma, esta nação não é digna de sympathia ou piedade, porque não tem tido sympathia ou piedade pelos seus mais generosos martyres.

      Oh! martyr, cem vezes martyr foi o nosso charo Anzani, e a mais cruel tortura soffrida por este valente foi de tocar a terra natal, pobre moribundo, e não acabar como viveu combatendo por ella, por sua honra, por sua regeneração.

      Oh Anzani! se um genio egual ao teu tivesse presidido aos combates da Lombardia, á batalha de Novara, ao cerco de Roma, o estrangeiro não sulcaria a terra natal, e não pisaria os ossos de nossos avoengos!

      A legião italiana, viram-no, tinha feito pouco, antes da chegada de Anzani; vindo elle, sob seus auspicios, percorreu uma carreira de gloria que tornára ciosas as nações mais engrandecidas.

      Entre todos os militares, os soldados, os combatentes, entre todos os homens que trazem espada ou espingarda emfim que tenho conhecido, não vi um que podesse egualar Anzani nos dons naturaes, nas inspirações de coragem, nas applicações scientificas. Tinha o valor ardente de Massena, o sangue frio de Davesio, a severidade, bravura e temperamento de Manara!1

      Os conhecimentos militares de Anzani, sua sciencia generica, ninguem os igualava. Dotado de uma memoria rara, fallava com uma precisão admiravel das cousas passadas, embora estas remontassem á antiguidade.

      Nos ultimos annos da sua vida, o seu caracter estava sensivelmente alterado; tinha-se tornado acre, irascivel, intolerante, e, pobre Anzani, não era sem motivo esta mudança. Atormentado quasi incessantemente por dôres resultadas de numerosas feridas e da vida tempestuosa que tinha soffrido durante tantos annos, arrastava uma intoleravel existencia, uma existencia de martyr.

      Deixo a uma mão mais habil que a minha o cuidado de traçar a vida militar de Anzani, digna de occupar as vigilias de um escriptor eminente. Na Italia, Grecia, Portugal, Hespanha e America encontrar-se-hão, seguindo-lhe a traça, documentos da vida do nosso heroe.

      O jornal da legião italiana de Montevideo sustentado por Anzani, não é senão um episodio da sua vida. Elle foi a alma d'esta legião, dirigida, conduzida, administrada por elle, e com a qual se havia identificado.

      Oh! Italia! quando o Todo-Poderoso tiver marcado o termo a taes desgraças, elle te dará Anzanis para guiar teus filhos ao exterminio d'aquelles que te vilipendiaram e tyrannisaram!

G. G.

      XI

      AINDA MONTEVIDEO

      Antes de começar a narração da campanha da Lombardia executada por Garibaldi em 1848, diremos a proposito de Montevideo, tudo o que elle na sua modestia, não quiz dizer.

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<p>1</p>

O leitor não conhece ainda estes tres outros martyres da liberdade italiana, mas bem depressa tomará conhecimento com elles. Garibaldi que não escrevia as suas memorias para serem impressas, falla d'alguma sorte mais comigo do que com os leitores.

A. D.