Cinco minutos. José Martiniano de Alencar
agora, disse eu em voz baixa e como fallando á um amigo que estivesse á meu lado, comprehendo porque ella me foge, porque conserva esse mysterio; tudo isto não passa de uma zombaria cruel, de uma comedia, em que eu faço o papel do amante ridiculo. Realmente é uma lembrança engenhosa! Lançar em um coração o germen de um amor profundo; alimental-o de tempos a tempos com uma palavra, excitar a imaginação pelo mysterio; e depois, quando esse namorado de uma sombra, de um sonho, de uma illusão, passear pelo salão a sua figura triste e abatida, mostral-o á suas amigas como uma victima immolada aos seus caprichos, e escarnecer do louco! É espirituoso! O orgulho da mais vaidosa mulher deve ficar satisfeito!
Emquanto eu proferia estas palavras, repassadas de todo o fel que tinha no coração, a Charton modulava com a sua voz sentimental essa linda aria final da Traviata, interrompida por ligeiros accessos de uma tosse secca.
Ella tinha curvada a cabeça, e não sei si ouvia o que eu lhe dizia ou o que a Charton cantava; de vez em quando as suas espaduas se agitavam com um tremor convulsivo, que eu tomei injustamente por um movimento de impaciencia.
O espectaculo terminou, as pessoas do camarote sahiram, e ella, levantando sobre o chapéu o capuz de seu manto, acompanhou-as lentamente.
Depois, fingindo que se tinha esquecido de alguma cousa, tornou á entrar no camarote, e estendeu-me a mão.
– Não saberá nunca o que me fez soffrer, disse-me com a voz tremula.
Não pude ver-lhe o rosto; fugio, deixando-me o seu lenço impregnado d'esse mesmo perfume de sandalo e todo molhado de lagrimas ainda quentes.
Quiz seguil-a; mas ella fez um gesto tão supplicante que não tive animo de desobedecer-lhe.
Estava como d'antes; não a conhecia, não sabia nada á seu respeito; porém ao menos possuia alguma cousa d'ella; o seu lenço era para mim uma reliquia sagrada.
Mas as lagrimas? Aquelle soffrimento de que ella fallava? O que queria dizer tudo isto?
Não comprendia; si eu tinha sido injusto, era uma razão para não continuar á esconder-se de mim. Que queria dizer este mysterio, que parecia obrigada á conservar?
Todas estas perguntas e as conjecturas á que ellas davam lugar não me deixáram dormir.
Passei uma noite de vigilia á fazer supposições, cada qual mais desarrazoada.
III
Recolhendo-me no dia seguinte, achei em casa uma carta.
Antes de abril-a conheci que era d'ella, porque lhe tinha imprimido esse suave perfume que a cercava como uma aureola.
Eis o que dizia:
«Julga mal de mim, meu amigo; nenhuma mulher póde escarnecer de um nobre coração como o seu.
Si me occulto, si fujo, é porque ha uma fatalidade que á isto me obriga. E só Deus sabe quanto me custa este sacrificio, porque o amo!
Mas não devo ser egoista e trocar sua felicidade por um amor desgraçado.
Esqueça-me.
Essa assignatura era a mesma lettra que marcava o seu lenço, e á qual eu desde a vespera pedia debalde seu nome!
Reli não sei quantas vezes esta carta, e, apezar da delicadeza de sentimento que parecia ter dictado suas palavras, o que para mim tornava-se bem claro é que ella continuava á fugir-me.
Fosse qual fosse esse motivo que ella chamava uma fatalidade, e que eu suppunha ser apenas escrupulo, sinão uma zombaria, o melhor era aceitar o seu conselho e fazer por esquecel-a.
Reflecti então seriamente sobre a extravagancia da minha paixão, e assentei que com effeito precisava tomar uma resolução decidida.
Não era possivel que continuasse á correr atrás de um fantasma que esvaecia-se quando ia tocal-o.
Aos grandes males os grandes remedios, como diz Hippocrates. Resolvi fazer uma viagem.
Mandei sellar o meu cavallo, metti alguma roupa em um sacco de viagem, embrulhei-me no meu capote e sahi, sem me importar com a manhã de chuva que fazia.
Não sabia para onde iria. O meu cavallo levou-me para o Engenho-Velho, e eu d'ahi encaminhei-me para a Tijuca, onde cheguei ao meio-dia, todo molhado e fatigado pelos máos caminhos.
Si algum dia se apaixonar, minha prima, aconselho-lhe as viagens como um remedio soberano e talvez o unico efficaz.
Deram-me um excellente almoço no hotel; fumei um charuto, e dormi doze horas, sem ter um sonho, sem mudar de lugar.
Quando accordei, o dia despontava sobre as montanhas da Tijuca.
Uma bella manhã, fresca e rociada das gottas do orvalho, desdobrava o seu manto de azul por entre a cerração, que se desvanecia aos raios do sol.
O aspecto d'esta natureza quasi virgem, esse céo brilhante, essa luz esplendida cahindo em cascatas de ouro sobre as encostas dos rochedos, serenou-me completamente o espirito.
Fiquei alegre, o que ha muito tempo não me succedia.
O meu hospede, um Inglez franco e cavalheiro, convidou-me para acompanhal-o á caça; gastámos todo o dia á correr atrás de duas ou tres marrecas e á bater as margens da Restinga.
Assim passei nove dias na Tijuca, vivendo uma vida estupida quanto póde ser; dormindo, caçando e jogando o bilhar.
Na tarde do decimo dia, quando já me suppunha perfeitamente curado e estava contemplando o sol, que se escondia por detrás dos montes, e a lua, que derramava no espaço a sua luz doce e assetinada, fiquei triste de repente.
Não sei que caminho tomáram as minhas idéas; o caso é que d'ahi á pouco descia a cerra no meu cavallo, lamentando esses nove dias, que talvez tivessem feito perder para sempre a minha desconhecida.
Accusava-me de infidelidade, de traição; a minha fatuidade dizia-me que eu devia ao menos ter-lhe dado o prazer de ver-me.
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