O Napoleão de Notting Hill. Gilbert Keith Chesterton
de higiene, pois era verdade que as qualidades do inimigo comido, passavam para o comedor. A noção de que a natureza de um órgão de um homem italiano estava irrevogavelmente crescendo e florescendo dentro dele era mais do que o velho e gentil professor poderia suportar.
Havia também o Sr. Benjamin Kidd, que disse que a marca crescente de nossa raça seria o cuidado e conhecimento do futuro. Sua ideia foi desenvolvida com mais força por William Borker, que escreveu aquela passagem que todo estudante sabe de cor, sobre os homens em eras futuras chorando pelos túmulos de seus descendentes, e os turistas que estão sobre a cena da histórica batalha que deveria realizar-se alguns séculos depois.
E o Sr. Stead, também proeminente, que achava que a Inglaterra no século XX se uniria a América; e seu jovem tenente, Graham Podge, que incluiria os estados de França, Alemanha e Rússia na União Americana, o Estado da Rússia sendo abreviado para Ra.
Havia também o Sr. Sidney Webb, quem disse que que o futuro veria um aumento continuo da ordem e limpeza na vida das pessoas, e seu pobre amigo Fipps, que enlouqueceu e correu o país com um machado, cortando os galhos das árvores, sempre que não tivesse o mesmo número em ambos os lados.
Todos estes homens inteligentes estavam profetizando com toda a sorte de engenhos o que iria acontecer em breve, e todos eles fizeram isso da mesma maneira, tomando algo de “forte tendência”, como se diz, e esticando-o tanto quanto a sua imaginação aceitava. Isso, segundo eles, era o verdadeiro e simples caminho de antecipar o futuro. “Assim”, disse o Dr. Pellkins, em uma bela passagem, “quando vemos um porco em uma ninhada maior do que os outros porcos, sabemos que por uma lei inalterável do Inescrutável, este porco vai algum dia ser maior do que um elefante, da mesma forma como sabemos, quando vemos ervas daninhas e dentes de leão crescendo mais grossos em um jardim, que estes devem, apesar de todos os nossos esforços, crescer mais altos do que as chaminés e encobrir a casa, do mesmo modo que sabemos reverentemente reconhecer que, quando qualquer poder na política humana atinge considerável destaque por algum período de tempo, este vai continuar até atingir o céu.”
Certamente parece que os profetas haviam colocado as pessoas (envolvidas no velho jogo de Engane o Profeta) em uma dificuldade sem precedentes. Parecia muito difícil fazer qualquer coisa sem cumprir algumas de suas profecias. Mas havia, no entanto, nos olhos dos trabalhadores nas ruas, dos camponeses nos campos, dos marinheiros e das crianças, e especialmente as mulheres, um olhar estranho que manteve os homens sábios em um perfeito estado de dúvida. Eles não podiam imaginar a alegria imóvel em seus olhos. Eles ainda tinham algo na manga, pois eles ainda estavam jogando o jogo de Enganar o Profeta. Então nos sábios cresceu uma dúvida selvagem, que os agitava de cá para lá e passaram a gritar: “O que pode ser? O que pode ser? O que será de Londres daqui a um século? Há algo que não se tenha pensado? Casas de cabeça para baixo… mais higiênicas, talvez? Homens andando em mãos-pés flexíveis, talvez? … Veículos lunares motorizados … sem cabeça…” E assim, eles se agitavam e se perguntavam até que morreram e foram respeitosamente enterrados. Então o povo foi e fez o que queria. Não vou mais esconder a dolorosa verdade. As pessoas tinham enganado os profetas do século XX. Quando a cortina sobe nesta história, oitenta anos após a data presente, Londres é quase exatamente como é agora.
O Homem de Verde
Poucas palavras são necessárias para explicar por que a Londres de daqui a cem anos será muito parecida com a de agora, ou melhor, dado que devo falar a partir de um passado profético, por que Londres, quando a minha história começa, é muito parecida daquela dos dia invejáveis enquanto ainda estava vivo.
A razão pode ser expressa em uma frase. As pessoas tinham perdido absolutamente a fé em revoluções. Todas as revoluções são doutrinárias, tais como a francesa, ou a que introduziu o cristianismo. Pois para o senso comum não se pode virar todo o existente, os costumes e compromissos, a menos que acredite-se em algo transcendente, algo positivo e divino. Agora, a Inglaterra, durante este século, perdeu toda a crença nisso. Passou a acreditar em algo chamado Evolução. E disse: “Todas as mudanças teóricas acabaram em sangue e tédio. Se mudarmos, temos de mudar lentamente e com segurança, como os animais fazem. As revoluções da natureza são as únicas bem-sucedidas. Não houve reação conservadora em favor das caudas.”
E algumas coisas mudaram. Coisas em que não se reparava muito sumiram de vista. Coisas que aconteciam poucas vezes passaram a não acontecer de todo. Assim, por exemplo, a força física real de governar o país, os soldados e policiais, ficaram cada vez menores, até quase desaparecer. As pessoas combinadas poderiam ter varrido os policiais que restaram em dez minutos: mas não o fizeram, porque não acreditavam que isso iria fazê-las algum bem. Elas tinham perdido a fé em revoluções.
A democracia estava morta, porque ninguém se importava qual classe governante governava. A Inglaterra era agora praticamente um despotismo, mas não hereditário. Alguém na classe oficial era nomeado rei. Ninguém se importava como e ninguém se importava quem. Ele era apenas um secretário universal.
Desta forma, tudo em Londres estava bem quieto. Aquela vaga e um tanto quanto depressiva confiança nas coisas acontecendo como sempre acontecem, que é para todos os londrinos um estado de espírito bem familiar, tinha se tornado uma condição constante. Não havia realmente nenhuma razão para qualquer homem fazer qualquer coisa além do puro hábito.
Portanto, não havia qualquer razão pelo qual três jovens que sempre caminharam em conjunto até o escritório do governo não deveriam caminhar juntos nesta manhã de inverno. Tudo nesta era tornou-se mecânico, principalmente os secretários do governo. Todos esses funcionários se reuniam regularmente em seus postos. Três desses funcionários sempre andavam para a cidade juntos. Toda a vizinhança os conhecia: dois deles eram altos e um baixo. E nesta manhã o secretário baixo estava apenas alguns segundos atrasado para se juntar aos outros dois que passavam por sua porta: ele poderia ultrapassá-los em três passos, ele poderia chamá-los facilmente. Mas não o fez.
Por alguma razão, que nunca será entendida até que todas as almas sejam julgadas (se é que elas serão julgadas, a ideia era, neste momento, classificada como culto fetichista), ele não juntou-se aos seus dois companheiros, mas caminhou firmemente atrás deles. O dia estava cinza, sua vestimenta era cinza, tudo era cinza, mas por algum impulso estranho ele andou rua após rua, distrito após distrito, olhando para as costas dos dois homens, que teriam virado-se ao som de sua voz. Agora, há uma lei escrita no mais escuro dos Livros da Vida, e é esta: Se você olhar para algo novecentas, noventa e nove vezes, você está perfeitamente seguro, se você olhar pela milésima vez, você está sob o terrível perigo de vê-lo pela primeira vez.
Assim, o funcionário do governo mais baixo olhava para as caudas dos casacos dos funcionários do governo mais altos, e rua após rua, esquina após esquina, vendo apenas caudas, caudas, e novamente caudas – quando, sem saber o porquê, algo aconteceu aos seus olhos.
Dois dragões negros estavam andando para trás na frente dele. Os dois dragões negros estavam olhando para ele com olhos malignos. Era verdade que dragões estavam caminhando para trás, mas eles mantinham os olhos fixos nele. Os olhos que ele viu eram, na verdade, apenas os dois botões na parte de trás de uma casaca: talvez alguma memória tradicional da insignificância dos botões deu um destaque imbecil ao olhar. A fenda entre as caudas era a linha do nariz do monstro: sempre que as caudas agitavam com o vento do inverno os dragões lambiam seus lábios. Foi apenas uma fantasia momentânea, mas para o pequeno funcionário ficaria gravada em sua alma para sempre. Ele nunca poderia voltar a pensar em homens vestidos de casacos, exceto como dragões andando para trás. Ele explicou depois, com bastante tato e cortesia, a seus dois amigos oficiais que (enquanto sentia uma consideração inexprimível para com eles) ele não poderia seriamente considerar o rosto deles como qualquer coisa exceto uma espécie de cauda. Era, ele admitiu, um belo rabo, uma cauda elevada no ar. Mas se, segundo ele, qualquer verdadeiro amigo deles desejasse ver seus rostos, para ver dentro dos olhos de suas almas, que ao amigo deve ser permitido andar com reverência atrás deles, de modo a vê-los por trás. Lá, ele veria os dois dragões negros com os olhos cegos.
Quando pela primeira vez os dois dragões negros saltaram no nevoeiro sobre o pequeno funcionário, tiveram meramente o mesmo