Spaghetti Paraiso. Nicky Persico
da mulher, pelo contrário a hipótese mais lisonjeira que me assaltara em mente, sobre os seus pensamentos, foi «este é louco».
Decidi enfrentar a situação com determinação, e de trazê-la de novo nos carris: eu era o advogado – quase/aspirante – e ela cliente. E para além disso uma chata sem um tostão, a qual tinha feito o favor de recebê-la apenas porque é amiga de amigos. E que diabo!
Completei a volta da escrivaninha e sentei ao lado dela, segunda poltrona. Durante àquele brevíssimo trajecto, Virginia volveu-se em volta e observou o gabinete: teve a nítida sensação de perceber o seu espanto.
Procurei de ser profissional.
«O advogado Spanna adiantou-me alguma coisa, senhora, mas só em linhas gerais. Como sabe, me ocuparei na instrução da questão, e depois vou submeter tudo a ele para as avaliações do caso. É apenas uma forma para poder recuperar o tempo, caso contrário não poderia acompanhá-la. Queira explicar-me do que se trata?»
«Pois bem, advogado… sim, certo… aqui está… é uma coisa… uma coisa… um pouco complicada…»
O olhar da mulher transformou-se, se possível, mais sombrio ainda, e ao pronunciar aquelas palavras cruzou as pernas, unindo os calcanhares, e levou as mãos até aos joelhos. Abaixando o olhar sobre o ventre apertou-se ligeiramente nos ombros, com um movimento mal perceptível.
A mensagem era claríssima, e teria sido também aquela longa pausa de silêncio: embaraço, vergonha, medo, desgosto. Tudo junto.
A partir dos olhos imóveis sobre o mesmo ponto indefinido, sem que um único músculo se movesse, no rosto surgiam duas lágrimas enormes a uma distância ínfima uma da outra, traçando cada uma a própria bochecha, terminaram a sua corrida na saia, produzindo um som abafado, mas perceptível.
«Desculpe-me.» A mulher disse apenas duas palavras, em voz baixa.
Também o tom era normal, não havia rastos de emoção.
Esperei algum instante. Depois tentei dizer alguma coisa.
«Posso te servir água?»
«Não, obrigada.»
Tinha pegado um pequeno lenço de papel na carteira e estava a tamponar-se as bochechas com delicadeza.
«O advogado Spanna falou-me dalguns problemas, digamos, de casal. Podemos começar daí?»
«Em que sentido?»
«No sentido que a senhora é parte ofendida, ou a acusam d algo?»
«Mas, creio em ambas as coisas. Depois não sei bem se o senhor quer saber de questões penais ou querelas civis…»
«Não, senhora, não existe querelas civis, excepto casos muito particulares. No direito civil, geralmente, existem as citações no julgamento.»
«Ah. E que diferença há?»
Uma das perguntas mais temidas por todos os advogados da terra tinha-se materializado. Alguns clientes fazem perguntas que requerem respostas de horas, e que depois, regularmente, não assimilam. Se não respondes, és um evasivo. Se te delongas, estás fodido.
«Se alguém não respeita uma lei, ou um contracto, que tem força da lei entre as partes, como se diz em gíria, e lhe cria um dano, você deve dirigir-se a um juiz, forçando para comparecer diante dele quem lhe causou tal dano. Este sujeito, por este motivo, chama-se "réu". O juiz terá que decidir se houve ou menos violação, se houve prejuízo e para quanto montam, e condena, no caso, o réu para a reparação. No código penal a questão é um pouco diferente, porque segundo a lei algumas violações ascendem à categoria do crime, uma vez o sistema julga particularmente importante o principio violado, que chama-se "bem jurídico protegido". À esta violação, portanto, associa uma pena, uma punição, que consiste numa pena restritiva da liberdade pessoal, ou uma pena pecuniária.»
A mulher reparou para mim com ar um pouco interrogativo.
«Lhe posso dar um exemplo: se você não respeita um sinal de stop, e provoca um acidente no qual alguém fica ferido gravemente, comete um ilícito civil. A parte prejudicada pelo seu comportamento, portanto, poderá confessá-la diante dum juiz civil para a reparação. Pelo mesmo comportamento, contudo, você poderá ser também condenado pelos danos causados, porque o sistema considera punível o tipo de violação que você cometeu. O direito para fazer de maneira que a estrada não seja uma espécie de far west, por assim dizer, é o bem jurídico protegido pelo sistema. Para resumir: no civil a condenação tem a função reparatória, no penal tem o valor punitivo. Isto naturalmente, um pouco de cada vez. A realidade é um poucochinho mais complexo, mas o conceito, em síntese, é este.»
Virgínia fixava-me com um comportamento entre o perplexo e o reflexivo.
«Isso tudo o meu advogado não mo explicou por acaso», disse em resposta.
Franziu a testa.
«A senhora já foi acompanhada por um advogado?»
«Não», respondeu ela. «Há alguns dias não sei mais. É esta uma das razoes pela qual me encontro aqui.»
Ao pronunciar estas palavras afastou do ventre a carteira que tinha pousado quando estava a sentar. Uma bolsa de tela multicolor, de feitura étnica. Provavelmente indiana. Mas ao fazê-lo pegou-a por uma só das duas pegas, as abas alargaram-se, e a carteira quase se revirou, deixando exposto o variegado conteúdo. Na tentativa d bloquear o movimento rotativo que a teria revirado, puxou um dos lados, e um único objecto, por causa da sua largura, ganhou a saída caindo pesadamente no pavimento. Encontrei-me a fixar, com um olhar que não escondia o meu espanto, uma enorme faca de caçador submarino, com a inconfundível pega preta, colocada no seu coldre cobre – lamina da coxa, que agora encontrava-se aos pés da mulher, em absoluto contraste com a imagem frágil e graciosa do ser que o trazia consigo. A questão, evidentemente, seria.
Aliás Spanna tinha-me avisado: aquela mulher, de aparência angélica, não tinha os parafusos no lugar.
«Desculpe-me… eu… eu não… não é meu… não sei como… está aqui…» gaguejou.
«Esteja tranquila», disse com tom calmo enquanto recuperava a faca, apresentando-lho da parte do cabo.
«De todas as formas lhe desaconselhei de andar com uma coisa do género na carteira. Em certas circunstâncias poderia criar-lhe dificuldades.»
Tinha sido intencionalmente enigmático, mas era o máximo da diplomacia que pudesse utilizar.
«Agora, senhora, diga o motivo da sua necessidade da assistência legal.»
Ela deixou no chão a bolsa com o seu estranho conteúdo, e recompôs-se.
«Pois, eu sou vítima duma situação particular. Da parte do meu companheiro. É uma coisa que vem acontecendo há algum tempo. Sim, enfim. Uma coisa feita de tantas coisas, na verdade. Como posso dizer… eu… o senhor percebe, nem?»
Sim. Percebo que era propriamente como tinha dito o Spanna.
«Disse que era assistida por um colega. Queiramos começar daí?»
«Sim. Pois… conhecia este advogado, e tinha-me dirigido a ele. No princípio tinha-me dito que provavelmente havia os extremos para agir legalmente. Tinha dito tantas coisas. Depois, durante meses, não acontecia nada. Era evasivo. Penso que não acreditasse mais em mim. Havia sempre uma dificuldade. Em suma, há alguns dias tinha-me dito que não se podia fazer nada. Que devia deixar tudo a perder. Dizia que mesmo que fosse para outros advogados, não mudaria nada, porque não havia alguma coisa de relevante, para a lei. Seja como for foi gentil, não quis dinheiro, disse que estava bem assim.
Durante Alguns dias não sabia mais o que fazer. Depois pensei no advogado Spanna. Nos conhecemos há algum tempo, tramite o meu companheiro. Pareceu-me uma excelente pessoa. E então lho comuniquei para dar-me assistência, para ter, como se diz, um parecer.»
«Percebo. Mas quais são os factos pelos quais tinha-se