Chuva De Sangue. Amy Blankenship
Você falou para lhe dizer qual era o problema antes que eu destruísse seu quarto... de novo — repetiu ele, colocando ênfase nas palavras “de novo”.
— Falei? — Angélica murmurou, sentindo arrepios na pele dos braços. Seus lábios se abriram para negar, mas tinha dito “de novo” e não podia voltar atrás agora, porque repentinamente parecia ser verdade.
Syn deixou a frustração se esvair e um lento sorriso afetado tocou seus lábios. Ele havia destruído o quarto dela em mais de uma ocasião, e embora não tivesse como saber qual recordação estava tentando irromper, já não se importava mais. Boa ou má, ele a aguardava ansiosamente, além da batalha que eles provavelmente travariam sobre ela.
A alma de Angélica era seu eu mais profundo e já o tinha perdoado... era o resto dela que ele teria de forçar para se render.
Percebendo-o sorrir com desdém diante da sua perplexidade, Angélica afastou-se, dando graças que ele soltara seu cabelo antes que tivesse torcicolo.
— Ótimo, gosta de redecorar quartos no seu tempo livre... não importa. Se não for embora e me deixar descansar, eu vou te redecorar — ela franziu a testa quando ele sumiu em seguida, deixando um riso de despedida ecoar pelo quarto.
Angélica escutou o riso carinhoso até este dissipar para longe. Ela não podia se lembrar de ouvi-lo dando risada assim sequer uma vez... ou mesmo genuinamente sorrindo. Então por que o som fazia seu peito doer, como se ao mesmo tempo ela tivesse recuperado e perdido algo querido.
Sentindo-se esgotada, rastejou até a cama e chegou até o colchão, esforçando-se em ignorar a sensação de estar caindo para trás durante todo esse tempo. Ela visualizou um clarão vago do sorriso afetuoso dele... o mesmo sorriso que há pouco afirmara nunca ter testemunhado. A breve visão fez com que ansiasse por mais.
Fechando os olhos de exaustão, desistiu e permitiu-se seguir seja lá o que fosse que mexia com ela.
Syn voltou a aparecer no telhado do castelo. Ele notou um indício mínimo de ametista cintilando nos olhos negros dela, e decidiu não a distrair enquanto organizava seus pensamentos. Ele tinha visto a cor das írises de Angélica mudarem antes, mas só quando ela usava seus poderes. Parecia ser a única vez em que se permitiu sentir a alma poderosa que tinha aprisionado dentro dela.
Ele entendeu porque ela inconscientemente protegia sua alma de um mundo em que a vida mortal e o falecimento aconteciam num piscar de olhos. Era puro instinto, mas aquele medo deixou de ser válido. No instante em que ela havia chamado por ele, daquela caverna escura... ele havia lhe mandado seu poder na forma da marca na palma de sua mão. Depois, ele tinha reforçado esse poder soprando sua força vital nela... embora ela não soubesse o significado dessa troca.
Angélica agora tinha habilidades que nem mesmo conhecia e ele não havia lhe ajudado a descobrir puramente por egoísmo. Ela já era muito independente para seu gosto. Apesar de o tempo não ser mais seu inimigo e a maioria das lesões cicatrizarem instantaneamente... ela ainda corria perigo por parte dos poderosos imortais, que declararam guerra a essa cidade.
Havia mais uma coisa que poderia fazer por ela, que igualaria as chances, mas ele estava tentando ser paciente, ciente de que ela ainda não estava pronta para os efeitos colaterais de misturarem seus sangues. Ele tinha cometido esse erro antes. Não era o mesmo, como no caso de seus filhos partilharem seus sangues com suas almas gêmeas.
Ele baixou o olhar para o telhado, ouvindo o silêncio vindo do quarto abaixo. Além de tudo, se ele a mordesse agora, ela veria isso como prova de que ele era exatamente aquilo de que havia se convencido... um monstro.
Ser amável com ela era o mesmo que colocá-la em risco, e não precisaria muito para instigá-lo a tornar-se o monstro do qual ela necessitava. Afinal de contas... ele já fizera esse papel antes.
Capítulo 5
Kriss estava defronte à imensa janela panorâmica da cobertura, segurando com uma mão uma garrafa da célebre Heat de Kat e com a outra, uma enorme taça de vinho. Queria ficar bêbado, mas seu inoportuno metabolismo acelerado não lhe permitia alcançar o alívio que desejava, não mais que alguns instantes por vez.
Frustrado, apertou a taça, despedaçando-a na palma da mão ao recordar o rosto de Vincent pela primeira vez em muitos anos. É verdade que Vincent não lembraria o encontro, uma vez que Storm voltara o tempo para trás..., mas Kriss jamais esqueceria a expressão de ódio com que Vincent o encarou.
Como rejeição a esse ódio, revoltado, olhou em retrospectiva para as lembranças da infância, até a época em que Vincent sentia exatamente o oposto em relação a ele.
Kriss não conhecia esse mundo por tempo suficiente quando Dean partiu para deter um bando de demônios que vinha na direção deles. Havia esperado sozinho, escondendo-se entre pedras maciças na base de um desfiladeiro, seguindo instruções rigorosas de Dean para manter-se oculto e quieto... e de que aquele lugar era seguro.
Dean estava certo em grande parte, no entanto. Por dias, Kriss não viu nenhum animal... muito menos humanos ou demônios. Era a primeira vez na vida que o deixaram sozinho. O silêncio ao redor somente alimentava o sentimento de abandono e medo enquanto ele esperava... sentindo falta do amor que recebera no seu mundo natal... do calor e da proteção que Dean havia lhe dado neste mundo.
Foi no meio da noite que Kriss ouviu um som de cascalho caindo de algum lugar acima dele. Inclinou-se numa das pedras e olhou acima para a face do desfiladeiro que a lua crescente quase não iluminava... acabou vendo formas obscuras de muitos demônios rastejando por aquele ponto, em sua direção.
Ficou fascinado pelo modo com que os olhos vermelhos de sangue deles brilhavam enquanto observavam-no vigiando-os, e no modo como seus corpos quase humanos contorciam-se dos jeitos mais medonhos ao descerem. Sua vista ficou aguçada, lhe permitindo ver que a pele despida deles parecia estar queimada e com marcas profundas, como se tivessem acabado de emergir de uma fogueira invisível. Kriss podia até sentir o cheiro de putrefação da carne torrefata, conforme se aproximavam.
Estava tão apavorado que engatinhou para trás pela rocha alta e caiu do outro lado, aterrissando em cima de um aglomerado de pequenas pedras pontiagudas que protuberavam do solo, parecidas com espinhos. Ao perceber que fora espetado em vários lugares, tentou erguer-se de sobre as pedras sem causar mais estrago no seu corpo então ferido.
Assim que o odor de seu sangue imaculado de Fallen pairou na brisa, podia ouvir garras afiadas arranhando as pedras mais rapidamente enquanto a descida deles ficava frenética, e várias pancadas fortes, indicando que alguns dos demônios simplesmente saltaram nas alturas para alcançá-lo primeiro.
O silêncio cessou agora... berros perturbadores ecoando das pedras, fazendo parecer que estavam em maior número do que na realidade.
Correndo pelas pedras para fugir, apenas conseguiu rasgar as roupas e dilacerar a pele em mais lugares, antes que pudesse se estabilizar e finalmente se levantar.
Girando uma volta, Kriss percebeu que já era tarde para correr ou se ocultar... estava rodeado de demônios e eram muito maiores do que seu pequeno porte de criança. Parou petrificado no local, enquanto longos dedos com garras surgiram por trás dele, para envolver seu rosto. As garras afiadas cortaram a ponte do nariz e as bochechas macias, enquanto o demônio o arrastava para trás, e então abruptamente jogou-o no ar como se estivesse a exibir-se para os outros demônios.
Kriss nunca teve de lutar em seu mundo e Dean jamais permitiu que lutasse neste. Houve um breve momento em que cogitou se deixar devorar-se não seria melhor do que ser abandonado nesse lugar assustador. Esse pensamento rapidamente evaporou quando de repente, dores penetraram seu choque, despertando seu instinto de sobrevivência para se vingar.
Com lágrimas embaçando a visão, Kriss por pouco havia ganho sua primeira luta até a morte. O silêncio reinou mais uma vez no local e ele baixou o olhar a tempo de ver a espada de Fallen iluminada desaparecer da sua mão ensanguentada.
Sentindo algo pesar na outra mão, lentamente virou a cabeça e