Vida De Aeromoça. Marina Iuvara

Vida De Aeromoça - Marina Iuvara


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vê a hora de se sentar?

      - Olhe na geladeira: ela pôs copos de plástico ao lado de garrafas de água?

      - Pergunte-a onde comprou alguma peça de roupa que veste: você também precisaria pegar um voo para comprá-la?

      - Não deixa de lado aquela calça boca de sino na moda em Londres, conhece as datas das liquidações da Gap em Nova York, compra roupas da Gucci nos outlets de Miami, bolsas da Louis Vuitton nas liquidações de Tóquio, palmito na Argentina, suco de açaí, pão de queijo e tapioca no Brasil?

      - Só faz luzes na sua cabeleireira preferida em São Paulo ou em Milão?

      - Tem certeza que os cremes de Tel Aviv e os shampoos orgânicos de Toronto são os melhores?

      - Preste atenção: tira os saltos sempre que puder? (espie debaixo da mesa ou no carro).

      - Olhe na sapateira: ela tem diversos saltos da mesma cor?

      - Fala com muito conhecimento de lugares que você só conhece na fantasia ou que precisaria de muitas vidas para conhecer?

      - Pergunte qual é o lugar mais espetacular de todos os que ela visitou: o sofá de casa fica em primeiro?

      - Pergunte as últimas notícias sobre cultura e política, mas principalmente as fofocas: ela sempre tem as últimas novas?

      - Veja o que ela guarda na bolsa: há objetos dos mais diversos, que te socorreriam em qualquer eventualidade (lixa de unha, livro, maquiagem, lanterninha, sombrinha, GPS, máquina fotográfica, laptop, calça extra, escova de dente)?

      - Tem diversos números de telefone e contatos de colegas e conhecidos, mas não consegue lembrar o lugar, ano ou situação em que se conheceram ou conviveram?

      - Sempre que sente cheiro de fumaça, verifica de onde vem e se levanta para procurar o extintor de incêndio mais próximo?

      - Reconhece de cara a personalidade e o tipo social de qualquer pessoa e consegue se relacionar com qualquer um, independente de idade?

      - Não desanima quando precisa ajudar alguém em dificuldade?

      - Convive com os outros maravilhosamente em qualquer situação, mesmo que ame os momentos de solidão?

      - Não sente nem um pingo daquele súbito nó no estômago que você tem quando o avião começa a decolar?

      - Vá bisbilhotar seu quarto: sempre tem uma malinha de mão à espera de uma saída inesperada? Consegue colocar nela tudo que possa ser necessário para uma semana inteira e não se atrapalha mesmo se tiver só uma hora para fazer uma viagem imprevista de Roma a Caracas?

      - Se todas as respostas forem afirmativas, não tenha dúvida: trata-se de uma "MULHER COM ASAS".

      Bom voo

      Como estavamos.

      Volto para a minha terra, na sicilia, pelo menos duas vezes por ano, para as festividades e durante o periodo do verão, turnos e férias permitindo.

      Viajar no avião enfim é para mim normal, faz parte do meu trabalho. Ainda que passavam muitos anos, todas as vezes que chego, junto de um intenso cheiro da flor de laranjeira que espalham os pomares laranjais e o vento do sudeste proveniente de Africa, envolvem-me silenciosos mesmo as recordaçoes da minha infancia.

      Hoje é uma quinta-feira de Julho: os trinta e seis graus estão na regra.

      Durante o verão esta terra fica quente, luminosa e exposta ao sol: tudo parece mais lento e custa para manter um ritmo de vida dinâmico por causa desta temperatura que eu gosto, mesmo sendo as vezes intrometido.

      Os raios solares espalham-se sobre todo o espaço livre da pele, penetram até aos ossos, muitas vezes me robustecem, e as vezes deixam-me relaxar até atordoar-me para depois adormecer.

      A pausa do meio-dia, usual nesta região, interrompe a produtividade diurna. Escuto o som repetitivo e quase hipnótico das palas do ventilador, colocado em cima dum banco antigo; a sua brisa contrasta o ar quente e sufocante desta tarde de céu azul, desprovido de nuvens.

      À noite a temperatura sofre uma ligeira descida, e os amáveis ventos suaves aliviam o clima de noite.

      Estou hospedada na casa dos meus pais e cada detalhe sobre a qual os meus olhos debruçam-se faz ressurgir na minha mente cenários vividos e recordados enfim longínquos.

      Antevejo uma saia interior de seda cor creme com delicados bordados de um tom ligeiramente mais claro, pendurada no guarda-vestidos estilo Luís XVI que a minha mãe escolheu há mais de quarenta anos para embelezar o seu quarto que desde então ficou sempre o mesmo, inalterado ao longo do tempo; eu dei-me conta, pelo contrário, de ser tão diferente desde quando me agachava debaixo dos cobertores daquela enorme cama para escutar as fábulas narradas por ela antes de ir à cama, e diferente mesmo desde quando, muitos anos depois, já adolescente, às escondidas conseguia experimentar os seus colares mais preciosos, espelhando-me naquela grande moldura dourada de um espelho, colocada no centro do quarto, enquanto dançava de forma espontânea e folgada sozinha, como uma descarada, assim teria dito o meu pai, se me tivesse visto.

      Lembro de ter possuído, então, uma saia interior de uma cor idêntica àquela da minha mãe, eu gostava vesti-la pela sensação de ligeireza e frescura que me reconfortava durante os dias mais húmidos.

      Na educação por mim recebida esta indumentária era permitido apenas em casa, e vestido tendo o cuidado de encostar as persianas, donde evitar indiscretos olhares externos, visto que a varanda apresentava-se sobre um grande pátio.

      Induziram-me desde pequena para esconder-me, e para cobrir-me como deve ser, diante de qualquer pessoa.

      Pouco a pouco vinham insinuadas gotas de castidade na minha alma, dia após dia.

      «Cubra-te, cubra-te que alguém pode te ver!» chegava aos meus ouvidos se as vezes contemporizava no meu quarto vestindo, esquecendo de puxar as cortinas para fechá-las.

      Ainda hoje, antes de despir as roupas, verifico que tudo esteja fechado e que ninguém possa ver-me, mas isto não o confessei por acaso nem para a Valentina, uma minha querida colega que com a qual durante anos partilho um apartamento, perto do aeroporto, na cidade onde actualmente resido: Roma.

      Desde criança obedecia com escrupulosa atenção as regras, para evitar de sujeitar-me aos castigos, excessivamente severos muitas vezes.

      Havia uma austeridade de ideias e hábitos transmitida de geração em geração. A minha tia Carmela, apelidada por Lina, contava que a primeira vez que ousou dizer um palavrão foi convidada a abrir a boca e tirar para fora a língua.

      «Que estranha brincadeira!» pensou.

      A sua mãe, a minha avó Giuseppina, pegou um dos ganchos que recolhiam os seus cabelos compridos, e com ele espetou a sua língua.

      Vistas as consequências, poucas entre filhas e netas da minha família dizem palavrões, não obstante, nos momentos oportunos, lhes ocorre.

      Estou aqui em Catania de férias por uma semana e encontro de novo os antigos sabores, cheiros, sensações.

      Acolhe-me o solar sorriso da minha mãe, que se contem ao abraçar-me forte como queria, talvez por medo de esmagar-me.

      Acaricia repetidamente os meus cabelos pretos como a pez iguais aos seus, compridos até mais abaixo dos ombros, deixados soltos para libertá-los das constrições das ataduras impostas pelas regras do meu trabalho.

      A pele da mamã é branca e delicada, mórbida como a areia, e cheira como pétalas de rosa, misturados a citrinos.

      Sempre lhe pareço bastante magra – mesmo estando, do meu ponto de vista, pesada mais ou menos por aí um ou dois quilos, relativamente ao meu utópico peso ideal – por conseguinte convida-me para consumir aquilo que abundantemente coloca no meu prato.

      Hoje preparou para mim, a sua Annuzza, os meus pratos preferidos: linguine (tipo de massa) a preto de sépia e peixe-espada no cartucho.

      Ela


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