Crimes Esotéricos. Stefano Vignaroli

Crimes Esotéricos - Stefano Vignaroli


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antes. Aurora vivenciou a cena em primeira pessoa, como Artemisia, enquanto Larìs a observou como espectadora, misturada à multidão que testemunhava a tortura da bruxa.

      Artemisia foi amarrada ao poste; sob seus pés foram colocados feixes obtidos da poda de oliveiras e, em seguida, toras maiores de madeira resinosa de pinheiro e abeto. A base também foi aspergida com óleo de lamparina. Nos outros quatro postes, dispostos em um semicírculo atrás de si, em relação aos espectadores, estavam amarradas suas quatro companheiras: Viola, Emanuela, Alessandra e Teresa. Esta última, também conhecida como “O Moleque”, por ter sido flagrada várias vezes se deitando com outras mulheres, chegou a ser taxada de hermafrodita, pessoa em que coexistem órgãos sexuais masculinos e femininos. Ela era uma mulher com um clitóris tão desenvolvido que simulava um pequeno pênis, capaz até de atingir a ereção. Essas quatro mulheres não seriam queimadas, embora alguns feixes tenham sido colocados aos seus pés. Elas confessaram seus pecados e indicaram Artemisia como sua “guia espiritual”, por isso foram amarradas às estacas, tanto como alerta à população local quanto para assistir de perto à tortura de sua inspiradora. Por que razão se ia realizar essa execução, uma vez que o Doge de Gênova havia vetado os inquisidores da Igreja, assegurando às mulheres que não permitiria, naqueles tempos modernos, uma sentença de morte tão atroz? O Doge se orgulhava do fato de um dos seus concidadãos ter descoberto, menos de um século antes, uma nova terra, a América, pondo fim ao período sombrio que havia sido a Idade Média. Ele nunca teria permitido, portanto, que a Igreja, por meio da Inquisição, mandasse queimar vivas essas mulheres, mesmo que tivessem sido consideradas culpadas de bruxaria, heresia, associação com o diabo, crimes contra Deus, contra a Igreja e contra os homens. Tudo começou um ano e meio antes, no outono de 1587, quando o Podestà, Stefano Carrega, e o parlamento local apontaram as bruxas que viviam em Ca Botina como as principais culpadas pela grave fome que assolava toda a região há algum tempo e pediram ao Bispo de Albenga que instituísse um julgamento para as supostas bruxas, para que seus delitos pudessem ser levados a termo com uma punição exemplar: a condenação à fogueira. Dois inquisidores chegaram à cidade, dois frades dominicanos vestidos de preto: um era o Vigário do Bispo e o outro era o Vigário do Inquisidor de Gênova. Os “corvos”, como os locais os chamavam, mandaram prender as cinco bruxas que viviam em Ca Botina, que, sob tortura, acusaram muitas outras mulheres da vila, não apenas de origem camponesa, mas também pertencentes às famílias mais nobres. A certa altura os inquisidores tinham detido cerca de duzentas supostas bruxas e o Conselho de Anciãos, considerando também que duas mulheres já tinham morrido, uma pelas torturas infligidas e a outra por ter caído de uma janela após uma tentativa de fuga, decidiu apelar ao Doge de Gênova para que pusesse fim ao julgamento e garantisse que apenas as verdadeiras bruxas fossem condenadas, as de Ca Botina, o grupo ligado a Artemisia, ao todo treze mulheres e uma menina de treze anos. O governo genovês, portanto, não totalmente convencido da regularidade do julgamento de Triora, decidiu se interessar mais de perto. Vários meses se passaram e, enquanto o Doge de Gênova e o Bispo de Albenga não chegavam a um acordo sobre a jurisdição para proceder, as mulheres permaneceram na prisão à mercê de carcereiros que não as pouparam de humilhações e de abusos, até mesmo sexuais. No mês de maio seguinte, o Inquisidor Chefe chegou a Triora para visitar as mulheres presas e averiguar a situação. Depois de submetê-las novamente à tortura pelo fogo, ele confirmou as acusações contra as treze mulheres e libertou a menina. As mulheres foram julgadas sob a acusação de crimes contra Deus, relações com o demônio e assassinato de mulheres e crianças. Em agosto, o julgamento chegou ao fim, com a sentença de morte para Artemisia e as outras quatro mulheres mais próximas a ela: Emanuela Giauni, conhecida como Emanuela, A Caprichosa, Viola e Alessandra Stella, e Teresa Borelli, conhecida como Teresa, O Moleque, por seu hábito de usar cabelos curtos, vestir roupas masculinas e deitar-se com outras mulheres. Quando parecia iminente a execução da sentença das cinco mulheres, por enforcamento e incineração dos restos mortais, o Padre Inquisidor de Gênova interveio, exigindo que seu cargo, até então excluído do julgamento, fosse respeitado. Cabia a ele, de fato, como representante da Inquisição de Roma, julgar os crimes das bruxas. Assim, as cinco condenadas foram transportadas para Imperia e, de lá, a bordo de um navio, para Gênova, onde foram trancafiadas nas prisões do governo, já que a Inquisição não tinha espaço suficiente, se juntando a outras alegadas bruxas de outras cidades da região. Tudo parecia estar indo bem, pois o Doge havia prometido que faria questão, agora que estavam sob sua proteção, de salvar suas vidas. Ele as manteria na prisão por algum tempo e, depois, quando a população se tivesse esquecido delas, as libertaria, com o acordo de não retornarem à sua cidade de origem. Mas o Maligno, sob os disfarces mortais do Podestà e do chefe do Conselho de Anciãos de Triora, colocou seu dedo nisso. Não foi difícil, para os capangas contratados pelas duas figuras ilustres, subornar os carcereiros com algumas moedas de prata, substituir as cinco bruxas por cadáveres de mulheres pobres, mortas por doenças ou pelas agruras da fome que ainda grassava nas montanhas do alto Vale Argentina, e trazer as cinco bruxas de volta a Triora para uma execução pública exemplar.

      Amarrada ao poste, Artemisia percorreu em sua mente as principais etapas de sua vida, a partir de sua iniciação, quando, com pouco mais de treze anos, se viu no centro do círculo mágico, criado por sua mãe, sua avó e outras adeptas da seita, perto da Fonte das Nozes, uma fonte localizada sob uma grande nogueira. Já naquela época, ela havia percebido a forte presença do Maligno, uma força negativa fora do círculo, que queria assimilar os poderes de suas vítimas e se tornar incomparável em seu potencial malévolo. Os ensinamentos transmitidos pela mãe e pela avó, a aquisição dos poderes da clarividência e o uso do tato e da visão para perceber e curar os males do corpo e da alma, foram por ela sempre utilizados para o bem. Ela aprendeu os poderes curativos das ervas, tornando-se hábil em fazer poções que baixavam a febre, aliviavam as dores e ajudavam as mulheres em trabalho de parto. Aprendeu a usar, nas doses certas, esporos de cogumelos venenosos, para serem aplicados em feridas infectadas e fazer regredir as secreções purulentas. Ela aprendeu a fazer talismãs, a recitar fórmulas mágicas rituais, a realizar feitiços de invisibilidade e a formar círculos mágicos de proteção. Mas ela nunca usou seus poderes para propósitos malignos, nunca. No entanto, no final, ela foi exposta como bruxa e, junto com suas quatro companheiras mais fiéis, Emanuela, Viola, Alessandra e Teresa, foi presa e torturada com corda, com fogo e com água. No início do verão de 1588, o Podestà, Stefano Carrega, que foi quem iniciou a caça às bruxas, tinha chegado até sua cela e, naquele momento, Artemisia percebeu que era ele quem representava o mal, a grande ameaça que pairava sobre ela e suas amigas. Já enfraquecida pela tortura, ela foi despida e teve as mãos e os pés amarrados a dois postes de madeira dispostos formando uma cruz de Santo André, de modo que seus braços e pernas ficassem afastados. Os carcereiros rasparam os pelos de sua área genital, depois a deixaram sozinha com o Podestà, que se aproximou dela, levantando sua túnica e mostrando um grande membro já ereto. Não havia possibilidade de Artemisia, amarrada como estava, escapar da violência sexual, mas ela sabia que precisava ser forte naquela situação, que não podia sentir nenhum tipo de prazer, caso contrário, com o ato sexual, o homem tiraria todos os seus poderes e conhecimentos dela e os tomaria para si. Ela saiu vitoriosa. Ao sentir o calor da ejaculação penetrar em suas entranhas, ela preparou sua mente para estar o mais longe possível dali, vagando pela floresta que amava, e seu corpo para não sentir nem um tremor, nem mesmo um suspiro. O Podestà, não tendo conseguido atingir seus objetivos, ficou furioso.

      ‒ Pior para você, bruxa! Você morrerá na fogueira, você e suas companheiras, e a força das chamas transferirá seus poderes para mim.

      Vencer aquela batalha deu-lhe um vislumbre de esperança e, quando, apesar da condenação dos inquisidores, ela e suas quatro companheiras foram transferidas para Gênova, ela pensou que o perigo havia diminuído. Bem, depois da relação com o Podestá, ela não teve mais o ciclo mensal. Era evidente que ela carregava no ventre um filho, ou melhor, como podia sentir, uma filha. Se recusava a admitir que fosse filha do Maligno. De qualquer forma, ela a iniciaria em práticas mágicas e esotéricas, assim como havia sido feito com ela por sua mãe e sua avó; de fato, ela sentia em seu coração que aquela filha teria poderes sobrenaturais realmente fortes, capazes de neutralizar qualquer poder maligno e dar continuidade à sua linhagem para o bem. Mas, após alguns meses, o Maligno voltou à ativa, aliou-se ao Conselho dos Anciãos


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