Guerras do Alecrim e da Manjerona. Antônio José da Silva
que minha primas sigam essas parcialidades?
Dom Lancerote: Não vede que é moda, e como não custa dinheiro, bem se pode permitir?
Dom Tibúrcio: Bem sei que isso são verduras da mocidade, mas contudo não aprovo.
Dom Lancerote: E a razão?
Dom Tibúrcio: Não sei.
Dona Clóris: Vossa mercê como vem com os abusos do monte, por isso estranha os estilos da Corte.
Dona Nize: Calai-vos, mana, que ele há de ser o maior apaixonado que há de ter o alecrim e a Manjerona.
Dom Tibúrcio: Se eu enlouquecer, não duvido.
(Entram Semicúpio com um molho de Alecrim ao ombro).
Semicúpio: Quem quer o Alecrim?
Dona Clóris: Anda pra cá: tem mão, não o ponhas no chão.
Semicúpio: Pois aonde o hei de pôr?
Dona Clóris: Aqui no meu colo: ai, no chão o meu Alecrim? Isso não.
Semicúpio: A real e meio, por ser para vossa mercê?
Dona Clóris: Põe aí cinqüenta molhos.
Semicúpio: Pelo que vejo, esta é Dona Clóris. (à parte) Eis aí tem todos os molhos; reparta lá com a senhora, que suponho também quererá o seu raminho.
Dona Nize: Ai, tira-te para lá, homem, com esse mau cheiro.
Semicúpio: (à parte) Já sei, que esta é a da Manjerona de Dom Fuas.
Dom Tibúrcio: Bem haja, minha prima, que não é destas invenções.
Dom Lancerote: Porque é da Manjerona, por isso aborrece o Alecrim.
Dom Tibúrcio: Resta-me que vossa mercê também tenha algum rancho.
Dom Lancerote: Olhai vós, não deixo cá de mim para mim de ter minha parcialidade.
Semicúpio: Ora demos princípio à tramóia. (à parte). Ai, senhores, quem me acode?
Dom Lancerote: Que tens, homem?
Semicúpio: ai, ai, confissão.
(Cai Semicúpio estrebuchando, fingindo um acidente)
Dona Clóris: Coitado do homem! Que tens? Que te deu?
Dona Nize: Tão venenoso é o teu Alecrim, que mata a quem o traz?
Dom Lancerote: Olá, tragam água.
(Entram Fagundes e Sevadilha com uma quarta).
Sevadilha: Ai, senhores, que isto é acidente de gota coral!
Semicúpio: (à parte) O coral dos teus lábios que acidentes não fará?
Dom Lancerote: A unha de grão besta é boa para isto.
Dom Tibúrcio: Puxem-lhe pelos dedos, que também é bom remédio.
(Dom Lancerote, Dom Tibúrcio, Sevadilha e Fagundes pegam em Semicúpio, e este com o estrebuchamento fará cair a todos).
Dom Lancerote: Mostra cá o dedo.
Semicúpio: (à parte) Agradeço o anel.
Dom Tibúrcio: E a força que tem o selvagem!
Sevadilha: Eu não posso com ele.
Semicúpio: Lá vai o dedo polegar c’os diabos? Eu estou capaz de tornar a mim, antes que me deixem despedaçado.
Dom Lancerote: Borrifa-o, Fagundes.
Fagundes: Ora deixem-no comigo. (Borrifa-o).
Semicúpio: Pó diabo! E o que fedem os borrifos da velha! A maldita parece que tem apostema no bofe.
Dona Nize: Não se cansem, que ele não torna a si tão cedo.
Semicúpio: Essa é a verdade.
Fagundes: Mas, pelo sim pelo não, eu lhe vazo esta quarta; que quando Deus quer, água fria é mezinha.
Semicúpio: (à parte) Valha-te o diabo, que me deitaste água na fervura! Eu não tenho mais remédio, que aquietar-me, senão virá como remédio algum pau santo sobre mim.
Fagundes: Senhores, ele está mais sossegado depois da água, venham jantar que a mesa está posta.
Dom Lancerote: Vai buscar o meu capote, e cobre-o que está tremendo o miserável.
Semicúpio: (à parte) É maravilha, que um miserável cubra ouro.
Dom Tibúrcio: Aquilo são convulsões; mas bom é cobri-lo por amor do ar.
(Entra Fagundes com um capote)
Fagundes: Eis ai o capote; se ele o babar, babado ficará.
Semicúpio: (à parte) Anda, tola, que não me babo.
Dom Lancerote: Tu, Sevadilha, tem sentido neste homem, enquanto jantamos; vinde, Sobrinho. (vai-se).
Dom Tibúrcio: Vamos, que tenho uma fome horrenda. (vai-se)
Dona Nize: É galante figura o tal meu primo. (vai-se).
Dona Clóris: Fagundes, agasalha esse alecrim. (vai-se).
Fagundes: Tanto me importa; se fora Manjerona, ainda, ainda. (vai-se).
Sevadilha: Só isto me faltava, ficar eu guardando a este defunto!
Semicúpio: Vejamos quem é esta Sevadilha, que ficou por minha enfermeira. Ai que suponho que é a menina do malmequer, que lá traz um no cabelo. Vamo-no erguendo, por ver se nos quer bem. (vai-se erguendo).
Sevadilha: Deite-se, deite-se. Ai, que o homem tem frenesis! Acudam cá.
Semicúpio: Cala-te, Sevadilha, não perturbes esta primeira ocasião de meu amor.
Sevadilha: Deixe-se estar coberto.
Semicúpio: Bem sei, que o calafrio de meu amor é tão grande, que se pode cobrir diante d’El-Rei; mas confesso-te que já não posso aturar o gravame deste capote.
Sevadilha: Ai, que o homem está louco, e furioso!
Semicúpio: A fúria com que te ausentas me faz enlouquecer; não fujas, Sevadilha, que eu sou aquele sujeito do malmequer, e tão sujeito aos teus impérios, que sou um criado de vossa mercê.
Sevadilha: Eu te arrenego, maldito homem! Tu és o desta manhã?
Semicúpio: Cuidavas que não havia saber modo para ver-te?
Sevadilha: Queres que vá chamar a Dona Clóris, ou Dona Nize?
Semicúpio: Logo irás chamar a Dona Clóris, mas primeiro atende à chama de meu amor que se o fogo tem línguas, e as paredes tem ouvidos, bem pode a dura parede de teu rigor escutar a labareda em que me abraso: muita coisinha te poderia eu dizer; porém a ocasião não é para isso.
Sevadilha: Nem eu estou para essoutro.
Semicúpio: Eu o dissera, que o teu malmequer não é para menos.
Sevadilha: Nem a tua pessoa é para mais.
Semicúpio: