Guerras do Alecrim e da Manjerona. Antônio José da Silva

Guerras do Alecrim e da Manjerona - Antônio José da Silva


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Bem aviada estou eu! Bom amante tenho! Bonito eras tu para aturar vinte anos de desprezos, como há muitos que aturam, levando com as janelas nos narizes, dormindo pelas escadas, aturando calmas, sofrendo geadas, apurando-se em Romances, dando descantes, feitos estátuas de amor no templo de Vênus, e contudo estão muito contentes da sua vida; e assim para que me buscas?

      Semicúpio: Para que me desenganes, se me queres, ou não.

      Sevadilha: Pergunta-o ao malmequer, que ele t’o dirá.

      Semicúpio: Se eu o tivera, aqui, fizera esta experiência.

      Sevadilha: E onde está o que eu te dei?

      Semicúpio: Lá o tenho empapelado, que cuido que o ar m’o leva.

      Sevadilha: Assim te leve o diabo.

      Semicúpio: Levará que é muito capaz disso. Pois em que ficamos? Bem me queres, ou mal me queres?

      Sevadilha: Apanha aquele malmequer, que está junto àquela porta, e pergunta-lho, que ele to dirá.

      Semicúpio: Pois acaso nas folhas do malmequer, estão escritos os teus amores, ou os teus desdéns?

      Sevadilha: Da mesma sorte que a buena dicha na palma da mão.

      Semicúpio: Eu vou apanhar o dito malmequer. (vai-se)

      Sevadilha: Quem me dera que ficasse em malmequer para o fazer andar à prática!

      (Entra Semicúpio com um malmequer)

      Semicúpio: Eis aqui o malmequer: ora vamos a isso; que se há flores que são desengano da vida, esta o será do amor. Sevadilha, toma sentido, vê se fica no bem-me-quer.

      Sevadilha: Isto é como uma sorte.

      Semicúpio: Queira Deus não se converta o malmequer em azar. Tem sentido.

      Sevadilha: Amor,se sai a coisa como eu quero, eu te prometo um arco de pipa, e uma venda nos Remolares em que ganhes muito dinheiro.

      Canta Semicúpio a seguinte

Ária

      Oráculo de amor

      Propício me responde

      Nas ânsias deste ardor

      Bem me queres, mal me queres

      Bem me queres, disse a flor.

      Ai de mim, que me quer mal

      Teu ingrato malmequer

      Acabou-se o meu cuidado,

      Que mais tenho que esperara?

      Vou-me agora regalar,

      Levar boa vida, comer, e beber.

      (Entra Dona Clóris)

      Dona Clóris: Oh! Quanto folgo que já estejas bom!

      Semicúpio: E tão bom que parece que nunca tive nada.

      Dona Clóris: Com que saraste?

      Semicúpio: Com o mesmo mal; porque também há males que vêm por bem.

      Dona Clóris: Que dizes, que te não entendo? Estás louco?

      Semicúpio: Meu amo ainda o está mais do que eu, desde que te viu assim por maior esta manhã; e assim para significar-te a tremendíssima eficácia de seu amor, aqui me manda a teus pés, minto, aos teus átomos, para que com os disfarces do Alecrim possa merecer os teus agrados.

      Dona Clóris: Sevadilha, põe-te a espreitar não venha alguém.

      Sevadilha: Sim Senhora. Arrelá como ardil do homem! (vai-se)

      Dona Clóris: E quem é esse teu ano que tanto me adora?

      Semicúpio: É o Senhor Dom Gilvaz, cavalheiro de tão lindas prendas, com verbi gratia Londres e Paris.

      Dona Clóris: Que oficio tem?

      Semicúpio: Há de ter um de defuntos, quando morrer.

      Dona Clóris: E enquanto vivo, em que se ocupa?

      Semicúpio: Em morrer por vossa mercê.

      Dona Clóris: Fala a propósito.

      Semicúpio: Senhora, meu amo não necessita de ofícios para manter os seus estados , porque tem várias propriedades consigo muito boas; além disso tem uma quinta na semana, que fica entre a quarta e a sexta, tão grande que é necessário vinte e quatro horas, para se correr toda.

      Dona Clóris: Quanto fará toda de renda?

      Semicúpio: Não se pode saber ao certo; sei que tem várias rendas em Flandres, e outras em Peniche, e estas bem grossas; também tem um foro de fidalgo, e um juro de nobreza.

      Dona Clóris: Basta que é fidalgo?

      Semicúpio: Como as estrelas, que as vê ao meio-dia, e as estas horas não vê outra coisa; e certamente lhe posso dizer que é tão antiga a sua descendência, que diz muita gente, que descende de Adão.

      Dona Clóris: Se isso é assim, talvez, que me incline a quere-lo para meu esposo.

      Semicúpio: Venha a resposta, senhora, que meu amo está esperando com língua de palmo.

      Dona Clóris: Pois ouve o que lhe hás de dizer.

      Canta Dona Clóris a seguinte

Ária

      Dirás ao meu bem,

      Que não desconfie,

      Que adore, que espere,

      Que não desespere,

      Que à sua firmeza Constante serei.

      Que firme eu também

      A tanta fineza

      Amante, constante

      Extremos farei. (vai-se)

      Semicúpio: Vencido está o negocio; mas o capote do velha cá não há de ficar por vida de Semicúpio; que se a ocasião faz o ladrão, hei de sê-lo por não perder a ocasião. (vai-se com o capote).

      (Entra Sevadilha)

      Sevadilha: Espera, homem, onde levas o capote? E foi-se como um cesto rosto? Ai, mofina desgraçada, que há de ser de mim se meu amo não achar o seu rico capote?

      (Entra Dom Lancerote)

      Dom Lancerote: Já sarou o homem, Sevadilha?

      Sevadilha: Sim, Senhor.

      Dom Lancerote: Já se foi?

      Sevadilha: Sim, Senhor.

      Dom Lancerote: Guardaste o capote?

      Sevadilha: (à parte) Ai é ela.

      Dom Lancerote: Não ouves? Guardaste o capote?

      Sevadilha: Qual capote?

      Dom Lancerote: O meu.

      Sevadilha: Qual meu?

      Dom Lancerote: O meu de Saragoça.

      Sevadilha: Ah sim, o capote do homem do Alecrim?

      Dom Lancerote: Qual homem?

      Sevadilha: O do acidente.

      Dom Lancerote: Tu zombas?

      Sevadilha: Zombaria fora, o homem levou o capote.

      Dom


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