A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891). Abreu Francisco Jorge de
invasões da Inglaterra no terreno alheio».
A informação relativa ao combate transmittida pelo consul britannico em Zanzibar ao marquez de Salisbury, que se encontrava ao tempo em Hatfield, foi logo noticiada na imprensa londrina com o commentario de que lord Salisbury certamente não procederia com rapidez emquanto não recebesse pormenores do facto; que pediria primeiro explicações a Lisboa, e, se o governo portuguez lh'as não desse, chamaria a Londres o diplomata sr. Petre. D'ahi a dias surgiu, com effeito, a primeira reclamação da Inglaterra sobre a expedição Serpa Pinto. O marquez de Salisbury dirigiu ao governo portuguez uma nota que foi entregue ao sr. Barros Gomes pelo sr. Glynn Petre, ministro britannico em Lisboa. A nota, diziam n'essa occasião os telegrammas de Londres, tinha a forma de uma representação sobre a acção de Portugal na Africa do Sul e Oriental e pedia que o nosso governo repudiasse os actos do agente portuguez no districto da Zambezia. O marquez de Salisbury, affirmava-se, não usava de ameaças; a nota continha uma exposição de varios factos que asseverava terem occorrido e pedia a restauração do anterior statu quo na região em litigio; o governo inglez não podia permittir que fosse arriada a bandeira ingleza depois de arvorada por um representante responsavel. Outras informações diziam que a nota vinha redigida em termos correctos, embora o gabinete de Londres registasse, impressionado, as noticias recebidas pelo bispo Smythies, ácêrca de hostilidades a estabelecimentos inglezes por parte do major Serpa Pinto, acontecimentos que, afinal, não constavam no nosso paiz. Serpa Pinto, na verdade, objectava-se em Portugal, limitara-se a desembaraçar o caminho á expedição Ferraz perturbada pelos makololos e mais nada.
Isto passava-se em 18 de dezembro de 1889. A nota do marquez de Salisbury referindo-se exclusivamente ao supposto ataque da expedição portugueza contra os makololos, e não fazendo menção alguma dos outros assumptos pendentes entre a Inglaterra e Portugal sobre as suas respectivas espheras de influencia na Africa do Sul e Oriental e pedindo ao sr. Barros Gomes uma resposta prompta, o mais rapida possivel, e, no caso do ataque se confirmar, a chamada a Lisboa do major Serpa Pinto; o ministro portuguez dos negocios estrangeiros replicou que as informações até á data recebidas não confirmavam as interpretações dadas pelo gabinete inglez aos actos do major, que «repellira sómente o ataque d'uma tribu hostil na bagagem da qual encontrara tres bandeiras inglezas». O sr. Barros Gomes terminava por pedir uma demora afim de poder communicar com o major Serpa Pinto. Entretanto, «para estar preparado para qualquer contingencia», o governo britannico decidia collocar as suas forças navaes proximo de Portugal. Persuadido de que «a reunião de barcos de guerra inglezes no Tejo augmentaria indefectivelmente a irritação dos portuguezes e entorpeceria a acção do governo lusitano nas suas negociações para o arranjo da questão relativa ao paiz do Nyassa», os couraçados britannicos receberam ordem de reunir-se em Gibraltar e de ahi se manterem «em expectativa dos acontecimentos futuros». Os navios destinados a essa empreza foram escolhidos entre os que formavam a esquadra do Mediterraneo. Os couraçados Bendvor e Colossus, a 27 de dezembro, levantavam ferro de Malta com destino a Gibraltar. Em Malta tambem se encontravam as fragatas couraçadas Agammenon e Dreadnought; em Edimburgo egualmente se preparavam outros navios.
Em Portugal, no emtanto, percebiam-se os primeiros symptomas d'uma reacção forte contra o regimen. A imprensa democratica clamava altisonante que se a Revolução ainda se não tinha feito não era porque «o terreno fosse safaro, ou porque as vozes republicanas não encontrassem echo, mas apenas por motivos de ordem secundaria», que não cabiam ao momento discutir. «Comtudo estava provado que a realeza perdera o prestigio, que a dynastia de Bragança alienara todas as sympathias, que as instituições tinham cahido no descredito e que, por conseguinte, o povo desejava vida nova». E perguntava-se: «O que devemos á dynastia? Que principio superior anda ligado á existencia d'essa anachronica forma de governo? A Patria?.. Oh! nós bem sabemos que, quando Portugal se quiz emancipar do jugo da monarchia hespanhola, quem mais conspirou contra a Patria foi o Bragança idiota, por quem os ingenuos combatentes de 1640 andavam expondo a vida; sabemos como esta funesta dynastia tem, pouco a pouco, em presentes de noivado e como premio de serviços contra a nação, entregado as nossas colonias aos inglezes; sabemos como, na hora do perigo para a nossa independencia, para a nossa honra nacional, o sr. D. João VI fugiu covardemente para o Brazil; sabemos como o pae do actual reinante (D. Luiz) escreveu umas cartas criminosas a Napoleão III, no intuito de se formar em seu proveito e da sua raça a união iberica. A Liberdade?.. Não a suffocam, porque não podem. O Bragança, que aqui implantou o systema constitucional, fôra um despota no Brazil. Escorraçado de lá, como não podia apresentar-se em frente da monarchia tradiccional representada por seu irmão, em nome de outro principio deu-nos a constituição que, mais tarde, seu filho rasgou á vontade, abafando os clamores angustiosos da nação, com a intervenção das armas estrangeiras…»
CAPITULO IV
O governo progressista cede ante as exigencias da Grã-Bretanha
Os primeiros dias de janeiro de 1890 ainda reflectiram as benignas razões dadas pelo sr. Barros Gomes ao governo inglez. Não se podia exauctorar Pereira Ferraz e Serpa Pinto – dizia o ministro e diziam alguns jornaes de Lisboa – prestando apenas credito ás informações dos funccionarios britannicos. Era necessario ouvir os dois expedicionarios e ouvir-lhes as allegações que, decerto, produziriam sobre a sua attitude em tão melindroso assumpto. Uma parte da imprensa acreditava até ingenuamente que a Inglaterra não tardaria a modificar o tom aggressivo das suas notas diplomaticas, substituindo-o por outro de feição conciliadora: «em primeiro logar, porque assim o quer o respeito devido por cada nação a todas as outras; em segundo logar, porque, se procurasse entregar á violencia a decisão d'um pleito em que devem ser ouvidos e escutados os argumentos de parte a parte e em que a justiça ou a equidade deve proferir sentença em unica instancia, não só concitaria a nossa resistencia mas, porventura, tambem provocaria a indignação do mundo». E essa parte da imprensa ia mesmo mais longe na sua ingenuidade: «A Grã-Bretanha sabe que, embora sejam enormes as suas forças comparadas com as nossas, poderia arriscar-se a revezes se desrasoadamente accendesse a guerra na Africa…»
Ao abrir-se o parlamento, o rei D. Carlos, que, pela primeira vez, se apresentava a desempenhar o seu papel constitucional de «chave de todos os poderes», lendo o classico discurso da côroa, sublinhou estas passagens, que a assembleia dos representantes da nação escutou com rara e justificada avidez:
«Recentemente as patrioticas aspirações da nação ingleza e do governo de sua magestade britannica, a dilatarem as suas vastas possessões na Africa, encontraram-se em mais d'um ponto d'esse continente, com o firme proposito de Portugal de conservar sob o seu dominio e de utilisar para a civilisação os territorios africanos que primeiro foram descobertos e trilhados pelos portuguezes, por elles foram revelados e abertos ás missões do christianismo e ás operações do commercio e nos quaes as auctoridades portuguezas teem praticado os actos de jurisdicção e influencia consentaneos ao estado social dos seus habitantes, actos que sempre bastaram para significar dominio incontestavel.
«Este encontro poz em relevo desaccordos de opinião entre o meu governo e o de sua magestade britannica ácêrca das condições a que devem satisfazer e dos titulos que teem de adduzir as soberanias europeias em Africa, para serem reconhecidas pelas potencias, e d'esses desaccordos resultou uma correspondencia diplomatica que ainda os não poude sanar e que tambem houve de occupar-se de outras divergencias, posteriormente suscitadas, sobre o modo de apreciar um conflicto, occorrido nas margens do Chire, entre uma tribu indigena e uma expedição scientifica portugueza. O meu governo, inspirando-se no sentimento nacional e conformando-se com o voto unanime das duas casas do parlamento, tem diligenciado convencer o de sua magestade britannica do direito que assiste a Portugal de reger os territorios ao sul e norte do Zambeze sobre que versa a mencionada correspondencia, limitando-se, durante o incidente e em todos os seus termos, a manter dominios que sempre reivindicou, e reiterar declarações que sempre fez. E n'esta attitude persistirá com o apoio, que decerto lhe não ha de faltar, dos representantes da nação, esperando conseguir uma equitativa conciliação de todos os legitimos interesses, que promptamente restabeleça, como eu desejo, o perfeito accordo entre os governos de duas nações ligadas por vinculos de amizade e tradicções seculares».
Pura illusão! No dia 5 de janeiro, o ministro inglez em Lisboa, rebatendo a asseveração