A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891). Abreu Francisco Jorge de

A Revolução Portugueza: O 31 de Janeiro (Porto 1891) - Abreu Francisco Jorge de


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Inglaterra, trovejou, pode expulsar-nos pela força, mas o direito subsiste! Precisamos protestar contra a pirataria britannica!..

      Mas, da multidão, elevaram-se outras vozes:

      – E contra o governo que nos atraiçoou! E contra os Braganças que nos jungiram á Inglaterra!..

      Depois, a grande massa dos manifestantes subiu á parte alta da cidade a saudar a imprensa, que se collocára abertamente ao lado do povo, verberando a affronta. As redacções do Seculo, Revolução de Setembro, Jornal da Noite, Jornal do Commercio, Debates, Correio da Manhã e Gazeta de Portugal foram alvo de manifestações de sympathia. Á passagem em frente da redacção do Dia, alguns dos populares deram palmas emquanto outros se limitaram a bradar: «Viva Portugal! Abaixo a Inglaterra!». Em frente ao Correio da Noite produziu-se uma manifestação hostil ao governo, manifestação que se repetiu junto do Reporter e que redobrou de violencia em frente das Novidades, com morras ao sr. Emygdio Navarro, aos «progressistas traidores» e gritos de: «Abaixo o chalet! Viva a Republica!»

      Na rua Serpa Pinto, a multidão, lembrando-se do nome do official que derrotara os makololos, rompeu em estrepitosas acclamações em sua honra. O enthusiasmo attingiu proporções indescriptiveis. Do terceiro andar d'uma casa habitada por uma modista, falou um academico convidando os collegas a realisarem no dia seguinte um grande cortejo patriotico. Foi delirantemente applaudido. Da rua Serpa Pinto, a massa popular avançou depois sobre o theatro de S. Carlos e irrompeu na sala dando vivas á patria e clamando contra a Inglaterra. Os habitués da nossa Opera, — a jeunesse dorée– tranzidos de pavor, não lhe oppuzeram a menor resistencia. Dentro e fora do edificio os manifestantes gritavam:

      – Hoje não é dia de espectaculo, é dia de luto!..

      Sahindo de S. Carlos, alguem lembrou que o consulado inglez era na rua das Flores. O rastilho propagou-se. N'um abrir e fechar d'olhos, a casa do consul foi apedrejada, arrancando-se da parede o respectivo escudo. Apedrejaram egualmente a residencia do sr. Barros Gomes. E, só quando a policia interveiu, prendendo 61 dos populares, é que a mole se desfez, mas preparando in mente para o dia seguinte novas e incisivas manifestações de antipathia á Grã-Bretanha e ao governo que promptamente se lhe submettera. Entretanto, esse ministerio pedia a demissão, abalado pelos primeiros symptomas da reacção nacional. Para mais o movimento de protesto não se limitára a Lisboa. Repercutira de norte a sul do paiz, revelando energias civicas que desnorteavam por completo a corôa e os partidos da monarchia.

      No dia 13 de janeiro, os estudantes da capital effectuaram uma reunião na Escola Polytechnica, reunião a que compareceram os alumnos da Escola Naval, da Escola do Exercito e do Collegio Militar. Presidiu o sr. Hygino de Sousa e falaram varios oradores, todos elles estygmatisando com violencia a affronta ingleza e aconselhando a boycottage aos productos da Grã-Bretanha. Um professor do lyceu de Lisboa, sr. Carlos de Mello, tentou, n'um discurso habil, defender o sr. Barros Gomes, mas a assembléa recebeu pessimamente as suas palavras e foi resolvido acto continuo que a academia se dirigisse á camara dos pares a pedir ao parlamento declarações terminantes que serenassem o espirito publico. Assim se fez e um cortejo de mais de quinze mil pessoas, sahindo da Escola Polytechnica, encaminhou-se para S. Bento.

      Á entrada do Largo das Côrtes, do lado do mercado, um cordão de policias pretendeu impedir a passagem aos manifestantes, mas o cortejo rompeu-o e tudo passou. A guarda do palacio chamou ás armas e calou bayonetas. Em frente do edificio, destacou-se do cortejo uma commissão que foi falar ao presidente da camara. A policia dentro e fora do edificio era em tão grande quantidade que Fialho d'Almeida soltou esta boutade:

      – Os seios da representação nacional trazem hoje espartilho de guarda civil…

      Os aspirantes de marinha, receiando que a massa de povo aglomerada no largo fosse maltratada pela força militar, formaram deante d'esta, offerecendo-lhe como que uma barreira, e a sua attitude provocou uma ovação extraordinaria, frenetica de enthusiasmo. D'ahi a momentos, a commissão que se avistara com o presidente da camara voltou para junto dos manifestantes, e communicou-lhes que o parlamento, tendo tomado em consideração a démarche patriotica da academia, occupar-se-hia, na sessão seguinte, dos assumptos que interessavam a defeza e a integridade do paiz. O cortejo andou depois a percorrer varias ruas da cidade, pronunciando-se hostilmente em frente dos jornaes caracterisadamente governamentaes e á noite repetiram-se as scenas da vespera, queimando-se bandeiras inglezas, victoriando-se em delirio os nomes de Serpa Pinto, Latino Coelho e outros democratas então em evidencia.

      No dia 14, pelas seis e meia da tarde, sahiu do Café Aurea um grupo de estudantes soltando vivas á patria, á liberdade, á independencia nacional, ao exercito e á marinha. A esse grupo juntou-se na rua do Ouro e praça de D. Pedro muito povo e á porta do Café Martinho o antigo deputado progressista sr. dr. Eduardo de Abreu propoz à multidão que se envolvesse em crepes a estatua de Camões. Dito e feito. Os manifestantes enfiaram pela rua Nova do Carmo e o Chiado, explodindo sempre o maior enthusiasmo, aos degraus do monumento subiram alguns individuos, arranjou-se uma escada, passou-se o crepe em largas dobras rodeando a estatua e rematando sobre a corôa de ferro ali deposta pelos estudantes em 1880 e, no meio do mais respeitoso silencio, leu-se ao povo este cartaz, que foi depois affixado:

      Estes crepes, que envolvem a alma da patria, são entregues á guarda do povo, do exercito e da alma nacional. Quem os arrancar ou mandar arrancar é o ultimo dos covardes vendido á Inglaterra.

      Uma prolongada e fremente salva de palmas acolheu a leitura d'este protesto, simples e curto, mas d'uma eloquencia esmagadora e o cortejo patriotico voltou, como nos dias anteriores, a percorrer as ruas de Lisboa, gritando febrilmente o seu desejo de liberdade e a revolta contra a ignominia com que a nação fôra aviltada. O ministerio progressista já tinha sido substituido por um outro de feição regeneradora, sob a presidencia do sr. Antonio de Serpa e em que figuravam pela primeira vez o sr. João Arroyo na pasta da marinha, João Franco na da fazenda e Vasco Guedes na da guerra. Um dos actos do novo governo, mal subiu ao poder, foi o de procurar reprimir todas as manifestações patrioticas inspiradas no ultimatum, mandando espadeirar dezenas de populares que na noite de 14 de janeiro desciam o Chiado desferindo as suas exclamações de odio á poderosa Albion. O inicio, como se vê, não podia ser mais promettedor de brutalidade e arbitrio.

      CAPITULO VI

      Serpa Pinto, heroe africano, perde o prestigio

      D'essa agitação imponente, d'essa inesperada revelação de civismo em face da humilhação inflingida ao paiz, sahira, porém, uma ideia, que, encontrando rapidamente o maior apoio em todas as classes manifestantes, em breve se traduziu n'uma aspiração nacional. Referimo-nos á subscripção da iniciativa dos alumnos da Escola Naval destinada á compra de meios de defeza maritima. De toda a parte acudiram donativos, e dentro de pouco tempo a commissão incumbida de os recolher e que tinha como secretario o sr. dr. Eduardo de Abreu, desligado do partido progressista e filiado, com Guerra Junqueiro, no partido republicano, houve de fazer as suas reuniões no salão do theatro D. Maria e de ali centralisar o trabalho que lhe estava affecto.

      Ao mesmo passo organisava-se a Liga Patriotica do Norte collocada sob a egide de Anthero de Quental; Alfredo Keil, imitando Rouget de Lysle, compunha o hymno a Portugueza, para o qual o sr. Lopes de Mendonça escrevia os versos e esse canto vulgarisava-se tanto ou mais que a Marselheza; faziam-se diariamente conferencias publicas de esclarecimento e de protesto; os nomes dos mais illustres africanistas andavam em todas as boccas aureolados de ruidosa celebridade. Houve mesmo uma epoca em que o de Serpa Pinto se ligou á narrativa d'um incidente sul-africano com proporções de feito heroico. Foi quando a imprensa deu publicidade á carta que elle dirigira ao agente britannico Buchanan que o intimara a não avançar pelas terras dos makololos, collocados sob a protecção do governo inglez. N'essa carta dizia Serpa Pinto:

      «Se na verdade os makololos estão debaixo da protecção do governo inglez e por conseguinte lhe obedecem, estou certo de que a minha passagem será facil e segura, porque o governo inglez, representado por v. ex.ª, só me póde dar facilidades, sendo eu d'um paiz que sempre teve abertas, franca e lealmente, as portas das suas colonias ás expedições scientificas inglezas,


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