Anuario iberoamericano de regulación. Varios autores
das obrigações de universalidade, modicidade tarifária e continuidade, existentes quando exploradas diretamente pelo Poder Público, como explicarei adiante, ou quando trasladadas de forma expressa ao particular operador da infraestrutura.
Mais além, o Código Brasileiro de Aeronáutica determina que nenhum aeródromo poderá ser construído e operado sem autorização prévia da autoridade aeronáutica (artigo 34, caput). Com isso, determina a lei setorial aplicável que não é permitida a entrada de agentes no respectivo mercado (seja público, seja privado) sem um título habilitante prévio.
Não há no Código Brasileiro de Aeronáutica especificação clara acerca de qual o título habilitante prestável para a construção e operação de aeródromos privados, apenas havendo a menção de que os “aeródromos privados serão construídos, mantidos e operados por seus proprietários, obedecidas as instruções, normas e planos da autoridade aeronáutica” no artigo 35 do diploma em análise.
Em sentido contrário, o Código Brasileiro de Aeronáutica define expressamente as formas de exploração de aeródromos públicos, sem descer, contudo, ao detalhamento dos contornos jurídicos de cada qual. Nesse sentido, dispõe o artigo 36 de tal norma (in verbis):
Art. 36. Os aeródromos públicos serão construídos, mantidos e explorados:
I - diretamente, pela União;
II - por empresas especializadas da Administração Federal Indireta ou suas subsidiárias, vinculadas ao Ministério da Aeronáutica;
III - mediante convênio com os Estados ou Municípios;
IV - por concessão ou autorização.
Passarei a analisar cada uma das formas de exploração acima transcritas.
Em linhas muito gerais, as regras contidas no artigo 36 em evidência estão em plena compatibilidade com o disposto no artigo 21, inciso XII, “c”, da Constituição Federal, bem como com o artigo 175 também da Carta Maior. Isso, pois as formas de prestação e títulos habilitantes consagrados no dispositivo supratranscrito são exatamente aqueles determinados pelo Texto Constitucional, tanto para o caso de serviço público, quanto para os casos de atividades materialmente concorrentes exploradas no campo dos serviços públicos56.
A primeira forma de exploração vem prevista no inciso I do dispositivo ora em comento que determina que os aeródromos públicos poderão ser explorados diretamente pela União Federal. Aqui, claramente, está-se diante da qualificação da exploração de aeródromos públicos como serviço público, eis que somente no caso desse tipo de serviço público haveria o cabimento de exploração pela Administração Direta da União Federal57. Ademais, ao se referir a uma exploração direta pela União Federal, autoriza a lei em análise que haja atuação de órgão da Administração direta federal no caso.
A segunda forma é a possibilidade de atuação de empresa especializada da União Federal, diretamente ou por meio de subsidiárias. A hipótese aqui tratada é muito semelhante à dissertada no parágrafo precedente, pois também se trata de prestação direta de serviço público; a única distinção relevante consiste no fato de que no caso desse inciso II tem-se prestação direta e descentralizada, ao contrário da anterior que é direta e centralizada. Uma vez mais trata-se de serviço público, pois novamente tem-se uma intervenção obrigatória de ente estatal no domínio econômico.
A bem da verdade, a menção expressa a uma empresa estatal no artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica é, em certa medida inútil, pois é evidente que uma atividade definida – ao menos em parte – como serviço público pode ser explorada pela Administração direta ou pela Administração indireta (i.e., autarquia ou empresa estatal), não precisando haver previsão expressa em lei para tanto. Contudo, cumpre sublinhar que a hipótese tratada no inciso II é um desdobramento daquela versada no inciso I.
A terceira forma consiste na exploração de aeroportos por meio de convênios com Estado ou Município. Trata-se de caso em que a União Federal, detentora da competência para a atividade, delega-a a outros entes federativos, atuantes em regime de cooperação.
Sobre a possibilidade de exploração de aeródromos públicos por meio de convênio algumas notas de grande relevo fazem-se necessárias.
O primeiro ponto a ser destacado concerne ao conceito de convênio para os fins do inciso III do artigo 36 do Código Brasileiro de Aeronáutica, eis que o termo convênio é comumente utilizado para diferentes finalidades no Direito brasileiro. Utilizando a precisa definição apresentada por Odete Medauar:
convênio pode ser conceituado como o ajuste entre órgãos ou entidades do Poder Público ou entre estes e entidades privadas, visando à realização de projetos ou atividades de interesse comum, em regime de cooperação”58.
Mais adiante, a autora ainda especifica a existência de um convênio de delegação, o qual contempla a “transferência, de um nível federativo a outro, de atividades e serviços públicos suscetíveis de delegação, como acontece em matéria de administração e exploração de rodovias e portos federais”, bem como aeródromos públicos, completo eu59.
Nesse passo, parece-nos claro que o inciso III do artigo 36 ora em análise contempla a hipótese de convênio de delegação firmado entre União Federal e Estado ou Município, por meio do qual um desses últimos entes federativos será responsável por construir, operar e manter ou simplesmente operar e manter um determinado aeródromo público.
A clara afirmação de que por meio do convênio simplesmente transfere-se a exploração do aeródromo é de grande importância para assentar, sem dúvidas, que não há deslocamento de competência da União Federal para outro ente federativo. Há apenas a transferência da gestão determinada infraestrutura. A competência – e a respectiva iniciativa, por evidente – permanecem com a União Federal. O convênio é, nesta perspectiva, simplesmente a transferência do ônus da gestão da respectiva infraestrutura.
Por conseguinte, não cabe a Estados e Municípios tomarem a iniciativa de construção, operação e manutenção de aeródromos públicos. Essa iniciativa, em função da competência material assentada no artigo 21, inciso XII, alínea “c”, é privativa da União Federal, remanescendo apenas a possibilidade, conforme a conveniência e oportunidade das circunstâncias do caso concreto, de haver a delegação da operação e da gestão de determinada infraestrutura para outro ente federativo, sem, contudo, haver transferência ou renúncia de competência.
No mesmo diapasão, o segundo ponto a ser destacado concerne ao regime de exploração dos aeródromos públicos por Estados e Municípios. Em decorrência do exposto nos parágrafos precedentes, como o convênio de delegação ora tratado simplesmente transfere uma ação da União para Estado ou Município, o regime de exploração, por esses entes, será o regime de serviço público, pois que agem em nome e lugar da União Federal.
É dizer, ao receber, por convênio, atribuições atinentes a determinado aeródromo público, Estado ou Município atuam como se fossem a União Federal e, como a atuação direta (centralizada ou descentralizada) desta última sempre será no regime público, é evidente que os aeródromos explorados por Estados e Municípios seguirão o mesmo regime jurídico. Até porque não lhes é conferida competência para atuar de forma distinta da União Federal.
O terceiro e último ponto a ser destacado concerne à impossibilidade de delegação, “ex novo” de infraestruturas aeroportuárias por Estados e Municípios por sua própria decisão. Quero com isso dizer que não cabe a Estados e Municípios promoverem, por sua conta e por sua decisão, a delegação de novas infraestruturas aeroportuárias. Como o convênio de delegação simplesmente se presta a transferir determinada atividade de um ente federativo para outro, sem se prestar a transferir a respectiva competência, exsurge que somente a União poderá promover a delegação