A Cidade Sinistra. Scott Kaelen
sua oração, Oriken bufou em seu sono e bateu nos lábios. Dagra olhou na direção dele e congelou, seu coração saltando na garganta. Uma figura bípede pálida e atarracada estava debruçada sobre Oriken, a cabeça sem feições pressionada no cobertor sobre seu torso, a massa indefinida de braços sem mãos tocando a lã. Dagra olhava fixamente, paralisado pela esquisitice sem feições
Sacudindo-se do transe, ele sussurrou o nome de Oriken. Embora a criatura não demonstrasse nenhuma agressão óbvia, ele não queria impulsioná-la em ação ao gritar. Uma regra básica da vida selvagem era nunca subestimar uma fauna ou flora desconhecida. Oriken murmurou e começou a roncar baixinho.
Dagra pegou seu gládio e agachou-se. Ele se arrastou para frente, mas a criatura estava determinada a acariciar o rosto no cobertor. Aproximando-se o suficiente, ele arremessou a espada. A lâmina afundou profundamente na criatura, mas ela quase não estremeceu. Ele retirou a lâmina e olhou boquiaberto para a falta de sangue na sua pele branca, seu queixo caiu ainda mais enquanto observava a ferida se cicatrizar.
“Certo, seu bastardinho,” ele murmurou e lançou um golpe lateral em sua cabeça. O gládio afundou na carne macia com pouca resistência, mas quando a lâmina passou, o tecido se uniu imediatamente. A criatura ergueu a cabeça e ficou em pé. Afastou-se do cobertor, virou a cabeça sem rosto para Dagra, em seguida arrastou-se vagarosamente para longe.
“Orik! Acorde!” Dagra ficou em pé, os olhos na criatura enquanto ela desaparecia na noite.
Jalis agitou-se e sentou-se ereta. Uma adaga apareceu na sua mão enquanto ela examinava a escuridão.
Dagra agarrou os ombros de Oriken e sacudiu-o bruscamente. “Acorde, maldito!”
“Ugh…” Preguiçosamente, Oriken esfregou o rosto e abriu os olhos. “Alguém colocou mandrágora no meu chá?”
“Você não bebeu nenhum chá,” Jalis murmurou, retornando a adaga ao seu bolso.
Oriken levantou a cabeça do colchonete e olhou ao redor. “O que foi, Dag?” ele disse meio grogue. “Alguma coisa lá fora?”
“Sim! Não. Não sei. Havia uma…” Mas a criatura estranha desapareceu.
Jalis deu a ele um olhar esmorecido. “Você cochilou e teve um sonho?”
“Não! Eu juro que havia alguma coisa…”
“Ei!” Oriken empurrou-se para uma posição sentada e olhou para seu cobertor. “O que é esta coisa branca em cima de mim? Dag? Não estou brincando, é melhor você não ter...”
“Havia uma criatura!” Dagra protestou enquanto Oriken empurrava os cobertores. “Era uma… Ah, não sei!” Ele ofegou em exasperação.
“Nojento.” Oriken pinçou sua camisa. “Atravessou.”
“Deixe-me ver.” Jalis inclinou-se e levantou a camisa dele para expor seu torso. Três pingos da substância pegajosa emaranhavam-se no pelo em seu abdômen, com círculos vermelhos aparecendo através do limo.
“Que…” Oriken agarrou o cobertor e limpou o pus. “Parece anestesiado.”
Os olhos de Dagra foram atraídos para o cobertor. As partes da lã onde a cabeça e os braços da criatura tocaram estavam começando a desintegrar.
Jalis também havia percebido isso. Rapidamente ela pegou um odre e uma algibeira da sua mochila e derramou a água sobre a cintura de Oriken. Com a ponta do cobertor, ela limpou o máximo possível do resíduo pegajoso das feridas. Da algibeira, ela tirou uma folha úmida e colocou em cima da maior das três feridas. “Nepente é o melhor tratamento que temos agora. Com sorte, a criatura não era venenosa.”
Oriken assentiu com gratidão e olhou para Dagra. “Com o que isso se parecia?”
Dagra deu de ombros. Ele descreveu a criatura estranha da melhor maneira possível, mas nem Oriken nem Jalis faziam ideia do que poderia ter sido
“Vamos ter de ser extra vigilantes.” Enquanto Jalis pegava mais duas folhas da algibeira, ela disse para Dagra, “Bom trabalho por descobrir a tempo. Não há como dizer que dano isso poderia ter causado a Oriken enquanto ele dormia. Estou imaginando que seja o que for que isso secretava, contém um anestésico.”
Oriken empalideceu quando Jalis pressionou as folhas de nepente nas suas feridas. “Eu te devo uma, Dag. Olhe, sinto muito por gritar.”
Dagra grunhiu. “Esqueça. Volte a dormir. Farei uma vigília mais longa e te acordarei em duas horas. De qualquer maneira quero fazer uma caminhada rápida. Se avisto aquela coisa sem você no caminho, irei cortá-la em pedaços.”
“Obrigado,” Oriken disse. “Mas duvido que voltarei a dormir agora.”
“Então não faça isso,” Jalis disse. “Apenas descanse. Se você se sentir estranho, diga a Dag ou me acorde.” Ela olhou para seu braço. “Como está o ferimento do cravante?”
Oriken abriu e fechou o punho. “Muito melhor.” Ele vasculhou o fundo da sua mochila e tirou a jaqueta de couro de nargute, revestida de lã e vestiu. Quando ele prendeu a fileira de presilhas na frente da jaqueta, ele olhou de Dagra para Jalis. “Ei, não vou correr nenhum risco.” Ele deitou e colocou o chapéu em cima da cintura.
Jalis voltou para seu cobertor e em questão de um minuto voltou a dormir. Oriken entrelaçou as mãos atrás da cabeça e deu um breve aceno de cabeça para Dagra. Embainhando seu gládio e verificando a besta carregada, Dagra saiu para começar a patrulha.
Cadáveres, cravantes, loucos e estranhas manchas brancas, ele pensou. E, quando a manhã chegar, muito provavelmente os espíritos dos antigos mortos. Ele enviou outra oração rápida para os deuses e seus profetas para que amanhã não fosse outro teste. Agora era um jogo de espera para ver se – e como – eles responderiam.
Capítulo Oito
Observadores Na Fronteira do Mundo
Oriken mastigava sem entusiasmo um pedaço duro de carne seca enquanto passava um dedo pelos ferimentos doloridos em sua barriga. O nepente tinha feito seu trabalho; a pele estava em carne viva, mas cicatrizando aos primórdios de crostas e o entorpecimento tinha desaparecido quando sua vigília acabou. Ele pegou um dos três ovos de codorna cozidos da caneca ao lado do fogo e abriu-o. Ele olhou taciturnamente para o ovo minúsculo. Eles eram tudo que ele conseguiu encontrar na noite anterior apesar de seguir o chamado da codorna esquiva. Junto com o resto das suas rações salgadas, um ovo minúsculo para cada um e uma tigela de bagas do pântano era todo o café da manhã deles. Ele colocou o ovo na boca e engoliu-o em segundos.
“Estou dizendo,” ele disse, “se encontrarmos algum cravante na cidade, vou comer um.”
Dagra franziu o rosto.
“Ei, não há como dizer quando vamos ter outra refeição decente. Estou apenas pensando para frente.”
“Não faria isso se fosse você,” Jalis disse.
“O que, pensar para frente?”
Ela lançou um olhar fulminante para ele. “Carne de cravante é mais dura do que couro a não ser que você a deixe ferver por um dia inteiro.”
Dagra limpou as mãos na calça e se levantou. “Não nos diga que isso é algo que você aprendeu em primeira mão.”
“Na verdade, é.” Por um momento, a expressão de Jalis tornou-se distante. “É uma iguaria rara em Sardaya, ou pelo menos era quando eu era criança. Os cravantes alados poderiam ser uma irritação se eles desciam das montanhas. Com frequência meu pai participava de uma caçada mensal e às vezes ele traria para casa um pedaço de carne de cravante para as criadas cozinharem.” Ela olhou para Oriken. “Mas não vamos encontrar nenhum na cidade porque não vamos até lá. Não há necessidade. Durante meu turno, eu verifiquei o mapa que Cela deu a Maros. O Jardim dos Mortos fica diretamente dentro dos portões, portanto não precisamos entrar em Lachyla.”