Minotauro. Sergio Ochoa Meraz
criançada, as experiências da adolescência e a sua chegada à capital, onde deixou a sua amada Ciudad Juárez para se tornar um chihuahuita, um estrangeiro sempre à espera de voltar para a sua terra natal, mas de alguma forma, casado com a capital.
Para ele, como para muitos forasteiros, a capital do estado de Chihuahua recebeu-o e tratou-o maravilhosamente bem, não apenas pela hospitalidade tão severamente proclamada naquela cidade, mas por seu próprio mérito, pois se mostrou um excelente aluno da Faculdade de Direito, um dos odiados por alguns colegas por ser dos favoritos dos médicos; especialmente dos veteranos, daqueles a quem o professor era mais uma dívida do partido político que os uniu desde o nascimento e reconhecimento da sua militância do que uma atividade vocacional.
Isso era verdade para alguns deles, mas não para todos, e Jorge sabia como identificá-los facilmente, embora nunca abusasse da proximidade ou a usasse para passar por cima de qualquer assunto.
O aluno externo, o chaveñero, gostava de retórica e declamação; gostava da sua participação e logo se tornou amigo de outros alunos destacados do corpo docente, de diferentes semestres; ficou conhecido por ter uma grande capacidade de interpretar e rever livros; era um hermenêutico nato.
A sua mente regressou do percurso de lembranças sem se aperceber das horas, até que ouviu alguns murmúrios nos escritórios vizinhos, uma vez que as pessoas começavam a despedir-se para ir comer. Jorge nem teve tempo de sair e desfrutar de um dos requintados burritos de machaca com ovo que a Dona Rosy vendia na sua famosa loja, ali perto, a poucos passos do prédio onde trabalhava.
Quando Jorge não estava no escritório, andava como um peixe na água pelo Palácio do Governo; sempre lhe pareceu imprudente que o escritório do governador e o H. Congresso do Estado estivessem no mesmo lugar, mas era um costume do qual ninguém discordava.
Tentou mergulhar novamente na leitura, mas era impossível concentrar-se em algo que não fosse a noite anterior. Quantas vezes já tinha tido aquele sonho? Duas? Três? Quem era a mulher loira? Alguma professora da primária? Uma vizinha?
O trabalho começava a ficar um pouco complicado e a mente precisava de uma válvula de escape, sem dúvida. Além disso, já era quinta-feira, portanto, uma breve visita à cantina centenária La Antigua Paz para alguns "jaiboles" era mais que justificada; uma grande vantagem era o facto de estar localizada a menos de dois quarteirões da sua casa; bem pertinho como ele dizia.
Capítulo 3
O pai de Mariana
Mariana perdeu o pai aos dezassete anos, embora referir-se a esse evento como uma perda, a princípio tenha-lhe custado muito trabalho.
O tempo encarregou-se de colocar algumas coisas no seu lugar e, consequentemente da lógica, de perturbar outras.
Sim, para os outros foi uma perda, uma grande perda e isso foi manifestado por ela como um acordo social. Mariana sabia muito bem como lidar com essas convenções sociais; agora, uma vez que era psicóloga, dedicava-se à elaboração de perfis por meio delas.
O seu pai havia escolhido para ela um futuro de provisão, de dependência, ainda que o Engenheiro Salgado fosse um homem culto, nunca abandonou a ideia habitual de que a mulher ficava melhor na sua casa: ele pensava com esmero que era da conta do homem sair e se encarregar da probidade, além de não ter que prestar contas a ninguém do quê ou como - exceto à mulher.
Pouco antes da morte do patriarca da família Salgado, as brigas da família eram o pão e o sal de cada dia, incluindo os fins de semana em que os passeios aos restaurantes e outros eventos da vida social eram adiados até novo aviso, para evitar problemas públicos.
Mariana desafiou o pai e tudo o que ele representava desde que o censurou por ter uma vida dupla e por ser um mulherengo. Não era difícil para ela censurá-lo com a assistência de que o Engenheiro tinha pelo menos dois filhos fora do casamento.
Aquela rapariguinha que ia com ele a todo o lado para comer gelado e procurar livros antigos, era agora uma jovem caprichosa, mimada e contestada que procurava respostas que deixava os seus pais desconfortáveis; que se sentia desprezada por não ser um menino:
- Já te disse o que tens de fazer Marianinha, porque repetiria?
+ Sim mãe! Eu disse-te que não queria ir! Não gosto dessas reuniões e fico entediada de ouvir sempre a mesma coisa!
- Filha, é importante para o teu pai, para a família! É isso que devemos ser, uma família e apoiar o teu pai! Não quero que fiques com essa cara, não faças o teu pai desatinar que ele já tem bastantes pressões no seu...
+ …Trabalho, sim, eu sei! É sempre a mesma cantiga! Irrita-me mãe! Porque é que ele não me pergunta? Porque é que te usa como mensageira?
- Mais respeito Mariana, não sou mensageira de ninguém! E se ele não te pergunta, é porque sabe que o vais rejeitar, que vais dizer-lhe que não e que mais tarde vais atirar-lhe à cara os teus disparates!...
+ Que disparates, mãe? Eu só quero saber o porquê de tanto mistério? O que está ele a esconder?
- Ele não esconde nada, ele é meu marido e já o é antes de nasceres, acho que o conheço melhor do que tu e ele não esconde nada! – Ao dizer isto, ela sabia que mentia... mentia a si própria.
+ Sim... antes de eu nascer era melhor, não era?
- Lá estás tu outra vez com o mesmo, que aborrecimento, Mariana!
Não, não havia saída ou conclusão definitiva naquelas explosões de interrogatório com a qualidade da Gestapo. A atmosfera acelerada, causada pelo encontro com a pirralha que antes era agradável e que agora era uma adolescente intratável contornara o Eng. Salgado para ficar mais absorvido e praticamente morar na biblioteca da casa, um lugar onde deliberadamente não havia televisão nem um rádio que chamasse a atenção da jovem, que preferia ficar de barriga para o ar no quarto a folhear revistas e a falar ao telefone com as amigas da escola.
Aquelas tardes sonhadoras onde o Engenheiro e a sua linda filhinha Mariana corriam pelo jardim com um cata-vento, sentavam-se na fonte a comer gelado ou jogavam-se de costas para ver o céu e procurar a forma das nuvens que haviam deixado para trás, para dar uma espécie de rancor no coração da Sra. Julia, viúva de Salgado, pela perda do seu marido, o Engenheiro, e apontar Marianinha e os seus caprichos estúpidos como o único responsável: estudar Psicologia... ha! Como se fosse preciso ela estudar mais do que o secundário. Podia casar-se com qualquer homem bonito que aparecesse e a enchesse de netos - pensou a viúva, - mas esse desejo de se defender e fazer as coisas à sua maneira era mais característico de um homem, um varão, o qual nunca chegou.
O Eng. Mario Salgado morreu de um ataque cardíaco repentino enquanto estava na sua biblioteca, no seu refúgio; o seu santuário.
Revia, por assim dizer, um livro que Jacobo Aguilar recebera por acidente na sua livraria. Não fazia parte de nenhum pedido, vinha numa caixa com outros livros que tinham sido solicitados a uma editora do Distrito Federal, mas aquele volume em particular tinha sido embalado com muito cuidado, embrulhado em folhas de jornal e tecido, amarradas de forma desajeitada.
Era um volume em espanhol do final de 1800, pesava pouco mais de dois quilos e estava em perfeitas condições. Jacobo já o havia lido na íntegra e preparou uma crítica maravilhosa que foi compartilhada na mais recente reunião fechada, realizada na Loja da qual ambos faziam parte.
No entanto, havia algo que não dava para entender, algo que definitivamente "não se encaixava". Como é que aquele livro tinha aparecido dentro da caixa? Isso causou-lhe uma estranha sensação de desconforto, desgosto.
Sendo um homem de ciência, ou pelo menos era assim que gostava de se ver, Jacobo ficou aliviado quando o Eng. Salgado lhe pediu que lhe emprestasse o livro para levar para casa. Ele não hesitou em concordar, de facto, estava prestes a pedir-lhe que o levasse; mas também não queria perdê-lo. Era uma espécie de capricho: queria-o por conta própria, mas não queria estar perto dele, então o pedido veio a calhar. O Eng. Salgado não estava obcecado em ler aquele livro, que incluía algumas das obras de Wagner, ele já as