Mestres da Poesia - Fernando Pessoa. Fernando Pessoa

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chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,

      E amo-o sem pensar nele,

      E penso-o vendo e ouvindo,

      E ando com ele a toda a hora.

      Um dia de chuva

      Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.

      Ambos existem; cada um como é

      Falas de civilização, e de não dever ser

      Falas de civilização, e de não dever ser,

      Ou de não dever ser assim.

      Dizes que todos sofrem, ou a maioria de todos,

      Com as cousas humanas postas desta maneira.

      Dizes que se fossem diferentes, sofreriam menos.

      Dizes que se fossem como tu queres, seria melhor.

      Escuto sem te ouvir.

      Para que te quereria eu ouvir?

      Ouvindo-te nada ficaria sabendo.

      Se as cousas fossem diferentes, seriam diferentes: eis tudo.

      Se as cousas fossem como tu queres, seriam só como tu queres.

      Ai de ti e de todos que levam a vida

      A querer inventar a máquina de fazer felicidade!

      O Penúltimo Poema

      Também sei fazer conjecturas.

      Há em cada coisa aquilo que ela é que a anima.

      Na planta está por fora e é uma ninfa pequena.

      No animal é um ser interior longínquo.

      No homem é a alma que vive com ele e é já ele.

      Nos deuses tem o mesmo tamanho

      E o mesmo espaço que o corpo

      E é a mesma coisa que o corpo.

      Por isso se diz que os deuses nunca morrem.

      Por isso os deuses não têm corpo e alma

      Mas só corpo e são perfeitos.

      O corpo é que lhes é alma

      E têm a consciência na própria carne divina.

      Quando vier a Primavera

      Quando vier a Primavera,

      Se eu já estiver morto,

      As flores florirão da mesma maneira

      E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.

      A realidade não precisa de mim.

      Sinto uma alegria enorme

      Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma

      Se soubesse que amanhã morria

      E a Primavera era depois de amanhã,

      Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.

      Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?

      Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;

      E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.

      Por isso, se morrer agora, morro contente,

      Porque tudo é real e tudo está certo.

      Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.

      Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.

      Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.

      O que for, quando for, é que será o que é.

      Quando a erva crescer em cima da minha sepultura

      Quando a erva crescer em cima da minha sepultura,

      Seja este o sinal para me esquecerem de todo.

      A Natureza nunca se recorda, e por isso é bela.

      E se tiverem a necessidade doentia de "interpretar" a erva verde

      sobre a minha sepultura,

      Digam que eu continuo a verdecer e a ser natural.

      Bernardo Soares

      Aos deuses uma coisa se agradeça:

      Aos deuses uma coisa se agradeça:

      O sono. A vida esqueça

      Já que não pode nunca ser feliz.

      Por isso, com um rito definido

      Encostemos a fronte ao travesseiro

      E deponhamos como ante um juiz

      O nosso anseio derradeiro.

      Sim, o sono, o sossego, o não ser nada

      A morte sempre ansiada

      [...]

      No sossego da fronte que repousa

      Alheia a toda a coisa.

      O apagamento, bem ou mal, de tudo.

      Como quem, roçando um arco às vezes

      (early morning)

      Como quem, roçando um arco às vezes

       Por um violino, ao acaso,

      Súbito som excessivamente belo e saudoso

       Ouve-se, e não se pode encontrar outra vez,

      Às vezes, sou certos gestos súbitos do Momento,

       Gemo irrespiradas sensações...

      E são um tédio repentino à cor e à hora das coisas

      E uma lamúria e longínqua paixão de não estar no mundo.

      Árvores longínquas que esperam por mim desde Deus...

      Paisagens mais perto da alma... Ou são grandes pálios

      Em procissões interminavelmente a mesma...

      Levando-me num triunfo de coisa nenhuma, sonolento e voluptuoso,

      E perdido fico no Tempo como um momento em que se não pensa em nada...

      Ela canta e as suas notas soltas tecem

      Ela canta e as suas notas soltas tecem

      Penumbras de sentir no (...) ar...

      Em torno as coisas todas entristecem

      Só para que ela lhes possa ser luar.

      Ó alma derramando-se invisível,

      Ó natural requinte da expressão...

      Rio de som em tua água

      Vai boiando em silêncio (...) e insensível

      E debruça-se a vê-lo o inextinguível

      Esforço de ser perfeito de imperfeição.

      Asas de borboletas de só-espírito

      Volteiam (...) em torno dos sons

      Que a tua voz em espirais

      (...)

      Loura a face que espia

      Loura a face que espia

      Cose, debruçada à janela,

      Se eu fosse outro pararia

      E falaria com ela.

      Mas seja o tempo ou o acaso

      Seja a sorte interior,

      Olho mas


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