A amante do italiano. Diana Hamilton

A amante do italiano - Diana Hamilton


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eu tentar vendê-la!

      À luz do vestíbulo, a figura de Helene Jay, alta e magra, envolta num roupão bordado e com um aspecto deplorável. As emaranhadas madeixas acobreadas, cuidadosamente pintadas, enquadravam a beleza gasta de um rosto demasiado maquilhado.

      Ignorando o jovem, que gatinhava enquanto recolhia os seus dispersos pertences, Bianca subiu as escadas. Estava de rastos e apenas queria chorar. Chorar pelo que perdera nessa noite, e pelo que se deparava para o seu futuro imediato.

      Não podia ser tão frágil. Durante a maior parte dos seus vinte e cinco anos de vida, tivera de ser forte para apoiar a mãe, e agora Helene precisava dela mais do que nunca.

      Há duas semanas atrás, tiveram de lhe fazer uma lavagem ao estômago, nada agradável, por causa de uma sobredose de comprimidos para dormir e enormes quantidades de álcool.

      – Um copo a mais do que a conta e esqueci-me de que já tinha tomado os comprimidos. Foi só um erro parvo, querida – desculpou-se Helena debilmente.

      Mas Bianca não estava tão certa. A mãe aproximava-se dos cinquenta anos e não havia nenhum homem na sua vida. A sua beleza, impressionante noutra época, desvanecia-se rapidamente e o seu temperamento instável era cada vez mais frágil e podia acontecer qualquer coisa.

      Bianca aproximou-se da mãe, pegou-lhe num braço e, escondendo o seu sobressalto quando reparou na sua impressionante magreza, fê-la entrar delicadamente, fechando a porta atrás delas.

      – Helene… não – pediu-lhe, com a voz derrotada pela compaixão, e uma tempestade de soluços invadiu o corpo da sua mãe. Bianca não suportava vê-la assim. O rímel estava borrado e tinha círculos escuros em volta dos olhos, como um panda, e escandalosa a pintura dos lábios espalhara-se pelas finas rugas em torno da boca.

      – Aquele asqueroso era um gigolô! Não fazia ideia! Como é que poderia imaginar? – declarou com voz fraca. – Pensava que eu tinha de pagar para ter companhia masculina!

      – Deve ser estúpido e completamente cego – Bianca tentava consolar-lhe o magoado ego e, com as mãos a tremer, pegou num lenço de papel para lhe limpar as lágrimas e o rímel que tinha na cara. Tentando dar uma entoação de divertida preocupação, recriminou-a. – Pensava que tu e Jeanne iam ficar em casa, tranquilamente, a ver televisão!

      Helene retirou bruscamente a cabeça, esquecendo por um momento a recente humilhação.

      – O programa que tu disseste que não podíamos perder, era de facto aborrecido, e como com Jeanne não se pode falar de nada, porque para ela um serão animado é falar de pontos e de receitas de culinária. Deixa de me tratar como se eu fosse uma menina, querida. Eu sei que a tua intenção é boa, mas torna-se insultuosa! Precisava de um copo, e como nesta casa reina a Lei Seca, tive de sair para o conseguir.

      «E sem saberes, trouxeste para casa um gigolô», pensou Bianca abatida. Há anos atrás, nunca faltava à mãe companhia masculina mas, com o passar do tempo, os amantes sem compromissos tornaram-se em devaneios de uma noite, ao mesmo tempo que os gastos de Helene disparavam, com a última moda e o agravamento dos hábitos de bebida.

      Este último incidente, com o jovem de pele dourada e que exigiu uma retribuição pelo serviço que se dispunha a realizar, podia ser a gota que derramava o vaso e que podia levar à beira do abismo, aquela que, antigamente, foi uma mulher fabulosamente atraente.

      «Onde raio estava Jeanne?»

      Como resposta à muda pergunta de Bianca, uma robusta idosa desceu as escadas, enquanto apertava, supostamente na cintura, o cinto de um roupão amarelado.

      – Ouvi gritos, que escândalo! Desci quando pude.

      «Depois de encontrar a dentadura postiça e de ter tirado os rolos», traduziu Bianca desfalecida. Para a tia Jeanne o decoro era tudo. A idosa continuou.

      – Ouvi uma voz de homem a insultar-te e também os teus gritos – os seus doces olhos azuis ensombraram-se quando se apercebeu do estado em que se encontrava a irmã mais nova. – Helene! Disseste-me que estavas cansada e que te apetecia deitar cedo, por isso eu também disse… Mentiste-me! Não vim para aqui para fazeres de mim parva – acrescentou, com um profundo suspiro.

      Escondendo a sua impaciência atrás de um sorriso calmo, que não se reflectia nos seus olhos, Cesare despediu-se da irmã e do cunhado, impaciente para pôr fim ao serão, que lhe pareceu eterno depois de Bianca ter partido.

      Os empregados tinham-se ido embora há meia hora e Denton limpava desnecessariamente a cozinha. Cesare disse-lhe para se retirar, apagou as luzes e dirigiu-se para o estúdio.

      Geralmente, o silencioso compartimento de paredes cobertas de livros, era um oásis de paz na sua frenética vida de trabalho. Sem computador, telefone ou fax, que pudessem perturbar a atmosfera de tranquilidade. Independentemente das pressões laborais, Cesare tinha como norma não levar trabalho para casa, mas nessa noite, sabia que não conseguiria descontrair, até ter entendido o que se passou.

      Serviu-se de um dedo de uísque de malte e começou a andar com passadas nervosas.

      Ela dissera-lhe que tinha acabado tudo, sem mais nem menos.

      Nunca lhe acontecera nada igual, era sempre ele quem punha fim aos seus ocasionais romances, mas permitindo que o previssem com algumas semanas de antecedência. A separação acontecia de forma amistosa, ele expressava algum pesar cortês e presenteava generosamente a respectiva menina, com um carro, com jóias ou com uma viagem exótica, conforme preferisse.

      Mas nunca desta maneira. Nunca!

      E nunca antes dele estar preparado para aceitar o fim!

      Bateu com o copo vazio no couro que protegia a sua secretária, e lançou um olhar esquivo às lombadas dos livros das estantes, mas sem as ver. Tinha de haver alguma forma de se libertar da raiva que lhe percorria o corpo como uma torrente ensurdecedora, e pelo amor de Deus, de onde saiu aquela proposta de casamento? Porca miseria, a sua cabeça estava a desvairar! Não percebia de onde saíram aquelas palavras, mas ela simplesmente ignorou-as, a sua delirante proposta não provocou nem um pestanejo nas suas fabulosas pestanas.

      Cerrou os punhos e apertou os dentes até sentir dor. Muitas mulheres teriam morto as suas próprias avós, para ouvirem aquelas palavras sair dos lábios dele!

      Bianca Jay limitou-se a olhar para ele, como se ele nem sequer existisse, e a afastar-se!

      Ninguém, absolutamente ninguém, humilhava assim Cesare Andriotti sem pagar por isso!

      Franziu as sobrancelhas de ébano, ao ritmo de uma imprecação grosseira em italiano, depois, tentando controlar-se, inspirou profundamente para recuperar a calma, mas sem o conseguir.

      Desde o primeiro momento, que achou que Bianca Jay tinha de ser sua. Não foi simples, mas acabou a conseguir o que queria, embora, por alguma razão, com ela era tudo muito mais complicado do que um simples desejo carnal.

      A linda e esquiva Bianca começava a intrigá-lo. Na cama partilhavam uma magia abrasadora, mas fora dela, Bianca mantinha-se à distância, não se deixava conhecer.

      Recusara, sem qualquer entusiasmo, ir viver com ele e, embora a relação deles tivesse um caracter quase permanente, deixou claro que não aceitaria nenhum dos presentes com que ele pretendesse obsequia-la, não falava do seu passado nem da sua família, mudando de assunto sempre que ele puxava a conversa.

      Cesare gostava de saber como é que ela chegara à mulher que era, mas respeitava a sua necessidade de intimidade e refreava o seu crescente desejo de desvendar os seus mistérios, bem como evitava as evasivas que faziam parte da relação deles.

      Impaciente, serviu-se de outro uísque, aproximou-se da secretária e tirou de uma gaveta um pequeno caderno, que folheou até encontrar o número que procurava.

      O que sucedeu nessa noite, fez mudar as regras do jogo e respeitar a intimidade dela já não fazia parte.

      Descontraindo no confortável cadeirão giratório, pegou no telefone.


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