Os Lusíadas. Luis de Camoes

Os Lusíadas - Luis de Camoes


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decreto do, Ceo ligeiro, & leue,

      Veo a fazer no mundo tanta parte,

      Criando a Reino illuſtre, & foi deſta arte.

      Hum Rei, por nome Affonſo, foy na Eſpanha,

      Que fez aos Sarracenos tanta guerra,

      Que por armas ſanguinas, força & manha

      A muitos fez perder a vida, & a terra:

      Voando deſte Rei a fama eſtranha,

      Do Herculano Calpe aa Caſpia ſerra,

      Muitos, pera na guerra eſclarecerſe,

      Vinhão a elle, & aa morte offerecerſe.

      E com hum amor intrinſeco acendidos

      Da Fè, mais que das honras populares,

      Erão de varias terras conduzidos,

      Deixando a patria amada, & proprios lares

      Deſpois que em feitos altos & ſubidos.

      Se moſtrarão nas armas ſingulares.

      Quis o famoſo Affonſo, que obras tais,

      Leuaſſem premio digno, & dões agoais.

      Deſtes Anrique dizem que ſegundo,

      Filho de hum Rei de Vngria exprimentado,

      Portugal ouue em ſorte, que no Mundo

      Entam não era illuſtre, nem prezado:

      E pera mais ſinal damor profundo,

      Quis o Rei Caſtelhano, que caſado,

      Com Tereſa ſua filha o Conde foſſe,

      E com ella das terras tomou poſſe.

      Eſte deſpois que contra os deſcendentes,

      Da eſcraua Agar, victorias grandes teue,

      Ganhando muitas terras adjacentes,

      Fazendo o que a ſeu forte peito deue.

      Em premio destes feitos excellentes,

      Deulhe o ſupremo Deos, em tempo breue,

      Hum filho, que illuſtraſſe o nome vfano

      Do belicoſo Reino Luſitano.

      Ia tinha vindo Anrique da conquista,

      Da cidade Hyeroſolima ſagrada,

      E do Iordão a area tinha vista,

      Que vio de Deos a carne em ſi lauada,

      Que não tendo Gotfredo a quem reſiſta,

      Depois de ter Iudea ſojugada.

      Muitos que nestas guerras o ajudárão,

      Pera ſeus ſenhorios ſe tornàrão.

      Quando chegado ao fim de ſua idade,

      O forte & famoſo Vngaro estremado,

      Forçado da fatal neceſsidade,

      O ſpirito deu, a quem lho tinha dado:

      Ficaua o filho em tenra mocidade,

      Em quem o pay deixaua ſeu traſlado:

      Que do Mundo os mais fortes igualaua,

      Que de tal pay tal filho ſe eſperaua.

      Mas o velho rumor, não ſey ſe errado,

      Que em tanta antiguidade não ha certeza,

      Conta que a mãy tomando todo o eſtado

      Do ſegundo Hymeneo, não ſe despreza:

      O filho orfão deixaua deſerdado,

      Dizendo que nas terras, a grandeza

      Do ſenhorio todo, ſo ſua era,

      Porque pera caſar ſeu pay lhas dera.

      Mas o Principe Affonſo, que deſta arte

      Se chamaua, do Auô tomando o nome,

      Vendoſe em ſuas terras não ter parte,

      Que a mãy com ſeu marido as mãda & come,

      Feruendo lhe no peito o duro Marte,

      Imagina conſigo como as tome.

      Reuoluidas as cauſas no conceito,

      Ao propoſito firme ſegue o effeito.

      De Guimarães o campo ſe tingia,

      Co ſangue proprio da intestina guerra,

      Onde a mãy que tam pouco o perecia,

      A ſeu filho negaua o amor, & a terra,

      Co elle posta em campo ja ſe via,

      E não ve a ſoberba, o muito que erra.

      Contra Deos, contra o maternal amor:

      Mas nella o ſenſual era maior.

      O Progne crua, o magica Medea,

      Se em voſſos proprios filhos vos vingais

      Da maldade dos pais, da culpa alheia,

      Olhay que inda Tereſa peca mais:

      Incontinencia ma, cubiça fea,

      São as cauſas deste erro principais.

      Scilla por hũa mata o velho pay,

      Eſta por ambas, contra o filho vay.

      Mas ja o Principe claro, o vencimento,

      Do padrasto & da inica mãy leuaua,

      Ia lhe obedece a terra num momento,

      Que primeiro contra elle pelejaua.

      Porem vencido de Ira o entendimento,

      A mãy em ferros aſperos ataua:

      Mas de Deos foi vingada em tempo breue,

      Tanta veneração aos pais ſe deue.

      Eis ſe ajunta o ſoberbo Castelhano,

      Pera vingar a injuria de Tereja,

      Contra o tam raro em gente Luſitano,

      A quem nenhum trabalho agraua, ou peſa:

      Em batalha cruel, o peito humano,

      Ajudado da Angelica defeſa.

      Não ſo contra tal furia ſe ſuſtenta:

      Mas o inimigo aſperrimo affugenta.

      Não paſſa muito tempo, quando o forte

      Principe, em Guimarães eſta cercado,

      De infinito poder, que deſta ſorte,

      Foy refazerſe o immigo magoado:

      Mas com ſe offerecer aa dura morte,

      O fiel Egas amo, foy liurado.

      Que de outra arte podêra ſer perdido,

      Segundo estaua mal aperçebido.

      Mas o leal vaſſallo conhecendo,

      Que ſeu ſenhor não tinha reſiſtencia,

      Se vay ao Caſtelhano, prometendo,

      Que elle faria darlhe obediencia.

      Leuanta o inimigo o cerco horrendo,

      Fiado na promeſſa, & conſciencia

      De Egas moniz mas não conſente o peito

      Do moço illuſlre, a outrem ſer ſogeito.

      Chegado tinha o prazo prometido,

      Em que o Rei Castelhano ja agoardaua,

      Que o Principe a ſeu mando ſometido,

      Lhe deſſe a obediencia que eſperaua.

      Vendo Egas, que ficaua fementido,

      O


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