Os Lusíadas. Luis de Camoes

Os Lusíadas - Luis de Camoes


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alagoa Meotis, curuo & frio

      As diuide: & o Mar, que fero & horrendo

      Vio dos Gregos o yrado ſenhorio:

      Onde agora de Troia triumfante,

      Não vê mais que a memoria o nauegante.

      La onde mais debaxo està do Polo,

      Os montes Hyperboreos aparecem,

      E aquelles onde ſempre ſopra Eolo,

      E co nome do ſopros, ſe ennobrecem,

      Aqui tam pouca força tem de Apolo,

      Os rayos que no mundo reſplandecem.

      Que a neue eſtà contino pelos montes,

      Gelado o mar, geladas ſempre as fontes.

      Aqui dos Cytas, grande quantidade

      Viuem, que antigamente grande guerra

      Tiuerão, ſobre a humana antiguidade,

      Cos que tinhão antão a Egipcia terra:

      Mas quem tão fera estaua da verdade,

      (Ia que o juyzo humano tanto erra:)

      Pera que do mais certo ſe informàra,

      Ao campo Damaſceno o perguntàra.

      Agora neſtas partes ſe nomea,

      A Lapia fria, a inculta Noruega,

      Eſcandinauia Ilha, que ſe arrea,

      Das victorias que Italia não lhe nega

      Aqui, em quanto as agoas não refrea,

      O congelado Inuerno, ſe nauega.

      Hum braço do Sarmatico Occeoano,

      Pelo Bruſio, Suecio, & frio Dano.

      Entre eſte Mar, & o Tanais viue eſtranha

      Gente, Ruthenos, Moſcos, & Liuonios,

      Sarmatas outro tempo, & na montanha

      Hircinia, os Marcomanos ſam Polonios

      Sugeitos ao Imperio de Alemanha,

      Sam Saxones, Boemios, & Panonios,

      E outras varias nações, que o Reno frio

      Laua, & o Danubio, Amaſis, & Albis Rio.

      Entre o remoto Iſtro, & o claro eſtreito,

      Aonde Hele deixou, co nome, a vida,

      Estão os Traces de robuſto peito,

      Do fero Marte, patria tam querida,

      Onde co Hemo, o Rodope ſugeito

      Ao Otomano està, que ſometida,

      Bizancio tem a ſeu ſeruiço indino,

      Boa injuria do grande Coſtantino.

      Logo de Macedonia eſtão as gentes,

      A quem laua do Axio a agoa fria:

      E vos tamhem, o terras excelentes,

      Nos coſtumes, engenhos, & ouſadia,

      Que criaſtes os peitos eloquentes,

      E os juizos de alta fantaſia:

      Com quem tu clara Grecia o Ceo penetras,

      E não menos por armas, que por letras.

      Logo os Dalmatas viuem, & no ſeio,

      Onde Antenor ja muros leuantou,

      A ſoberba Veneza eſtâ no meio

      Das agoas, que tam baxa começou

      Da terra, hum braço vem ao mar, que cheio

      De esforço, nações varias ſogeitou,

      Braço forte, de gente ſublimada,

      Não menos nos engenhos que na eſpada.

      Em torno o cerca o Reino Neptunino,

      Cos muros naturais, por outra parte,

      Pela meyo o diuide o Apinino,

      Que tam illuſtre fez o patrio Marte:

      Mas deſpois que o porteiro tem diuino,

      Perdendo o esforço veio, & bellica arte:

      Pobre eſtà ja de antiga poteſtade,

      Tanto Deos ſe contenta de humildade.

      Galia ali ſe verà, que nomeada,

      Cos Ceſareos Triumfos foy no mundo,

      Que do Sequana, & Rôdano he regada,

      E do Garuna frio, & Reno fundo:

      Logo os montes da Nimpha ſepultada

      Pyrene ſe aleuantão, que ſegundo

      Antiguidades contão, quando arderão,

      Rios de ouro, & de prata antão corrèrão.

      Eis aqui ſe deſcobre a nobre Eſpanha,

      Como cabeça ali de Europa toda,

      Em cujo ſenhorio & gloria eſtranha,

      Muitas voltas tem dado a fatal roda:

      Mas nunca poderà, com força, ou manha,

      A fortuna inquieta porlhe noda:

      Que lha não tire o esforço & ouſadia,

      Dos belicoſos peitos, que em ſi cria.

      Com Tingitania enteſta, & ali parece

      Que quer fechar o mar Mediterrano,

      Onde o ſabido estreito ſe ennobrece,

      Co extremo trabalho do Thebano:

      Com nações differentes ſe engrandece,

      Cercadas com as ondas do Occeano.

      Todas de tal nobreza, & tal valor,

      Que qualquer dellas cuida que he milhor.

      Tem o Tarragones, que ſe fez claro,

      Sujeitando Partênope inquieta,

      O Nauarro, as Aſturias, que reparo

      Ia forão, contra a gente Mohometa,

      Tem o Galego cauto, & o grande & raro

      Caſtelhano, a quem fez o ſeu Planeta,

      Restituidor de Eſpanha, & ſenhor della,

      Bethis, Lião, Granada, com Castella.

      Eis aqui quaſi cume da cabeça,

      De Europa toda, o Reino Luſitano,

      Onde a Terra ſe acaba, & o Mar começa,

      E onde Febo repouſa no Occeano:

      Eſte quis o Ceo juſto, que ſloreça

      Nas armas, contra o torpe Mauritano,

      Deitando o de ſi fora, & la na ardente

      Affrica eſtar quieto o nam conſente.

      Eſta he a ditoſa patria minha amada,

      Aa qual ſe o Ceo me da, que eu ſem perigo

      Torne, com eſta empreſa ja acabada,

      Acabeſe eſta luz ali comigo.

      Eſta foy Luſitania diriuada,

      De Luſo, ou Lyſa: que de Bacho antigo,

      Filhos forão pareçe, ou companheiros,

      E nella antam os Incolas primeiros.

      Desta o Paſtor naſceo, que no ſeu nome

      Se ve, que de homem forte os feitos teue,

      Cuja fama, ninguem virà que dome,

      Pois


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