Os Lusíadas. Luis de Camoes

Os Lusíadas - Luis de Camoes


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ninguem comigo poſſa mais,

      Que eſſes choroſos olhos ſoberanos:

      Que eu vos prometo filha que vejais

      Eſquecerenſe Gregos & Romanos.

      Pelos illuſtres feitos que esta gente,

      Ha de fazer nas partes do Oriente.

      Que ſe o facundo Vliſſes eſcapou,

      De ſer na Ogigia Ilha, eterno eſcrauo:

      E ſe Antenor os ſeios penetrou,

      Iliricos, & a fonte de Timauo.

      E ſe o piadoſo Eneas nauegou,

      De Scila, & de Caribdis o Mar brauo.

      Os voſſos môres couſas atentando,

      Nouos mundos ao mundo yrão moſtrando.

      Fortalezas, Cidades, & altos muros,

      Por elles vereis filha edificados:

      Os Turcos belaciſsimos & duros,

      Delles ſempre vereis desbaratados.

      Os Reis da India liures, & ſeguros,

      Vereis ao Rei potente ſojugados.

      E por elles de tudo em fim ſenhores,

      Serão dadas na terra leis milhores.

      Vereis eſte, que agora preſuroſo,

      Por tantos medos o Indo vay buſcando,

      Tremer delle Neptuno de medroſo,

      Sem vento ſuas agoas encreſpando.

      O caſo nunca viſto, & milagroſo

      Que trema, & ferua o Mar em calma eſtãdo?

      O gente forte, & de altos penſamentos,

      Que tambem della hão medo os Elementos.

      Vereis a terra que a agoa lhe tolhia,

      Que inda ha de ſer hum porto muy decente,

      Em que vão deſcanſar da longa via,

      As naos que nauegarem do Occidente.

      Toda eſta coſta em fim, que agora vrdia,

      O mortifero engano, obediente,

      Lhe pagarà tributos, conhecendo,

      Não poder reſistir ao Luſo horrendo:

      E vereis o Mar roxo tam famoſo,

      Tornar ſelhe amarello de infiado:

      Vereis de Ormuz o Reino poderoſo,

      Duas vezes tomado, & ſojugado.

      Ali vereis o Mouro furioſo,

      De ſuas meſmas ſetas traſpaſſado.

      Que quem vay contra os voſſos, claro veja,

      Que ſe reſiſte, contra ſi peleja.

      Vereis a inexpugnabil Dio fortes,

      Que dous cercos terà, dos voſſos ſendo:

      Ali ſe mostrarà ſeu preço, & ſorte,

      Feitos de armas grandiſsimos fazendo.

      Enuejoſo vereis o grão Mauorte,

      Do peito Luſitano, fero & horrendo.

      Do Mouro ali verão que a voz extrema,

      Do falſo Mahamede ao Ceo blasfema.

      Goa vereis aos Mouros ſer tomada,

      A qual virá deſpois a ſer ſenhora,

      De todo o Oriente, & ſublimada

      Cos triumphos da gente vencedora.

      Ali ſoberba altiua, & exalçada,

      Ao Gentio que os Idolos adora.

      Duro ſreo porà, & a toda a terra,

      Que cuidar de fazer aos voſſos guerra.

      Vereis a fortaleza ſuſtentarſe,

      De Cananor, com pouca força & gente:

      E vereis Calecu desbaratarſe,

      Cidade populoſa, & tam potente.

      E vereis em Cochim aſsinalarſe,

      Tanto hum peito ſoberbo, & inſolente,

      Que Cîtara ja mais cantou victoria,

      Que aſsi mereça eterno nome, & gloria.

      Nunca com Marte, inſtructo & furioſo,

      Se vio feruer Leucate, quando Auguſto

      Nas ciuîs Actias guerras animoſo,

      O Capitão venceo Romano injuſto,

      Que dos pouos de Aurora, & do famoſo

      Nilo, & do Bactra Scitico, & robusto,

      A victoria trazia, & preſa rica,

      Preſo da Egipcia linda & não pudica.

      Como vereis o mar feruendo aceſo,

      Cos incendios dos voſſos pelejando,

      Leuando o Idololatra, & o Mouro preſo,

      De nações differentes triumphando.

      E ſogeita a rica Aurea Cherſoneſo,

      Ate o longico China nauegando.

      E as Ilhas mais remotas do Oriente,

      Serlhe a todo o Occeano obediente.

      De modo filha minha, que de geito,

      Amoſtrarão esforço mais que humano,

      Que nunca ſe vera tam forte peito,

      Do Gangetico mar ao Gaditano,

      Nem das Boreais ondas, ao Eſtreito,

      Que moſtrou o agrauado Luſitano:

      Poſto que em todo o mundo, de affrontados

      Reſucitaſſem todos os paſſados.

      Como isto diſſe, manda o conſagrado

      Filho de Maia aa terra, porque tenha,

      Hum pacifico porto, & ſoſſegado,

      Pera onde ſem receyo a frota venha:

      E pera que em Mombaça, auenturado

      O forte Capitão ſe não detenha,

      Lhe mãda mais, que em ſonhos lhe moſtraſſe

      A terra, onde quieto repouſaſſe.

      Ia pelo ar o Cylenêo voaua,

      Com as aſas nos pês aa terra deçe,

      Sua vara fatal na mão leuaua,

      Com que os olhos canſados adormece:

      Com eſta, as triſtes almas reuocaua,

      Do Inferno, & o vento lhe obedeçe.

      Na cabeça o galêro coſtumado,

      E deſta arte a Melinde foy chegado.

      Conſigo a Fama leua, porque diga,

      Do Luſitano, o preço grande, & raro,

      Que o nome illuſtre a hũ certo amor obriga,

      E faz a quem o tem, amado & caro.

      Deſta arte vay fazendo a gente amiga,

      Co rumor famoſiſsimo, & perclaro.

      Ia Melinde em deſejos arde todo,

      De ver da gente forte o gesto, & modo.

      Dali pera Mombaça logo parte,

      Aonde as naos eſtauão temeroſas,

      Pera


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