Os Lusíadas. Luis de Camoes

Os Lusíadas - Luis de Camoes


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do fado ja determinado,

      Que tamanhas victorias tam famoſas,

      Ajão os Portugueſes alcançado,

      Das Indianas gentes belicoſas.

      E eu ſo filho do Padre ſublimado,

      Com tantas qualidades generoſas:

      Ey de ſofrer que o Fado fauoreça

      Outrem, por quem meu nome ſe eſcureça?

      Ia quiſeram os Deoſes que tiueſſe,

      O filho de Filipo neſta parte,

      Tanto poder, que tudo ſometeſſe

      Debaixo do ſeu jugo, o fero Marte:

      Mas aſſe de ſoffrer que o Fado deſſe,

      A tam poucos tamanho esforço, & arte

      Queu co gram Macedonio, & Romano,

      Demos lugar ao nome Luſitan?

      Não ſera aſſy, porque antes que chegado

      Seja eſte Capitão, astutamente

      Lhe ſera tanto engano fabricado,

      Que nunca veja as partes do Oriente:

      Eu decerey aa terra, & o indignado

      Peito, reuoluerey da Maura gente,

      Porque ſempre por via yra dereita,

      Quem do oportuno tempo ſe aproueita.

      Iſto dizendo yrado, & quaſi inſano,

      Sobre a terra Affricana deſcendeo,

      Onde vestindo a forma & geſto humano,

      Pera o Praſſo ſabido ſe moueo.

      E por milhor tecer o aſtuto engano,

      No geſto natural ſe conuerteo,

      Dum Mouro, em Moçambique conhecido,

      Velho, ſabio, & co Xeque muy valido.

      E entrando aſſy a falarlhe, a tempo & horas,

      A ſua falſidade acomodadas,

      Lhe diz como erão gentes roubadoras,

      Eſtas que ora de nouo ſam chegadas:

      Que das nações na coſta moradoras,

      Correndo a fama veio, que roubadas,

      Forão por estes homẽs que paſſauão,

      Que com pactos de paz ſempre ancorauão.

      E ſabe mais, lhe diz, como entendido

      Tenho destes Christãos ſanguinolentos,

      Que quaſi todo o mar tem destruido,

      Com roubos, com incendios violentos:

      E trazem ja de longe engano vrdido,

      Contra nos, & que todos ſeus intentos

      Sam pera nos matarem, & roubarem,

      E molheres & filhos captiuarem.

      E tambem ſey que tem determinado,

      De vir por agoa a terra muito cedo,

      O Capitão dos ſeus acomponhado,

      Que da tençam danada naſce o medo:

      Tu deues de yr tambem cos teus armado

      Eſperallo em cilada, occulto & quedo:

      Por que ſaindo a gente deſcuydada,

      Cairão facilmente na cilada.

      E ſe inda não ficarem deste geito,

      Destruydos, ou mortos totalmente,

      Eu tenho imaginada no conceito,

      Outra manha & ardil que te contente:

      Mandalhe dar Piloto, que de geito

      Seja aſtuto no engano, & tam prudente,

      Que os leue aonde ſejão deſtruydos,

      Desbaratados mortos, ou perdidos.

      Tanto que eſtas palauras acabou,

      O Mauro nos tais caſos, ſabio & velho

      Os braços pelo collo lhe lançou,

      Agradecendo muito o tal conſelho:

      E logo neſſe inſtante concertou,

      Pera a guerra o beligero aparelho:

      Pera que ao Portugues ſe lhe tornaſſe,

      Em roxo ſangue a agoa que buſcaſſe.

      E buſca mais pera o cuydado engano,

      Mouro que por Piloto aa nao lhe mande,

      Sagaz, aſtuto, & ſabio em todo o dano

      De quem fiar ſe poſſa hum feito grande,

      Dizlhe que acompanhando o Luſitano,

      Por tais coſtas, & mares co elle ande:

      Que ſe daqui eſcapar, que la diante

      Va cair onde nunca ſe aleuante.

      Ia o rayo Apolina viſitaua,

      Os Montes Nabatheos acendido,

      Quando Gama cos ſeus determinaua,

      De vir por agoa a terra apercebido:

      A gente nos bateis ſe concertaua,

      Como ſe foſſe o engano ja ſabido:

      Mas pode ſoſpeitarſe facilmente,

      Que o coração preſago nunca mente.

      E mais tambem mandado tinha a terra,

      De antes pelo Piloto neceſſario:

      E foilhe reſpondido em ſom de guerra,

      Caſo do que cuydaua muy contrario:

      Por iſto, & porque ſabe quanto erra,

      Quem ſe cre de ſeu perfido aduerſario,

      Apercebido vay como podia,

      Em tres bateis ſomente que trazia:

      Mas os Mouros que andauão pela praya,

      Por lhe defender a agoa deſejada,

      Hum de eſcudo embarcado, & de azagaya,

      Outro de arco encuruado, & ſeta eruada:

      Eſperão que a guerreira gente ſaya,

      Outros muytos ja poſtos em cillada.

      E porque o caſo leue ſe lhe faça,

      Poem hũs poucos diante por negaça.

      Andão pela ribeira alua arenoſa,

      Os belicoſos Mouros acenando,

      Com a adarga, & co a aſtea perigoſa,

      Os fortes Portugueſes incitando:

      Nam ſoſfre muito a gente generoſa,

      Andarlhe os cães os dentes amoſtrando.

      Qualquer em terra ſalta, tam ligeiro,

      Que nenhum dizer pode que he primeiro.

      Qual no corro ſanguino, o ledo amante,

      Vendo a fermoſa dama deſejada,

      O Touro buſca, & pondo ſe diante,

      Salta, corre, ſibila, acena, & brada:

      Mas o animal atroçe neſſe instante,

      Com a fronte cornigera inclinada,

      Bramando duro corre, & os olhos cerra,

      Derriba, fere, & mata & poem por terra.

      Eis


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