Os Lusíadas. Luis de Camoes

Os Lusíadas - Luis de Camoes


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plumbea pela mata, o brado eſpanta:

      Ferido o ar retumba, & aſſouia:

      O coraçam dos Mouros ſe quebranta,

      O temor grande o ſangue lhe resfria.

      Ia foge o eſcondido de medroſo,

      E morre o deſcuberto auenturoſo.

      Não ſe contenta a gente Portugueſa:

      Mas ſeguindo a victoria eſtrue, & mata

      A pouoação ſem muro, & ſem defeſa,

      Esbombardea, acende, & desbarata.

      Da caualgada ao Mouro ja lhe peſa,

      Que bem cuidou comprala mais barata:

      Ia blasfema da guerra, & maldizia,

      O velho inerte, & a mãy que o filho cria.

      Fugindo, a ſeta o Mouro vay tirando,

      Sem força, de couarde, & de apreſſado,

      A pedra, o pao, & o canto arremeſſando,

      Dalhe armas o furor deſatinado:

      Ia a Ilha, & todo o mais, deſemparando,

      Aa terra firme foge amedrontado.

      Paſſa, & corta do mar o eſtreito braço,

      Que a Ilha em torno cerca, em pouco eſpaço.

      Hũs vão nas almádías carregadas,

      Hum corta o mar a nado diligente,

      Quem ſe affoga nas ondas encuruadas,

      Quem bebe o mar, & o deita juntamente:

      Arrombão as meudas bombardadas

      Os Pangaios ſotis da bruta gente.

      Desta arte o Portugues em fim caſtiga,

      A vil malicia, perfida, inimiga.

      Tornão victorioſos pera a armada,

      Co deſpojo da guerra, & rica preſa,

      E vão a ſeu prazer fazer agoada,

      Sem achar reſiſtencia, nem defeſa

      Ficaua a Maura gente magoada,

      No odio antigo, mais que nunca aceſa.

      E vendo ſem vingança tanto dano,

      Somente estriba no ſegundo engano.

      Pazes cometer manda arrependido,

      O Regedor daquella inica terra,

      Sem ſer dos Luſitanos entendido,

      Que em figura de paz lhe manda guerra:

      Porque o Piloto falſo prometido,

      Que toda a mà tenção no peito encerra.

      Pera os guiar aa morte lhe mandaua,

      Como em ſinal das pazes que trataua.

      O Capitão, que ja lhe entam conuinha,

      Tornar a ſeu caminho acoſtumado,

      Que tempo concertado, & ventos tinha,

      Pera yr buſcar o Indo deſejado.

      Recebendo o Piloto que lhe vinha,

      Foy delle alegremente agaſalhado:

      E reſpondendo ao menſageiro, a tento

      Aas vellas manda dar ao largo vento.

      Desta arte deſpedida a forte armada,

      As ondas de Anfitrite diuidia,

      Das filhas de Nerêo acompanhada,

      Fiel, alegre, & doçe companhia.

      O Capitão, que não cahia em nada,

      Do enganoſo ardil que o Mouro vrdia:

      Delle muy largamente ſe informaua,

      Da India toda, & coſtas que paſſaua:

      Mas o Mouro inſtruido nos enganos,

      Que o maléuolo Baco lhe enſinára

      De morte, ou captiueiro nouos danos,

      Antes que aa India chegue lhe prepara,

      Dando razão dos portos Indianos,

      Tambem tudo o que pede lhe declara.

      Que auendo por verdade o que dizia,

      De nada a forte gente ſe temia.

      E diz lhe mais co falſo penſamento,

      Com que Synon os Phrigios enganou,

      Que perto eſtà hũa Ilha, cujo aſſento,

      Pouo antigo Chriſtão ſempre abitou:

      O Capitão que a tudo eſtaua a tento,

      Tanto co estas nouas ſe alegrou,

      Que com dadiuas grandes lhe rogaua,

      Que o leue aa terra onde eſta gente eſtaua.

      Ho mesmo o falſo Mouro determina,

      Que o ſeguro Chriſtão lhe manda & pede,

      Que a Ilha he poſſuida da malina

      Gente, que ſegue o torpe Mahamede:

      Aqui o engano & morte lhe imagina,

      Porque em poder & forças muito excede

      Aa Moçambique, eſta Ilha que ſe chama

      Quîloa, muy conhecida pola fama.

      Pera là ſe inclinaua a leda frota:

      Mas a Deoſa em Cythere celebrada,

      Vendo como deixaua a certa rota,

      Por yr buſcar a morte não cuidada,

      Não conſente que em terra tão remota

      Se perca a gente della tanto amada.

      E com ventos contrairos a deſuia,

      Donde o Piloto falſo a leua, & guia.

      Mas o maluado Mouro nam podendo,

      Tal determinação leuar auante,

      Outra maldade inica cometendo,

      Ainda em ſeu propoſito constante,

      Lhe diz, que pois as agoas diſcorrendo,

      Os leuàrão por força por diante,

      Que outra Ilha tem perto, cuja gente,

      Erão Chriſtãos com Mouros juntamente.

      Tambem nestas palauras lhe mentia,

      Como por regimento em fim leuaua,

      Que aqui gente de Chriſto não auia:

      Mas a que a Mahamede celeebraua.

      O Capitão que em tudo o mouro cria,

      Virando as vellas, a Ilha demandaua:

      Mas nam querendo a Deoſa guardadora,

      Nam entra pela barra, & ſurge fora.

      Eſtaua a Ilha aa terra tam chegada,

      Que hum eſtreito pequeno a diuidia,

      Hũa cidade nella ſituada,

      Que na fronte do mar aparecia,

      De nobres edificios fabricada,

      Como por fora, ao longe deſcobria,

      Regida por hum Rei de antigua idade,

      Mombaça he o nome da Ilha, & da Cidade.

      E ſendo a ella o Capitão chegado,

      Eſtranhamente ledo, porque eſpera

      De poder ver o pouo baptizado,

      Como


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