Os Lusíadas. Luis de Camoes

Os Lusíadas - Luis de Camoes


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o Gama, atentado a eſtranheza

      Dos Mouros não cuidada, & juntamente,

      O Piloto fugir lhe com preſteza,

      Entende o que ordenaua a bruta gente,

      E vendo ſem contraste, & ſem braueza

      Dos ventos, ou das, agoas ſem corrente,

      Que a Nao paſſar auante não podia,

      Auendo o por milagre aſsi dezia.

      O caſo grande, eſtranho, & não cuydado,

      O milagre clariſsimo, & euidente,

      O deſcuberto engano inopinado,

      O perfida inimiga, & ſalſa gente,

      Quem poderà do mal aparelhado

      Liurarſe ſem perigo ſabiamente.

      Se la de cima a guarda ſoberana,

      Não acudir aa fraca força humana?

      Bem nos moſtra a diuina prouidencia,

      Destes portos, a pouca ſegurança,

      Bem claro temos viſto na aparencia,

      Que era enganada a noſſa confiança

      Mas pois ſaber humano, nem prudencia

      Enganos tam fingidos nam alcança:

      O tu guarda diuina, tem cuidado

      De quem ſem ti nam pode ſer guardado.

      E ſe te moue tanto a piedade,

      Deſta miſera gente peregrina,

      Que ſo por tua altiſsima bondade,

      Da gente a ſaluas, perfida & malina,

      Nalgum porto ſeguro de verdade:

      Conduzirmos ja agora determina,

      Ou nos amostra a terra que buſcamos,

      Pois ſo por teu ſeruiço nauegamos.

      Ouuiolhe eſtas palauras piadoſas,

      A fermoſa Dione, & comouida,

      Dantre as Nimphas ſe vay, que ſaudoſas

      Ficarão deſta ſubita partida:

      Ia penetra as Eſtrellas luminoſas,

      Ia na terceyra Eſphera recebida

      Auante paſſa, & la no ſexto Ceo

      Pera onde eſtaua o Padre ſe moueo.

      E como hia afrontada do caminho

      Tão fermoſa no geſto ſe moſtraua,

      Queas Eſtrellas, & o Ceo, & o Ar vizinho,

      E tudo quanto a via namoraua

      Dos olhos, onde faz ſeu filho o ninho

      Hũs eſpiritos viuos inspiraua,

      Com que os Polos gelados acendia,

      E tornaua do Fogo a eſphera fria.

      E por mais namorar o ſoberano

      Padre, de quem foy ſempre amada, & cara

      Se lhapreſenta aſsi como ao Troyano,

      Na ſelua Idea ja ſe apreſentàra:

      Se a vira o caçador, que o vulto humano

      Perdeo, vendo Diana na agoa clara:

      Nunca os famintos galgos o matàrão,

      Que primeiro deſejos o acabárão.

      Os creſpos fios douro ſe eſparzião

      Pelo colo, que a neue eſcurecia,

      Andando as lacteas tetas lhe tremião,

      Com quem Amor brincaua, & não ſe via.

      Da alua petrina flamas lhe ſaião,

      Onde o minino as almas acendia.

      Polas liſas colũnas lhe trepauão,

      Deſejos, que como Era ſe enrolauão.

      Cum delgado cendal as partes cobre,

      De quem vergonha he natural reparo,

      Porem nem tudo eſconde, nem deſcobre

      O veo dos roxos lirios pouco auaro:

      Mas pera que o deſejo acenda, & dobre,

      Lhe poem diante aquelle objecto raro.

      Ia ſe ſentem no Ceo, por toda a parte,

      Ciumes em Vulcano, Amor em Marte:

      E mostrando no angelico ſembrante,

      Co riſo hũa tristeza miſturada,

      Como dama que foi do incauto amante,

      Em brincos amoroſos mal tratada,

      Que ſe aqueixa, & ſe ri, num meſmo inſtãte,

      E ſe torna entre alegre maogada.

      Deſta arte a Deoſa, a quem nenhũa iguala,

      Mais mimoſa que triſte ao Padre fala.

      Sempre eu cuidey, ô Padre poderoſo,

      Que pera as couſas, que eu do peito amaſſe

      Te achaſſe brando, affabil, & amoroſo,

      Poſto que a algum contrairo lhe peſaſſe:

      Mas pois que contra my te vejo yroſo,

      Sem que to mereceſſe, nem te erraſſe.

      Façaſe como Baco determina,

      Aſſentarey em fim que fuy mofina.

      Eſte pouo que he meu, por quem derramo,

      As lagrimas que em vão caidos vejo,

      Que aſſaz de mal lhe quero, pois que o amo,

      Sendo tu tanto contra meu deſejo:

      Por elle a ti rogando choro, & bramo,

      E contra minha dita em fim pelejo.

      Ora pois porque o amo he mal tratado,

      Quero lhe querer mal, ſera guardado.

      Mas moura em fim nas mãos das brutas gentes,

      Que pois eu fuy: & niſto de mimoſa

      O rosto banha, em lagrimas ardentes,

      Como co orualho fica a freſca roſa.

      Calada hum pouco, como ſe entre os dentes

      Lhe impedira a falla piedoſa.

      Torna a ſeguila, & indo por diante,

      Llhe atalha o poderoſo, & grão Tonante.

      E deſtas brandas moſtras comouido,

      Que mouerão de hum Tigre o ptito duro,

      Co vulto alegre, qual do Ceo ſubido,

      Torna ſereno & claro o ar eſcuro.

      As lagrimas lhe alimpa, & acendido

      Na façe a beija, & abraça o colo puro.

      De modo que dali, ſe ſo ſe achara,

      Outro nouo Cupido ſe gerara.

      E co ſeu apertando o roſto amado,

      Que os ſaluços, & lagrimas aumenta,

      Como minino da ama castigado,

      Que quem no aſſago o choro lhe acrecenta,

      Por lhe por em ſoſſego o peito yrado,

      Muitos caſos futuros lhe apreſenta.

      Dos fados as entranhas reuoluendo,

      Deſta maneira em fim lhe eſtà dizendo.

      Fermoſa


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