A Ordem. Daniel Silva

A Ordem - Daniel Silva


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o cardeal Albanese.

      — Onde é que ele estava?

      — Sua Santidade despediu-se desta vida na capela. Encontrei-o alguns minutos depois das dez. Quanto à hora exata do falecimento… — O calabrês encolheu os ombros pesados. — Não lhe sei dizer, Vossa Excelência.

      — Porque é que não fui contactado imediatamente?

      — Procurei-o por todo o lado.

      — Devia ter ligado para o meu telemóvel.

      — E liguei. Várias vezes, na verdade. Ninguém atendeu.

      O camerlengo não estava a dizer a verdade, pensou Donati.

      — E o que é que Vossa Eminência estava a fazer na capela?

      — Isto começa a parecer um interrogatório. — Os olhos de Albanese moveram-se brevemente para o cardeal Navarro, antes de pousarem novamente em Donati. — Sua Santidade pediu-me que rezasse com ele. Eu aceitei o convite.

      — Telefonou diretamente para si?

      — Para o meu apartamento — disse o camerlengo, com um movimento afirmativo de cabeça.

      — A que horas?

      Albanese ergueu o olhar para o teto, como se estivesse a tentar lembrar-se de um detalhe esquecido.

      — Às nove e um quarto. Talvez às nove e vinte. Pediu-me que viesse alguns minutos depois das dez. Quando cheguei…

      Donati baixou o olhar para o corpo sem vida que jazia sobre a cama.

      — E como é que chegou até aqui?

      — Eu trouxe-o.

      — Sozinho?

      — Sua Santidade carregava o peso da Igreja aos ombros — disse Albanese —, mas, na morte, tornou-se leve como uma pena. Como não consegui contactá-lo, convoquei o secretário de Estado que, por sua vez, ligou aos cardeais Navarro e Francona. Depois, contactei o dottore Gallo, que declarou o óbito. Morte devido a ataque cardíaco fulminante. Foi o segundo, não foi? Ou foi o terceiro?

      Donati olhou para o médico papal.

      — A que horas fez a declaração, dottore Gallo?

      — Onze e dez, Vossa Excelência.

      O cardeal Albanese pigarreou suavemente.

      — Na minha declaração oficial, fiz um pequeno ajuste à cronologia dos factos. Se desejar, posso dizer que foi o Luigi que o encontrou.

      — Não é necessário.

      Donati deixou-se cair de joelhos junto à cama. Em vida, o Santo Padre fora franzino. A morte tinha-o minguado mais ainda. Donati lembrava-se do dia em que, inesperadamente, o conclave elegera Lucchesi, o Patriarca de Veneza, para ser o ducentésimo sexagésimo quinto pontífice da Igreja Católica Romana. Na Sala das Lágrimas, escolhera a mais pequena das três batinas prontas a usar. Ainda assim, aparentava ser um rapazinho vestido com a camisa do pai. Quando se assomou à varanda da Basílica de São Pedro, a sua cabeça mal se via sobre a balaustrada. Os vaticanisti batizaram-no como Pedro, o Improvável. A linha dura da Igreja designou-o, pejorativamente, como o Papa Acidental.

      Passado um momento, Donati sentiu uma mão no ombro. Era como chumbo, portanto, tinha de ser de Albanese.

      — O anel, Vossa Excelência.

      Em tempos, fora responsabilidade do camerlengo destruir, na presença do Colégio Cardinalício, o Anel do Pescador do papa falecido. Porém, tal como os três toques na testa papal com um martelo de prata, a prática fora extinta. O anel de Lucchesi, que ele raramente usava, seria, simplesmente, gravado com dois cortes profundos em forma de cruz. Contudo, outras tradições mantinham-se, tal como o encerramento e selagem imediata do apartamento papal. Assim que o corpo fosse retirado, nem mesmo Donati, o único secretário pessoal de Lucchesi, seria autorizado a entrar.

      Ainda de joelhos, Donati abriu a gaveta da mesa de cabeceira e agarrou no pesado anel dourado. Entregou-o ao cardeal Albanese, que o colocou numa bolsa de veludo. Solenemente, declarou:

      — Sede vacante.

      O trono de São Pedro estava, agora, vago. A Constituição Apostólica ditava que o cardeal Albanese assumisse a direção temporária da Igreja Católica Romana durante o interregno, que terminava com a eleição do novo papa. Donati, com o mero título de arcebispo, não teria qualquer voto na matéria. Na verdade, agora que o seu mestre falecera, não tinha cargo nem poder, respondendo apenas perante o camerlengo.

      — Quando é que pretende divulgar a declaração? — perguntou Donati.

      — Estava à espera de que chegasse.

      — Posso revê-la?

      — O tempo urge. Se adiarmos mais…

      — Claro, Vossa Eminência. — Donati pousou a mão sobre a de Lucchesi. Já estava fria. — Gostaria de ter um momento a sós com ele.

      — Mas é mesmo só um momento… — disse o camerlengo.

      O quarto esvaziou-se lentamente. O cardeal Albanese foi o último a sair.

      — Diga-me uma coisa, Domenico.

      O camerlengo parou no limiar da porta.

      — Vossa Excelência?

      — Quem correu as cortinas do escritório?

      — As cortinas?

      — Estavam abertas quando eu saí, às nove. As persianas também.

      — Fui eu que as corri, Vossa Excelência. Não queria que ninguém na praça visse as luzes acesas no apartamento tão tarde.

      — Sim, claro. Foi sensato da sua parte, Domenico.

      O camerlengo saiu, deixando a porta aberta. Sozinho com o seu mestre, Donati conteve as lágrimas. Haveria tempo para fazer o luto mais tarde. Inclinando-se, aproximou-se do ouvido de Lucchesi e apertou a sua mão fria.

      — Fale comigo, velho amigo — sussurrou. — Diga-me o que aconteceu realmente aqui esta noite.

      2

      JERUSALÉM–VENEZA

      Foi Chiara quem informou secretamente o primeiro-ministro de que o seu marido precisava desesperadamente de umas férias. Desde que se instalara com relutância no gabinete executivo da Avenida Rei Saul, praticamente não concedera a si próprio uma única tarde livre, apenas alguns dias de convalescença após o atentado à bomba em Paris, no qual fraturara duas vértebras na região lombar. Ainda assim, não era algo que pudesse ser encarado de ânimo leve. Gabriel precisava de comunicações seguras e, mais importante do que isso, de segurança apertada. Tal como Chiara e os gémeos. Em breve, Irene e Raphael celebrariam o seu quarto aniversário. A ameaça que pairava sobre a família Allon era tão forte que as crianças nunca tinham posto um pé fora do Estado de Israel.

      Mas para onde iriam? Uma viagem exótica para um destino longínquo não era uma opção. Teriam de permanecer razoavelmente próximos de Israel, para que, na eventualidade bastante provável de uma emergência nacional, Gabriel pudesse regressar à Avenida Rei Saul numa questão de horas. No seu futuro, não se vislumbrava um safari na África do Sul nem uma viagem à Austrália ou às Galápagos. Provavelmente, era melhor assim: Gabriel tinha uma relação conflituosa com animais selvagens. Para além disso, a última coisa que Chiara queria fazer era cansá-lo com mais um voo de longa distância. Agora que era diretor-geral do Departamento, voava constantemente para Washington para se reunir com os seus parceiros americanos em Langley. Aquilo de que ele mais precisava era de descanso.

      Por outro lado, usufruir de momentos de lazer não era algo natural para ele. Era um homem de enorme talento, mas com poucos hobbies. Não fazia esqui nem mergulho e jamais empunhara um taco de golfe ou uma raquete de ténis, exceto como arma. As praias aborreciam-no, a


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