A Vida No Norte. Tao Wong
todas as afinidades maiores
Traço de Super Sensualidade
— Isso não existe.
— Nem por isso — com um sorriso matreiro, o Ali abana a mão e a última janela desaparece. — Querias uma classe que te ajudasse a sobreviver? Isso significa resistência mental. Caso contrário, vais fazer xixi nesses lindos boxers do Pac-Man assim que vires um monstro de Nível 50. Querias algo derradeiro? A Guarda de Honra são uns verdadeiros mauzões. Eles combinam magia e tecnologia, o que faz deles um dos grupos mais versáteis que existem e os progressos da classe de Mestre deles é bastante assustadora. Os Cavaleiros Dragão lutam com Dragões. Se for de um para um, por vezes, chegam a ganhar. E nenhum deles, passo a citar: “me transforma num monstro”.
— Se estas são as Classes Avançadas, quais são as outras classes? — pergunto ao Ali, ainda hesitante. Isto parece ser uma escolha importante.
— Básica, Avançada, Mestre, Heroica, Lendária — o Ali enumera e encolhe os ombros. — Posso conseguir-te uma classe de Mestre com a tua regalia, mas ficarias com as habilidades de classe bloqueadas para sempre. Também irias demorar uma eternidade a passar de nível, porque a experiência necessária para passar de nível é mais elevada. Em vez disso, consegui-te uma classe Avançada rara. Vai dar-te um maior ganho de estatísticas base por nível e não vais ter de esperar eternamente para ganhar acesso às tuas habilidades de classe. Ter uma classe Básica, até mesmo uma classe Básica rara, seria um desperdício de uma Regalia Superior. Portanto, o que vai ser?
Por muito fixe que dar um murro a um dragão possa ser, soube o que ia escolher assim que ele o mencionou. Mentalmente, escolho a Guarda e sou inundado por uma luz. No início, apenas me faz contorcer, mas começa a piorar, a pressionar o meu corpo e a minha mente, enfiando garras elétricas e quentes nas minhas células. A dor é a pior que alguma vez senti e eu já parti ossos, costelas e até já me consegui eletrocutar.Sei que estou a gritar, mas a dor persiste, apoderando-se de mim, do meu controlo. Felizmente, a escuridão engole-me, antes de a minha mente se desfazer.
Capítulo 2
— Podias ter-me avisado que aquilo ia acontecer! — gritei para o Ali, que paira sobre o meu ombro direito, enquanto arrumo à pressa o conteúdo da minha tenda e o equipamento.
— Como querias que soubesse que ias ser fraquinho e desmaiar, como um goblin num primeiro encontro? — goza o Ali, a voar satisfeito ao meu lado e de vigia.
— Podias... Ah! — quero gritar, mas tenho de me conter e continuar a arrumar tudo. Tenho de reprimir esse sentimento e o medo que sinto dentro de mim, que quer assumir o controlo e forçar-me a não fazer nada. Perdemos mais de duas horas a mudar a minha classe e o Sistema já está operacional. O Sistema está a funcionar e impregnou o parque de Mana, portanto, muitas das mutações espontâneas já se estão a espalhar por toda a zona, segundo o Ali. Tenho de sair daqui, de preferência, em silêncio e depressa. Além de tudo isso, o rasto de fumo no fundo da montanha, no sítio onde estava o parque de estacionamento, era um indício de todas as coisas más que aconteceram ao meu carro.
Resumindo, gritar seria a reação menos útil que poderia ter, neste preciso momento. Quer dizer, exceto ficar sentado como um autêntico idiota.— Podias dar uma ajuda, sabes?
— Eu estou a ajudar — o Ali suspira e abre os braços. — Estou a proteger-te.
Podia discutir com ele, mas a mala já está feita e está na altura de irmos embora. Abro outra barra de chocolate e mastigo-a, enquanto ponho a mochila às costas e ajusto as alças.
Paro para olhar à volta da clareira, a registar a vista maravilhosa. O lago Kathleen mantém a sua glória glacial, a ondulação das águas forma ondas e o vento uivante envolve as montanhas cobertas de neve que o rodeiam. Uma natureza intocada, que poderia estar reproduzida num postal, é agora um perigo para mim. As suas florestas escondem todo o tipo de novos monstros. Ao virar-me, os meus olhos vagueiam pelo acampamento, para me certificar de que não há mais nada que possa fazer ou encontrar. A vegetação alpina rasteira é escassa e as árvores são pequenas, pois não se desenvolveram por ter sido um verão tão curto. Por isso, decidi abrir caminho pela floresta para descer a montanha, em vez de usar o trilho. Mais vale ir devagar e silenciosamente, do que descer pelo trilho e dar de caras com seja que criatura for que decida aparecer neste novo mundo.
Passados trinta minutos, recebo uma notificação de que ganhei a habilidade Furtiva. Não posso dizer que fiquei surpreendido, esconder-me fazia parte do plano que eu e o Ali delineámos. Entre a minha Regalia Média e ter um nível extremamente baixo num ambiente com Mana elevado, o Sistema está a gerar automaticamente bónus adicionais para eu aprender mais depressa, para ajudar a equilibrar a relação risco/recompensa. Assim que a notificação aparece, um ligeiro formigueiro percorre o meu corpo. O conhecimento altera a forma como me movimento, penso e analiso o que me rodeia.
O primeiro sinal de perigo com que me deparo é o chilrear, é demasiado alto. Deteto-a logo a seguir, uma sombra negra do tamanho de um Dobermann a mover-se pelo chão, com seis pernas e antenas. As formigas não deveriam ser assim tão grandes. Congelo e, depois, começo a recuar lentamente. Ainda bem que aquilo não me viu.
— Ei! Seu monstro lindo e grande. Aqui! Olha um pedacinho delicioso para a tua rainha. Ei! — um Ali com um sorriso maníaco grita por cima de mim e abana os braços para chamar a atenção.
— Que raio? — Não há tempo para fazer mais nada, apenas pude começar a refilar com ele, porque a formiga, atraída pelas pequenas artimanhas do idiota, vira-se para mim e, passado um pequeno momento de hesitação, avança diretamente para mim. Levanto o bastão de caminhada e avanço, na esperança de o usar como lança.
Sim, não faço esgrima e isto também não é uma espada. A ponta desliza inofensivamente e a formiga já está em cima de mim, a empurrar-me contra o chão e a tentar arrancar-me a cabeça com as suas mandíbulas.
Levanto-me com esforço e começo a espernear, antes de a conseguir tirar de cima de mim. Felizmente, a minha mochila ajuda um bocadinho e o ângulo não me deixa ficar deitado, até consegui que a formiga ficasse debaixo de mim, quando a atirei. Em cima da formiga, estico-me todo e espeto-lhe o bastão no pescoço, mantendo-o fixo com um braço, enquanto procuro desesperadamente pela minha faca de sobrevivência. Demoro um pouco a encontrá-la no cinto e, depois, passo alguns minutos a espetá-la desenfreadamente, até a criatura não se mexer.
Estou sujo, malcheiroso e cheio de entranhas de formiga. Não quero saber de nada disso, apenas me levanto, completamente furioso.
— Que raio foi aquilo?
— Um treino — o Ali encolhe os ombros, descontraído. — Tinhas de passar de nível. Aquela era uma formiga de Nível 1. Nunca conseguirias encontrar uma presa tão fácil. Vais apanhar o teu saque?
— Tu, tu, tu… — gaguejo. Viro-me para a formiga e dou-lhe alguns pontapés para descarregar a frustração e o medo acumulados. Depois de passar a adrenalina, deixo-me cair ao lado do corpo, antes de finalmente me aperceber do que ele disse. — Saque?
— Pousa a tua mão na formiga e pensa ou diz “saque”.
Obedeço e pestanejo quando surge uma janela. Estico a mão e pego no saque que está à minha frente, enquanto faço uma careta. Um naco de carne de formiga.
— Põe no teu inventário, estúpido.
Já desisti de questionar as coisas impossíveis que estão a acontecer e obriguei-me a aceitar tudo isto. Quando penso no inventário, surge uma grelha de cinco por cinco. Ao pôr a minha mão na grelha, a carne aparece dentro dela, preenchendo um espaço. Pergunto-me se será acumulável.
— Boa – começo a abrir a mochila, quando sou interrompido.
— Não vale a pena. Só os itens gerados pelo Sistema podem ficar no inventário – comenta o Ali, enquanto continua a andar à minha volta.
— Que aldrabice! — resmungo. Continuo com a mochila posta