Codigo de Processo Civil (Portugal). Portugal
– antes de mais, houve que, além de reponderar alguns aspectos de relativo pormenor, se bem que relevantes no contexto global da revisão, introduzir adaptações decorrentes da supressão, como regra, da necessidade de despacho judicial determinativo da citação.
Desta forma, e em matéria de regulamentação dos aspectos atinentes à petição inicial, eliminou-se, pura e simplesmente, por se ter revelado, na prática concreta, substancialmente ineficaz e, aliás, nunca ter sido suficientemente objecto de inequívoco entendimento, a disciplina da alínea f) do n.º 1 do artigo 467.º Foi também eliminado o n.º 3 deste artigo, aliás em consonância com o novo regime do artigo 280.º e a revogação dos artigos 281.º e 282.º, na perspectiva de que o eventual incumprimento de obrigações fiscais deve ser tratado em sede própria e sem influição causal na marcha do processo civil, até pela razão de o contrário se traduzir em manifesta e desrazoável desproporção entre os objectivos visados a nível de fiscalidade e o funcionamento dos princípios legitimantes do acesso à justiça e à obtenção de decisão pronta e eficaz. Ainda no concernente à petição inicial, há dois aspectos a salientar, no que aos termos de formulação do pedido respeita: assim, para os casos de cumulação, introduziu-se estatuição harmónica com o funcionamento do novo princípio da adequação, de forma que a simples incompatibilidade processual não redunde em obstáculo intransponível no sentido de uma desejável cumulação ser efectivamente actuada; e, quanto ao pedido genérico, tendo em vista pôr termo a entendimentos jurisprudenciais e doutrinais diversos que, entretanto, têm sido expendidos, legislou-se de modo a compatibilizar a alínea b) do n.º 1 do artigo 471.º com o disposto no artigo 569.º do Código Civil.
Por outro lado, clarificaram-se os casos de rejeição dos articulados pela secretaria, enunciando as hipóteses de deficiência manifesta de forma externa que a tal podem conduzir, devendo essa recusa, por uma questão de garantia dos direitos dos interessados, ser feita fundamentadamente, por escrito; disciplinou-se também, correspondentemente, o modo de reacção a eventual recusa de recebimento, mediante inicial reclamação para o juiz, cuja decisão confirmatória de recusa será eventualmente seguida de recurso de agravo, com independência do valor da causa. Em todo o caso, se recusado o recebimento da petição, sempre os efeitos da propositura da acção se reportarão à data da primeira apresentação, se outra petição for entregue, em condições de ser recebida, em 10 dias.
Esta clarificação do papel interventor da secretaria na fase do desencadear da acção tem ainda a ver com o acréscimo qualitativo dessa mesma intervenção, o que será particularmente notório no que toca à citação. Na verdade, há uma profunda reestruturação do acto de citação, que – salvaguardados os casos de citação edital por incerteza do lugar para onde se tenha ausentado o demandado, de justificado requerimento de citação prévia ou outros especiais, particularmente aqueles em que os interesses que sejam objecto da acção revistam especial melindre, como será o caso das acções de interdição e inabilitação —, como regra, se fará independentemente de despacho judicial prévio nesse sentido, incumbindo à secretaria o respectivo diligenciar. Por outro lado, a própria disciplina do acto, em aspectos substanciais e formais, foi profundamente alterada, na dupla perspectiva de se alcançar que a citação seja mais eficaz e celeremente alcançada e de que o réu fique com as suas garantias de efectiva defesa devidamente salvaguardadas, se bem que a citação edital se tenha mantido regulamentada sem alterações relevantes, por ter parecido não se justificarem de imediato, no contexto desta revisão. Assim, quanto à citação pessoal, flexibiliza-se o recurso a três modalidades, ou seja, a possibilidade de ser feita por via postal, mediante carta registada com aviso de recepção, ou por via de contacto pessoal de funcionário de justiça com o citando ou, ainda, através de contacto pessoal de mandatário judicial ou de pessoa por ele credenciada. De outra via, poderá a diligência, conforme se preveja mais passível de se conseguir resultado eficaz, ser tentada na residência ou no local de trabalho do citando, se for pessoa singular, ou na sede ou local de funcionamento normal da administração, se for pessoa colectiva ou sociedade. Será a secretaria que promoverá, de próprio ofício, as diligências que, em concreto, se mostrem mais adequadas à realização do acto ou à remoção das dificuldades em realizá-lo, sem prejuízo da cooperação dos restantes intervenientes, nomeadamente, do autor, a quem será dado conhecimento das incidências que possam estar na base da não obtenção da citação para que providencie o que tiver por idóneo, além de que, se a demora em obter a citação exceder prazo tido por razoável – e que se previu como situando-se em dois meses —, o processo deverá ser, devidamente informado, presente ao juiz, para que determine o que tiver por mais ajustado. Por sua vez, privilegia-se, na dicotomia citação postal-citação directa por funcionário, a primeira, de forma que, erigindo-a como modo normal de citação, generalizado em relação a pessoas singulares e colectivas, se processe com adequada tramitação, coordenada com as exigências próprias do acto e da disciplina postal, nomeadamente mediante recurso a modelo oficialmente aprovado e colaboração activa dos distribuidores postais; assim, a citação através de contacto directo de funcionário só caberá se a via postal se frustrar, admitindo-se ainda que, em casos em que possa prefigurar-se haver nisso utilidade, o citando seja previamente convocado, por via postal, para comparecer na secretaria, a fim de viabilizar o contacto directo. Simplificou-se, sem quebra da exigibilidade de apreciação judicial dos motivos da incapacidade, o procedimento tendente a estabelecer a impossibilidade em que, de facto, se encontre o citando, em razão de anomalia psíquica ou outra incapacidade, em geral. Pretendeu-se conseguir maior eficácia quanto à citação de pessoas colectivas e sociedades, permitindo-se que, em caso de não haver representante ou empregado na sede ou local de normal funcionamento da administração, se cite qualquer representante, na sua própria residência ou local de trabalho. No que concerne à citação feita em pessoa diversa do citando, que se apresenta com carácter essencialmente residual – ou seja, em casos de citação com hora certa (à qual igualmente se recorrerá, se houver recusa de assinatura do aviso de recepção ou de recebimento da carta remetida pela via postal) ou de empregado de pessoa colectiva ou sociedade —, estabeleceu-se a presunção, embora, naturalmente, ilidível, de oportuno conhecimento do citando, presunção esta extensiva aos casos em que o aviso de recepção não seja assinado pelo próprio destinatário. Paralelamente, como dito se deixou já, funcionará a possibilidade de citação por mandatário judicial. É, certamente, uma inovação de largo alcance a possibilidade de a notícia da propositura da acção poder ser transmitida através de contacto pessoal do mandatário judicial ou de pessoa por ele credenciada.
Se é verdade que a abertura desta possibilidade mais não é que o desenvolvimento dos princípios da cooperação e boa fé, também não deixa de se reconhecer que a face mais responsável, adulta e civilizada da advocacia impõe a consagração de uma modalidade de citação que é inerente a um estatuto democratizado e cristalino da própria lide processual.
A advocacia portuguesa tem agora, nas suas próprias mãos, um poderoso instrumento de celeridade, podendo contribuir para a diluição de um dos momentos que, amiúde, provocavam a paralisia da tramitação.
A modalidade ora prevista admite a citação através de contacto pessoal quer do mandatário quer de pessoa credenciada, abrindo-se, assim, a possibilidade de operar a citação por via de solicitador, devendo a identificação obter-se por via da respectiva cédula profissional, que agirá, no entanto, no interesse e sob a responsabilidade do advogado, salvo se o solicitador puder, por si, litigar.
Para além desta hipótese, o mandatário judicial pode alcançar a citação por intermédio da pessoa que presta serviços forenses, desde que a sua identificação se faça através de cartão a emitir pela Ordem dos Advogados ou pela Câmara dos Solicitadores.
O regime desta forma de citação comporta, no essencial, duas alternativas: ou a citação por via de mandatário é requerida logo na petição inicial ou, perante a frustração da diligência por via de qualquer modalidade, requer a sua assunção «em momento ulterior», sendo, em qualquer delas, a pessoa encarregada da diligência identificada pelo mandatário «com expressa menção de que foi advertida dos seus deveres».
Trata-se de uma inevitável chamada de atenção para os deveres e responsabilidades decorrentes de eventuais abusos