A Noite Escura Da Alma. Aldivan Teixeira Torres
chão duro e seco e imediatamente relembro os conselhos da minha mestra, a guardiã: os de outrora e os atuais. Analisando cada um deles, termino por concluir que estava mesmo no caminho certo e reacendo novamente a minha confiança nos meus poderes e nos meus instintos. Com isso, levanto-me e continuo a caminhar na direção indicada. Alguns passos adiante, surge enfim uma sinalização: Uma seta apontando para a minha direita com o nome do local que eu procurava incessantemente: “Abismo do arrependido”. O impacto da boa notícia me deixa tonto, pois eu não esperava descobrir com tanta facilidade o local tão desejado. Resolvo seguir imediatamente o caminho indicado pela seta.
O que está acontecendo? Será que fui enganado? Já faz um bom tempo que tomei o caminho da direita e ainda não encontrei nada. Continuo a caminhar sem destino e com mais alguns passos chego à extremidade do topo onde me parece que só existe o vazio. Sem outra alternativa, resolvo sentar e pensar numa nova estratégia. Como começar de novo? Naquele momento eu não tinha nenhuma ideia, pois me sentia perdido, desolado e abandonado. Mesmo contra a minha vontade, o autocontrole outrora aprendido desaparece completamente e surgem a inquietação e o medo, apesar da minha recente evolução. Por alguns instantes, permaneço na mesma posição, até que algo inteiramente novo acontece: O chão da montanha treme; as forças gravitacionais são novamente abaladas, e, como se fosse um corisco, a mulher do primeiro desafio reaparece. Ela inicia o diálogo imediatamente.
– Quer descobrir os mistérios do abismo do arrependido? Saiba que posso ajudá-lo mais uma vez.
– Como? Não estou vendo abismo nenhum aqui.
– Não seja bobo. Para que um mortal penetre no abismo ele tem que primeiro desencarnar.
– Você quer dizer morrer? Isto está fora de cogitação, pois sou ainda muito jovem e tenho uma vida pela frente.
– Não é nada disso. Seu corpo não vai morrer literalmente. Apenas seu espírito sairá por alguns instantes para que possa contemplar o abismo e obter todas as informações necessárias. Não quer o conhecimento? Então pague o preço por ele.
– Está bem. Faça o que for necessário.
Com delicadeza, a estranha mulher me faz deitar e advêm calafrios que arrepiam e percorrem meu corpo por inteiro. Nesse momento, tento manter a calma, apesar das dúvidas que ainda corroem o meu coração. Sem se importar comigo, a mulher começa a fazer um ritual e suas mãos acabam por descansar em minha cabeça. Como consequência desta atitude, sinto ondas de energias sobre o meu corpo e a cada momento que passa me sinto adormecer. Mais alguns segundos, relaxo completamente e meu espírito se desprende da carne num solavanco. Ao sair do corpo, começo a flutuar e a voar sem limites. A sensação que isso proporciona é tão boa que me pergunto se vale a pena continuar a viver. Fico mais algum tempo aproveitando a liberdade, até que um túnel surge abaixo de mim e me suga ferozmente. Sem conseguir resistir, caio num buraco fundo, por um tempo que não sei mensurar, e bem no final chego num salão extenso onde em seu centro há uma porta misteriosa. A mesma se abre imediatamente após minha chegada e dentro dela sai um anjo que me rapta sem chances de defesa. Começa então uma viagem rápida que termina ao chegarmos num quarto. Eu entro no repartimento e encontro uma pessoa que já me espera. O anjo nos deixa a sós e com um olhar de piedade implora:
– Toque-me e saberás do que precisas.
Cheio de misericórdia, atendo o pedido desesperado e no exato momento do toque, visões começam a aparecer, perturbando meus aguçados sentidos. Em dado momento, vejo trevas, sol, luzes e cortinas da fumaça mais espessa. Aos poucos, tudo fica mais claro e então tenho a visão da respectiva história.
“Ryan era um empresário do ramo têxtil bem-sucedido, casado e com três belos filhos, Christian, Andrel e Marta. A relação com a família era normal, mas seus aspectos éticos nem sempre agradou a todos. Exemplos disso são o seu caráter intransigente como patrão, sua demasiada intolerância com as minorias étnicas e raciais e seu detestável comportamento contra mendigos e menores de rua. Com todo esse temperamento explosivo, não é de admirar como ele agiu certo dia. Na ocasião, Angel bate à sua porta, explica sua situação precária de vida e por fim pede algum dinheiro para comprar um lanche ou até mesmo um almoço para poder saciar sua grande fome. Como resposta, Ryan se irrita e declara que de nenhuma forma é pai dos pobres e bate a porta sem ao menos dar uma palavra amiga Àquele homem necessitado. Angel se revolta com os ricos e num momento de aflição solta uma praga contra Ryan. Anos depois, Ryan se encontra no mesmo estado de espírito e certo dia uma doença séria o assalta e mesmo ele lutando com seus fartos recursos não consegue evitar a tão temida morte. Ao chegar no mundo espiritual, ele vai a julgamento e sem nenhuma possibilidade de defesa sua noite escura o condena irremediavelmente. Ele desce, sem remédio, ao abismo onde sofrerá dia e noite (sem descanso) por seus erros cometidos em vida, enquanto que Angel, estava no céu onde é consolado.
A visão respectiva termina e imediatamente o conhecimento necessário preenche todo o meu ser. Quando estou pronto, a pessoa se despede me fazendo um pedido: Quero que você divulgue minha história para o mundo, pois não quero que meus filhos venham para o lugar de tormento em que estou. Prometo atendê-lo e ele finalmente se vai. O anjo reaparece no quarto e me arrebata pela segunda vez. Nós viajamos rapidamente e ele me deixa junto à porta, no salão. No mesmo instante uma força me puxa para cima e quando dou por mim estou de volta ao meu corpo, no topo da montanha do Ororubá.
Reflexões sobre o desafio
Tento me levantar, mas o esforço sobre-humano que fiz anteriormente me impede. Cheio de curiosidade, observo ao meu redor à procura da estranha mulher que me ajudara nos desafios, mas não consigo achar pista dela. Quem ela seria exatamente? Que poderes possuía? A única certeza que eu tinha é que ela demonstrara ser um instrumento maravilhoso do destino, com o objetivo de me auxiliar na busca pelo tão ardoroso conhecimento.
Um instante depois, esqueço um pouco a mulher e tento me levantar pela segunda vez. O corpo tenta resistir, mas com um pouco mais de esforço eu finalmente consigo. Em pé, poderia pensar melhor e assimilar por completo o conhecimento revelado no abismo. Quando me sinto pronto, começo a fazer o caminho de volta em direção à minha morada provisória. No meio do caminho, as sombras da história triste começam a me inquietar e então resolvo analisar o caso friamente. Ryan era o exemplo mais adequado de que os ricos correm sérios riscos quanto à sua salvação. Isto posto porque a riqueza e o poder trazem consigo conforto e status, mas também exige responsabilidade e desprendimento com as causas sociais. Outro exemplo, bíblico, mostra a avareza do rico e as condições desumanas dum pobre Lázaro. O final deles é igual ao da história de Ryan e Angel. Analiso em conjunto os dois casos e termino por concluir que a avareza é uma poderosa comichão da alma. Os personagens mudam, as situações são diferentes, mas para quem cultiva a avareza acontece o mesmo final trágico: A noite escura condena mais uma vítima a perecer nas trevas exteriores. Como mudar essa grande realidade? A resposta pode ser mais simples do que imaginamos. Trata-se de seguir o caminho da evolução, um caminho rumo ao Pai. Que requer renúncias e escolhas difíceis, que poucos estão dispostos a fazer.
Penso que o mundo seria bem melhor mesmo se seguíssemos os bons exemplos que a história nos deu: Jesus Cristo, Francisco de Assis, Martin Lunter King, Teresa de Calcutá, Irmã Dulce, Francisco Xavier, entre outros. Certamente, a noite escura não teria mais influência sobre nós. Bem, isso é apenas um sonho. A realidade é completamente diferente. Em sua maioria, as pessoas demonstram serem materialistas, egoístas e cheias de vaidades. Pode parecer pessimismo, mas na minha opinião o mundo continuará por muito tempo sobre o império da noite escura e para poder entendê-la completamente terei que cumprir novos desafios e realizar aventuras que sequer desconfio. Das etapas, já cumpri duas. Continuemos juntos, leitor, na busca pelo conhecimento.
Aproximo-me da cabana que construí com tanto esmero. À minha espera está a guardiã. Chego ao lado dela e a mesma iniciou o diálogo:
– Meus parabéns, vejo que está inteiro. Poderia falar sobre a sua experiência de hoje á tarde? O que você aprendeu?
– Inicialmente decidi começar pelo