Carlota Angela. Castelo Branco Camilo
a obediencia com os affectos invenciveis da tua alma. Teu pae quer que te recolhas a este convento. Se vieres, se quizeres vir para a minha companhia, não preciso dizer-te que as tuas acções hão de ser aferidas pelos deveres de uma menina recolhida n'esta casa. D'aqui diligenciaremos o teu casamento com esse sujeito; mas as nossas diligencias hão de cooperar todas sobre o animo de teu pae, até obtermos o consentimento, esquecendo-nos de que elle procedeu mal, negando o que uma vez tinha concedido. Agora, pensa, Carlota.
–Tenho pensado.
–Queres, ou não queres entrar no convento?
–Quero sim, minha tia; hoje mesmo, se é possivel.
–É, que eu tenho ainda licença para tu poderes entrar; mas é preciso que teu pae o saiba.
Carlota Angela desceu acceleradamente as escadas que conduziam da grade para a portaria. Ia banhada de lagrimas. Ao abrir-se a porta, com o seu tristonho ranger nos gonzos, Carlota estremeceu, e apoiou a face, como esvaîda, no cunhal do muro.
–Vem, menina,—disse do interior a madre Rufina.
Carlota Angela pôz o pé no limiar, e exclamou, estendendo os braços para a madre porteira:
–Disse-me agora o coração que era para sempre!… Que é isto que eu sinto, meu Deus!
–Se é Deus que t'o faz sentir, minha sobrinha, louvemol-o todas pelo bello presagio que te inspirou.
A porta fechou-se. Carlota, rodeada de freiras, e nos braços de todas, soltou um ai que parecia um grito desentranhado do coração.
VI
Qui amans egens ingressus est princeps in amoris vias, Superavit œrumnis is suis œrumnas Herculis.
O demonio da ambição…
Francisco Salter de Mendonça, logo que chegou a Lisboa, procurou o ministro da marinha, e encontrou-o, contra as suas presumpções, bem encarado e affavel.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho era um astuto politico, sabia conhecer os parvos pavores do intendente geral da policia, e amava bastante a pasta para contrariar as suggestões do principe regente, que tremia dos pedreiros-livres, quando não tremia das conspirações da filha de Carlos IV.
Ainda assim, o ministro, protector affeiçoado de Salter de Mendonça, e particular amigo do frade progenitor, que valia muito com Mellos e Ficalhos, houve-se astutamente na recepção do official de marinha, mostrando-lhe a ordem do dia, em que era promovido a capitão-tenente, e dando-lhe os emboras da escolha acertada que o principe regente fizera dos seus talentos e energia, para, com mais dois officiaes, o enviar ao Brazil a correr com o apresto de uma esquadra, que as prevenções da guerra demandavam.
Este gracioso acolhimento desfez, ao primeiro intuito, as suspeitas de Mendonça. A intriga era incompativel com a mercê do posto, e a honraria do encargo. A reflexão, porém, sobreveio ao juizo da primeira impressão, e Salter, recordando o que se passara no Candal, creu de novo que o bacharel promovera o seu desterro, simulada com a mascara do favor.
A nova de ter sido adjunto ao intendente Manique o tio de Carlota Angela revalidou a desconfiança.
Mendonça apresentou-se ao ministro, e pediu licença para tornar ao Porto, onde o chamavam compromissos, do coração em que a sua palavra de honra se achava empenhada. D. Rodrigo objectou com a necessidade urgente da partida no praso fixo de quatro dias; discorreu profusamente ácerca da primazia dos deveres de portuguez em confronto com os particulares do coração; e encareceu o azedume com que sua alteza, o principe regente» veria posporem-se negocios do estado ás allianças amorosas de um subdito que lhe merecera tão relevante prova de real confiança.
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