A Deusa Do Oriente. Barbara Cartland
que durante sua permanência na Índia não venha a travar conhecimento com eles. Na realidade, é muito importante que todas as pessoas que vivem nesta região estejam sempre de sobreaviso.
Enquanto falava lembrava-se do que havia visto no templo de Kali, em Bindhaghal, à beira do rio Ganges.
Tratava-se de um santuário procurado no fim da estação chuvosa por todos os peregrinos da Índia, que iam até lá a fim de fazer oferendas à deusa.
Os caminhos que conduziam ao templo estavam atulhados de carros de boi, de mendigos e de peregrinos de pés descalços.
Ao redor das muralhas do templo sentia-se o cheiro de incenso, de flores e nuvens de pó turbilhonavam em torno da construção. No ar pairava também o odor da morte.
Noite e dia sacrificavam-se bodes e seu sangue escorria pelos degraus do templo. Seus balidos assustados misturavam-se aos gritos dos devotos fanáticos, que se flagelavam enquanto suplicavam a bênção dos deuses.
Para Iain Huntley aquela deusa sanguinária, a terrível esposa de Shiva, o Destruidor, negra, furiosa e nua, com sua clava adornada de crânios humanos, era o símbolo de tudo contra o qual ele lutava.
A língua que saía para fora, os olhos injetados de sangue daquele ídolo grotesco, aquele chão fumegante onde a morte e o terror eram festejados. Este era o quadro de abominação a que se entregavam os Thugs .
Aquele era o seu lugar sagrado e dali a irmandade de estranguladores, partia há centenas de anos para aterrorizar aqueles que viajavam pela Índia.
Os adeptos do culto tinham seus rituais próprios, bem como sua tradição e hierarquia e acreditavam, que ao estrangular alguém, estavam matando em defesa da causa de Kali.
Imaginando como poderia falar sobre os Thuggee para aquela garota inocente sentada diante dele, Iain Huntley mergulhou novamente em seus pensamentos e lembrou-se de que a política tradicional da Companhia das Índia s Orientais baseava-se na não interferência nos costumes religiosos da Índia.
Na realidade, o Governo fazia vista grossa sobre as lendas e os feitos sanguinários dos Thuggee, mas as autoridades inglesas, cuja presença na Índia começava a aumentar, possuídas de um zelo reformista, ficavam horrorizadas com os costumes locais, que até então permaneciam inalteráveis.
Os ingleses estavam determinados a eliminar os costumes mais cruéis, por mais antigos ou ligados às divindades. O infanticídio e os sacrifícios humanos foram proibidos, bem como o suttee, a prática que consistia em se queimar as viúvas nas fogueiras.
Era evidente que algo deveria ser feito em relação a Bindhaghal, sede da sociedade secreta dos estranguladores.
O culto não tinha sido profundamente estudado e nem suas ramificações observadas, até que o Capitão William Sleeman, que fazia parte do Exército de Bengala, tornou-se interessado em seus tenebrosos mistérios.
Ficou sabendo que os Thugs, operavam dentro do mais absoluto segredo, de acordo com rituais escrupulosamente obedecidos.
Ficavam de tocaia, à beira das estradas, e todos eles eram treinados para matar, estrangulando suas vítimas por meio de um lenço de seda amarelo.
Em seguida, faziam profundas incisões rituais nos cadáveres, enterravam-nos ou jogavam-nos em poços profundos, queimavam os pertences desprovidos de valor e levavam o resto.
Nenhum traço dos infortunados viajantes era deixado no local do crime.
A exemplo do que acontecia com a maior parte das atividades na Índia, pertencer aos Thuggee era algo hereditário. Os meninos eram iniciados gradualmente naquelas horrendas práticas: primeiro, como aprendizes, em seguida cavavam as sepulturas, depois, davam assistência nos assassinatos e finalmente, desde que demonstrassem grande ferocidade, tornavam-se blurtotes qualificados ou estranguladores aristocratas entre os Thugs.
Foi William Sleeman que identificou a sede e as enormes ramificações da sociedade, que se espalhava como uma teia venenosa sobre a Índia inteira.
Estabelecendo seu Quartel-General em Sagar , uma cidadezinha acanhada, situada às margens de um lago no coração da região dos Thuggee, ele pôs-se a organizar sua campanha.
Iain Huntley recordava-se agora de que alguns oficiais mais velhos, a serviço dos príncipes indianos, eram estranguladores experientes, o mesmo acontecendo com um determinado sargento a serviço do Marajá de Hockar.
Alguns eram criados de europeus, que neles depositavam cega confiança. Outros haviam passado quase toda a vida a serviço das Forças Armadas da Companhia das Índia s Orientais e um deles até recentemente fora informante da polícia no que dizia respeito a outros campos do crime.
Era assustador pensar que o homem em quem se havia confiado durante anos a fio, um soldado que obedecia suas ordens, seu próprio criado pudesse ter feito um juramento secreto e pertencesse à temível seita Thuggee.
Para os Thugs, o seu trabalho era sagrado e eles acreditavam que seus poderes eram sobrenaturais.
Tinham uma ligação oculta com seu parceiro do mundo animal, o tigre.
Um estrangulador famoso informou, ao ser interrogado:
–Aqueles que escapam dos tigres caem nas mãos dos Thugs, e aqueles que escapam dos Thugs são devorados pelos tigres!
Pensando bem, talvez os tigres fossem menos assustadores!
O Major Huntley ouvira um prisioneiro gabar-se de que tinha estrangulado novecentos e trinta e uma pessoas.
Havia um bando de Thugs, composto por trezentos homens que se vangloriavam de ter cometido mais crimes do que seria crível admitir.
Iain Huntley sabia que aqueles dois últimos anos em que estivera trabalhando ao lado de William Sleeman tinham sido os mais inacreditáveis, os mais assustadores e ao memo tempo os mais excitantes de toda a sua existência.
Como poderia explicar tudo aquilo para aquela jovem recém-chegada da Inglaterra e que tudo desconhecia da Índia?
Como se tivesse consciência do que ele estava pensando, Brucena disse:
–Quero compreender tudo isto e sei perfeitamente que se trata de uma ideia muito ambiciosa, mas mesmo assim tenho de começar por algum lugar.
–Sinto apenas que, tendo vindo à Índia, comece pelos Thuggee– replicou o Major Huntley.
Ela sorriu.
–De certo modo a coisa fica mais interessante. Tem gente que vem aqui e só sabe fazer elogios ao Taj Mahal e ao brilho da administração da Companhia das Índias Orientais…
Havia um certo sarcasmo no tom com que ela se exprimia, o que fez com que o Major Huntley a encarasse fixamente.
–Nossa administração é brilhante em certos aspetos, mas em um país tão grande e tão densamente povoado como a Índia, há inevitavelmente muitas coisas que ainda deverão ser feitas.
–Acredito, mas de certo modo acho uma grande presunção de nossa parte tentar mudar um povo cuja civilização é muito anterior á nossa. Quem somos nós para julgar se suas crenças são certas ou erradas?
Iain Huntley olhou-a muito surpreendido.
Aquela não era a atitude convencional tomada pelas jovens que vinham à Índia.
A maior parte delas preocupava-se apenas com as diversões que encontrariam no Palácio do Governo, nos chás, nas partidas de polo, nos bailes e nos mexericos.
As demais eram missionárias dedicadas, firmemente resolvidas a pôr um ponto final nas práticas dos indianos, pois divergiam frontalmente dos conceitos de bem e de mal, que lhes haviam sido inculcados em sua pátria.
Iain Huntley sentia profunda aversão por aquele imperialismo evangélico combinado com um grande