De Volta À Terra. Danilo Clementoni
é muito semelhante à da Terra. Dois terços dele são cobertos por água, enquanto o resto está ocupado por um único continente que se estende de norte a sul, com uma área total de mais de 100 milhões de quilômetros quadrados. Alguns de seus habitantes, por centenas de milhares de anos, aproveitando a aproximação cíclica do planeta ao nosso, nos fazem visitas sistemáticas, cada vez influenciando a cultura, o conhecimento, a tecnologia e até a própria evolução da raça humana. Nossos ancestrais se referiam a eles de muitas formas, mas talvez o nome que melhor os represente seja "deuses".
Astronave Theos – Um milhão de quilômetros de Júpiter
Azakis estava deitado confortavelmente na sua poltrona escura auto moldável, que o seu velho amigo Artesão construiu com as próprias mãos, dando-lhe de presente há alguns anos, na ocasião de sua primeira missão interplanetária.
— Vai te dar sorte — disse aquele dia. — Servirá para você relaxar e tomar as decisões certas quando for preciso.
Sentado ali, havia tomado várias decisões desde então e a sorte de fato e amiúde, estivera ao seu lado. Por essa razão, ele sempre se lembrava dessa estimada recordação, mesmo a despeito de muitas regras que o teriam impedido, especialmente em uma nave espacial como a Bousen-1, na qual encontrava-se agora.
Uma linha fina de fumaça azulada subia reta e rápida do charuto entre o polegar e o indicador da mão direita, enquanto com os olhos, tentava seguir a 4,2 UA1 que ainda o separava do seu destino. Embora fizesse esse tipo de viagem há muitos anos, o charme da escuridão do espaço e de bilhões de estrelas que o salpicavam sempre foram capazes de capturar seus pensamentos. A grande abertura elíptica, logo à sua frente, permitia-lhe ter uma visão completa da direção do curso e ele ficava sempre surpreendido como esse campo de força, tão fino quanto uma teia, era capaz de protegê-lo do frio do espaço sideral, impedir o escape repentino de ar e de ser sugado pelo vácuo exterior. A morte seria quase imediata.
Deu uma tragada rápida no seu charuto e voltou a olhar para a tela holográfica à sua frente, onde apareceu o rosto cansado e barbudo de Petri, seu companheiro de viagem, que na outra parte da nave, reparava o sistema de controle dos tubos de exaustão. Brincou um pouco, distorcendo a imagem soprando a fumaça que acabara de inalar, criando um efeito de onda que lembrava muito os movimentos sinuosos das dançarinas sensuais que costumava encontrar, quando finalmente voltava para a sua cidade natal e podia desfrutar de um merecido descanso.
Petri, seu amigo e companheiro de aventuras, tinha quase trinta e dois anos e era a sua quarta missão deste tipo. Sua enorme estatura e físico imponente incutiam sempre muito respeito em todos os que passavam a conhecê-lo. Com olhos negros como o espaço exterior, cabelo longo, escuro e bagunçado que ia até os ombros, quase dois metros de altura e trinta, peito e braços vigorosos, capazes de levantar um Nebir2 adulto sem esforço, ainda conservava a alma de uma criança. Ele era capaz de se comover vendo desabrochar uma flor de Soel3 ; podia ficar por horas, enlevado, assistindo as ondas do mar quebrarem na costa branca do Golfo do Saraan4 . Um indivíduo incrível, confiável e leal, disposto a dar sua própria vida por ele sem hesitação. Ele nunca teria partido sem Petri ao seu lado. Era a única pessoa no mundo em quem confiava cegamente e a quem nunca trairia.
Os motores da astronave, ajustados para a navegação dentro do sistema solar, transmitiam o clássico e reconfortante zumbido bifásico. Para seus ouvidos treinados, o som confirmava que tudo estava funcionando perfeitamente. Com sua sensibilidade auditiva, seria capaz de perceber uma variação nas salas de câmbio de apenas 0,0001 Lasig, bem antes que o sofisticadíssimo sistema de controle automatizado. Por isso lhe fora concedido, já em idade jovem, o comando de uma astronave da classe Pegasus.
Muitos fariam absolutamente qualquer coisa para estar no posto dele. Mas lá estava ele.
O implante intraocular O^OCM fez com que a nova rota recalculada se materializasse à sua frente. Era notável como um objeto de apenas alguns mícrons podia executar todas aquelas funções. Inserido diretamente no nervo ótico, era capaz de exibir um painel de controle inteiro, sobrepondo-se à imagem que na realidade estava à sua frente. No início, não fora fácil se acostumar com aquele dispositivo e mais de uma vez não conseguira conter a náusea. Agora, no entanto, não podia trabalhar sem ele.
O sistema solar inteiro girava em torno dele com toda a sua fascinante magnificência. O pequeno ponto azul perto do gigante Júpiter representava a posição da sua astronave, e a linha vermelha fina e curvada um pouco mais que a anterior agora transparente, indicava a nova trajetória em direção à Terra.
A atração gravitacional do maior planeta do sistema era alarmante. Era essencial ficar a uma distância segura e somente a potência dos dois motores Bousen permitiria a Theos escapar do abraço mortal.
— Azakis — resmungou o comunicador portátil sobre o painel de comando à sua frente. — Devemos verificar a condição das conexões no compartimento seis.
— Você ainda não fez isso? — respondeu em tom de brincadeira, sabendo que enfureceria o seu amigo.
— Jogue fora esse charuto fedorento e venha me dar uma mão! — Petri bradou.
Eu sabia.
Conseguira irritar o amigo e estava se divertindo à beça.
— Aqui estou, aqui estou. Estou a caminho, meu amigo, não fique exaltado.
— Vamos, estou no meio desta porcaria há quatro horas e não estou a fim de brincadeiras.
Resmungão como sempre. Porém, nada nem ninguém seria capaz de separá-los.
Eles se conheciam desde a infância. Petri o tinha salvado mais de uma vez de uma surra certa (sempre fora muito maior do que os outros, desde criança), intervindo com o seu tamanho respeitável entre seu amigo e a turma habitual de valentões, da qual ele fora alvo com frequência.
Quando menino, Azakis não sabia se era o tipo pelo qual os membros mais atraentes do sexo oposto brigariam para ter. Vestia-se sempre bastante desalinhado, com a cabeça raspada, magricela e sempre conectado à Rede5 , da qual absorvia um número vasto de informações a uma velocidade dez vezes superior à média. Com dez anos, graças ao seu excelente desempenho acadêmico, obtivera um acesso de nível C, com a opção de adquirir conhecimento que não estava disponibilizado para a maioria de seus pares. O implante neural N^OCM que garantia aquele tipo de acesso, no entanto, tinha alguns pequenos efeitos colaterais. Durante a fase de aquisição, a concentração tinha de ser absoluta, e uma vez que passava a maior parte do seu tempo assim, tinha quase sempre uma expressão ausente, com o olhar perdido, isolado de tudo o que acontecia ao seu redor. Na verdade todos acreditavam que, ao contrário do que diziam os Anciãos, ele fosse meio retardado.
Ele nunca se importou com isso.
Sua sede de conhecimento não tinha limites. Mesmo durante a noite permanecia conectado, e embora durante o sono a capacidade de aquisição, por causa da necessidade de concentração absoluta, fosse reduzida misteriosamente para 1%, não queria perder nem um segundo da sua vida sem aproveitar a oportunidade de desenvolver a própria bagagem cultural.
Acordou com um leve sorriso e foi em direção ao compartimento seis, onde seu amigo o estava esperando.
Planeta Terra Tell El-Mukayyar Iraque
Elisa Hunter estava tentando pela enésima vez enxugar as malditas gotas de suor que, da sua testa, teimavam em cair lentamente na direção do seu nariz, e em seguida, mergulhar na areia quente aos seus pés. Já havia muitas horas que estivera de joelhos, com a sua inseparável Espátula Marshalltown6 , raspando delicadamente o solo, na tentativa de trazer à luz, sem danos, aquela que parecia ser a parte superior de uma lápide. Desde o começo, essa teoria não a tinha convencido. Estivera trabalhando por quase dois meses perto do Zigurate de Ur.7 Graças a sua fama de arqueóloga e especialista em língua sumeriana, tinham lhe dado permissão para trabalhar. Muitas sepulturas foram encontradas desde o começo