Mestres da Poesia - Florbela Espanca. August Nemo

Mestres da Poesia - Florbela Espanca - August Nemo


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meu Poeta, o beijo que procuras!

      Suavidade

      Poisa a tua cabeça dolorida

      Tão cheia de quimeras, de ideal

      Sobre o regaço brando e maternal

      Da tua doce Irmã compadecida.

      Hás de contar-me nessa voz tão q'rida

      Tua dor infantil e irreal,

      E eu, pra te consolar, direi o mal

      Que à minha alma profunda fez a Vida.

      E hás de adormecer nos meus joelhos...

      E os meus dedos enrugados, velhos,

      Hão de fazer-se leves e suaves...

      Hão de poisar-se num fervor de crente,

      Rosas brancas tombando docemente

      Sobre o teu rosto, como penas d'aves...

      Princesa desalento

      Minh'alma é a Princesa Desalento,

      Como um Poeta lhe chamou, um dia.

      É revoltada, trágica, sombria,

      Como galopes infernais de vento!

      É frágil como o sonho dum momento,

      Soturna como preces de agonia,

      Vive do riso duma boca fria!

      Minh'alma é a Princesa Desalento...

      Altas horas da noite ela vagueia...

      E ao luar suavíssimo, que anseia,

      Põe-se a falar de tanta coisa morta!

      O luar ouve a minh'alma, ajoelhado,

      E vai traçar, fantástico e gelado,

      A sombra duma cruz à tua porta...

      Sombra

      De olheiras roxas, roxas, quase pretas,

      De olhos límpidos, doces, languescentes,

      Lagos em calma, pálidos, dormentes

      Onde se debruçassem violetas...

      De mãos esguias, finas hastes quietas,

      Que o vento não baloiça em noites quentes...

      Nocturno de Chopin... risos dolentes...

      Versos tristes em sonhos de Poetas...

      Beijo doce de aromas perturbantes...

      Rosal bendito que dá rosas... Dantes

      Esta era Eu e Eu era a Idolatrada!...

      Ah, cinzas mortas! Ah, luz que se apaga!

      Vou sendo, em ti, agora, a sombra vaga

      D’alguém que dobra a curva duma estrada...

      Hora que passa

      Vejo-me triste, abandonada e só

      Bem como um cão sem dono e que o procura

      Mais pobre e desprezada do que Job

      A caminhar na via da amargura!

      Judeu Errante que a ninguém faz dó!

      Minh'alma triste, dolorida, escura,

      Minh'alma sem amor é cinza, é pó,

      Vaga roubada ao Mar da Desventura!

      Que tragédia tão funda no meu peito!...

      Quanta ilusão morrendo que esvoaça!

      Quanto sonho a nascer e já desfeito!

      Deus! Como é triste a hora quando morre...

      O instante que foge, voa, e passa...

      Fiozinho d'água triste... a vida corre...

      Da minha janela

      Mar alto! Ondas quebradas e vencidas

      Num soluçar aflito, murmurado...

      Vôo de gaivotas, leve, imaculado,

      Como neves nos píncaros nascidas!

      Sol! Ave a tombar, asas já feridas,

      Batendo ainda num arfar pausado...

      Ó meu doce poente torturado

      Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas!

      Meu verso de Samain cheio de graça,

      Inda não és clarão já és luar

      Como um branco lilás que se desfaça!

      Amor! Teu coração traga-o no peito...

      Pulsa dentro de mim como este mar

      Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!...

      Sol poente

      Tardinha... "Ave-Maria, Mãe de Deus..."

      E reza a voz dos sinos e das noras...

      O sol que morre tem clarões d'auroras,

      Águia que bate as asas pelo céu!

      Horas que têm a cor dos olhos teus...

      Horas evocadoras doutras horas...

      Lembranças de fantásticos outroras,

      De sonhos que não tenho e que eram meus!

      Horas em que as saudades, p'las estradas,

      Inclinam as cabeças mart'rizadas

      E ficam pensativas... meditando...

      Morrem verbenas silenciosamente...

      E o rubro sol da tua boca ardente

      Vai-me a pálida boca desfolhando...

      Exaltação

      viver! Beber o vento e o sol! Erguer

      Ao céu os corações a palpitar!

      Deus fez os nossos braços pra prender,

      E a boca fez-se sangue pra beijar!

      A chama, sempre rubra, ao alto a arder!

      Asas sempre perdidas a pairar!

      Mais alto até estrelas desprender!

      A glória! A fama! Orgulho de criar!

      Da vida tenho o mel e tenho os travos

      No lago dos meus olhos de violetas,

      Nos meus beijos estáticos, pagãos!

      Trago na boca o coração dos cravos!

      Boêmios, vagabundos, e poetas,

      Com eu sou vossa Irmã, ó meus Irmãos!

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