Mestres da Poesia - Florbela Espanca. August Nemo

Mestres da Poesia - Florbela Espanca - August Nemo


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dias sem calor, beirais sem ninhos!

      Meus olhos são dois velhos pobrezinhos

      Perdidos pelas noites invernosas...

      Abertos, sonham mãos cariciosas,

      Tuas mãos doces plenas de carinhos!

      Os dias são Outonos: choram... choram...

      Há crisântemos roxos que descoram...

      Há murmúrios dolentes de segredos...

      Invoco o nosso sonho! Estendo os braços!

      E ele é, ó meu amor pelos espaços,

      Fumo leve que foge entre os meus dedos...

      O meu orgulho

      Lembro-me o que fui dantes. Quem me dera

      Não me lembrar! Em tardes dolorosas

      Lembro-me que fui a Primavera

      Que em muros velhos faz nascer as rosas!

      As minhas mãos outrora carinhosas

      Pairavam como pombas... Quem soubera

      Porque tudo passou e foi quimera,

      E porque os muros velhos não dão rosas!

      O que eu mais amo é que mais me esquece...

      E eu sonho: "Quem olvida não merece...

      E já não fico tão abandonada!

      Sinto que valho mais, mais pobrezinha:

      Que também é orgulho ser sozinha,

      E também é nobreza não ter nada!

      Os versos que te fiz

      Deixa dizer-te os lindos versos raros

      Que a minha boca tem pra te dizer!

      São talhados em mármore de Paros

      Cinzelados por mim pra te oferecer.

      Têm dolências de veludos caros,

      São como sedas brancas a arder...

      Deixa dizer-te os lindos versos raros

      Que foram feitos pra te endoidecer!

      Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda...

      Que a boca da mulher é sempre linda

      Se dentro guarda um verso que não diz!

      Amo-te tanto! E nunca te beijei...

      E, nesse beijo, Amor, que eu te não dei

      Guardo os versos mais lindos que te fiz!

      Frieza

      Os teus olhos são frios como as espadas,

      E claros como os trágicos punhais,

      Têm brilhos cortantes de metais

      E fulgores de lâminas geladas.

      Vejo neles imagens retratadas

      De abandonos cruéis e desleais,

      Fantásticos desejos irreais,

      E todo o oiro e o sol das madrugadas!

      Mas não te invejo, Amor, essa indif'rença,

      Que viver neste mundo sem amar

      É pior que ser cego de nascença!

      Tu invejas a dor que vive em mim!

      E quanta vez dirás a soluçar:

      "Ah, quem me dera, Irmã, amar assim!...

      Meu mal

      A meu irmão

      Eu tenho lido em mim, sei-me de cor,

      Eu sei o nome ao meu estranho mal:

      Eu sei que fui a renda dum vitral,

      Que fui cipreste, caravela, dor!

      Fui tudo que no mundo há de maior:

      Fui cisne, e lírio, e águia, e catedral!

      E fui, talvez, um verso de Nerval,

      Ou. um cínico riso de Chamfort...

      Fui a heráldica flor de agrestes cardos,

      Deram as minhas mãos aroma aos nardos...

      Deu cor ao eloendro a minha boca...

      Ah! de Boabdil fui lágrima na Espanha!

      E foi de lá que eu trouxe esta ânsia estranha,

      Mágoa não sei de quê! Saudade louca!

      A noite desce...

      Como pálpebras roxas que tombassem

      Sobre uns olhos cansados, carinhosas,

      A noite desce... Ah! doces mãos piedosas

      Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

      Assim mãos de bondade me beijassem!

      Assim me adormecessem! Caridosas

      Em braçados de lírios, de mimosas,

      No crepúsculo que desce me enterrassem!

      A noite em sombra e fumo se desfaz...

      Perfume de baunilha ou de lilás,

      A noite põe embriagada, louca!

      E a noite vai descendo, sempre calma...

      Meu doce Amor tu beijas a minh'alma

      Beijando nesta hora a minha boca!

      Caravelas

      Cheguei a meio da vida já cansada

      De tanto caminhar! Já me perdi!

      Dum estranho país que nunca vi

      Sou neste mundo imenso a exilada.

      Tanto tenho aprendido e não sei nada.

      E as torres de marfim que construí

      Em trágica loucura as destruí

      Por minhas próprias mãos de malfadada!

      Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,

      Mar sem marés, sem vagas e sem porto

      Onde velas de sonhos se rasgaram.

      Caravelas doiradas a bailar...

      Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!

      As que eu lancei à vida, e não voltaram!...

      Inconstância

      Procurei o amor que me mentiu.

      Pedi à Vida mais do que ela dava.

      Eterna sonhadora edificava

      Meu castelo de luz que me caiu!

      Tanto clarão nas trevas refulgiu,

      E tanto beijo a boca me queimava!

      E era o sol que os longes deslumbrava

      Igual a tanto sol que me fugiu!

      Passei a vida a amar e a esquecer...

      Um sol a apagar-se e outro a acender

      Nas brumas dos atalhos por onde ando...

      E este amor que assim me vai fugindo

      É igual a outro amor que vai surgindo,

      Que há de partir também... nem eu sei quando...

      O nosso mundo


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