Mestres da Poesia - Florbela Espanca. August Nemo

Mestres da Poesia - Florbela Espanca - August Nemo


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íntimos

      É tão triste morrer na minha idade!

      E vou ver os meus olhos, penitentes

      Vestidinhos de roxo, como crentes

      Do soturno convento da Saudade!

      E logo vou olhar (com que ansiedade!...)

      As minhas mãos esguias, languescentes,

      De brancos dedos, uns bebês doentes

      Que hão de morrer em plena mocidade!

      E ser-se novo é ter-se o Paraiso,

      É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,

      Aonde tudo é luz e graça e riso!

      E os meus vinte e três anos... (Sou tão nova!)

      Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida!...»

      Responde a minha Dor: «Que linda a cova!»

      As minhas ilusões

      Hora sagrada dum entardecer

      De Outono, à beira mar, cor de safira.

      Soa no ar uma invisível lira...

      O sol é um doente a enlanguescer...

      A vaga estende os braços a suster,

      Numa dor de revolta cheia de ira,

      A doirada cabeça que delira

      Num último suspiro, a estremecer!

      O sol morreu... e veste luto o mar...

      E eu vejo a urna de oiro, a baloiçar,

      À flor das ondas, num lençol de espuma!

      As minhas Ilusões, doce tesoiro,

      Também as vi levar em urna de oiro,

      No Mar da Vida, assim... uma por uma...

      Neurastena

      Sinto hoje a alma cheia de tristeza!

      Um sino dobra em mim, Ave Marias!

      Lá fora, a chuva, brancas mãos esguias,

      Faz na vidraça rendas de Veneza...

      O vento desgrenhado, chora e reza

      Por alma dos que estão nas agonias!

      E flocos de neve, aves brancas, frias,

      Batem as azas pela Natureza...

      Chuva... tenho tristeza! Mas porquê?!

      Vento... tenho saudades! Mas de quê?!

      Ó neve que destino triste o nosso!

      Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!

      Gritem ao mundo inteiro esta amargura,

      Digam isto que sinto que eu não posso!!...

      Pequenina

      À Maria Helena Falcão Risques

      És pequenina e ris... A boca breve

      É um pequeno idílio cor de rosa...

      Haste de lírio frágil e mimosa!

      Cofre de beijos feito sonho e neve!

      Doce quimera que a nossa alma deve

      Ao Céu que assim te fez tão graciosa!

      Que nesta vida amarga e tormentosa

      Te fez nascer como um perfume leve!

      O ver o teu olhar faz bem à gente...

      E cheira e sabe, a nossa boca, a flores

      Quando o teu nome diz, suavemente...

      Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,

      Que ela afaste de ti aquelas dores

      Que fizeram de mim isto que sou!

      A maior tortura

      A um grande poeta de Portugal

      Na vida, para mim, não há deleite.

      Ando a chorar convulsa noite e dia...

      E não tenho uma sombra fugidia

      Onde poise a cabeça, onde me deite!

      E nem flor de lilás tenho que enfeite

      A minha atroz, imensa nostalgia!...

      A minha pobre Mãe tão branca e fria

      Deu-me a beber a Mágoa no seu leite!

      Poeta, eu sou um cardo desprezado,

      A urze que se pisa sob os pés.

      Sou, como tu, um riso desgraçado!

      Mas a minha tortura inda é maior:

      Não ser poeta assim como tu és,

      Para gritar num verso a minha Dor!...

      A flor do sonho

      A Flor do Sonho alvíssima, divina

      Miraculosamente abriu em mim,

      Como se uma magnólia de cetim

      Fosse florir num muro todo em ruina.

      Pende em meio seio a haste branda e fina

      E não posso entender como é que, enfim,

      Essa tão rara flor abriu assim!...

      Milagre... fantasia... ou talvez, sina...

      Ó Flor que em mim nasceste sem abrolhos,

      Que tem que sejam tristes os meus olhos

      Se eles são tristes pelo amor de ti?!...

      Desde que em mim nasceste em noite calma,

      Voou ao longe a aza da minh'alma

      E nunca, nunca mais eu me entendi...

      Noite de saudade

      A Noite vem poisando devagar

      Sobre a terra que inunda de amargura...

      E nem sequer a benção do luar

      A quis tornar divinamente pura...

      Ninguém vem atrás dela a acompanhar

      A sua dor que é cheia de tortura...

      E eu oiço a Noite imensa soluçar!

      E eu oiço soluçar a Noite escura!

      Porque és assim tão 'scura, assim tão triste?!

      É que, talvez, ó Noite, em ti existe

      Uma Saudade igual à que eu contenho!

      Saudade que eu nem sei donde me vem...

      Talvez de ti, ó Noite!... Ou de ninguém!...

      Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!!

      Angústia

      Tortura do pensar! Triste lamento!

      Quem nos dera calar a tua voz!

      Quem nos dera cá dentro, muito a sós,

      Estrangular a hidra num momento!

      E não se quer pensar!... E o pensamento

      Sempre a morder-nos bem, dentro de nós...

      Qu'rer apagar no Ceu — Ó sonho atroz! —

      O brilho duma estrela, com o vento!...

      E não se apaga, não... nada se apaga!

      Vem


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