Mestres da Poesia - Florbela Espanca. August Nemo

Mestres da Poesia - Florbela Espanca - August Nemo


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talvez, senti-lo... e compreendê-lo...

      Este livro é p'ra vós, Abençoados

      Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!

      Bíblia de tristes... Ó Desventurados,

      Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!

      Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!

      Livro de Sombras... Névoas... e Saudades!

      Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)

      Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,

      Chorai comigo a minha imensa mágoa,

      Lendo o meu livro só de mágoas cheio!...

      Vaidade

      Sonho que sou a Poetisa eleita,

      Aquela que diz tudo e tudo sabe,

      Que tem a inspiração pura e perfeita,

      Que reúne num verso a imensidade!

      Sonho que um verso meu tem claridade

      Para encher todo o mundo! E que deleita

      Mesmo aqueles que morrem de saudade!

      Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!

      Sonho que sou Alguém cá neste mundo...

      Aquela de saber vasto e profundo,

      Aos pés de quem a terra anda curvada!

      E quando mais no céu eu vou sonhando,

      E quando mais no alto ando voando,

      Acordo do meu sonho...

      E não sou nada!...

      Eu...

      Eu sou a que no mundo anda perdida,

      Eu sou a que na vida não tem norte,

      Sou a irmã do Sonho, e desta sorte

      Sou a crucificada... a dolorida...

      Sombra de névoa ténue e esvaecida,

      E que o destino amargo, triste e forte,

      Impele brutalmente para a morte!

      Alma de luto sempre incompreendida!...

      Sou aquela que passa e ninguém vê...

      Sou a que chamam triste sem o ser...

      Sou a que chora sem saber porquê...

      Sou talvez a visão que Alguém sonhou,

      Alguém que veio ao mundo p'ra me ver,

      E que nunca na vida me encontrou!

      Castelã da tristeza

      Altiva e couraçada de desdém,

      Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!

      Passa por ele a luz de todo o amor....

      E nunca em meu castelo entrou alguém!

      Castelã da Tristeza, vês?... A quem?!...

      — E o meu olhar é interrogador —

      Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...

      Chora o silêncio... nada... ninguém vem...

      Castelã da Tristeza, porque choras

      Lendo, toda de branco, um livro de oras,

      À sombra rendilhada dos vitrais?...

      À noite, debruçada p'las ameias,

      Porque rezas baixinho?... Porque anseias?...

      Que sonho afagam tuas mãos reais?...

      Tortura

      Tirar dentro do peito a Emoção,

      A lucida Verdade, o Sentimento!

      — E ser, depois de vir do coração,

      Um punhado de cinza esparso ao vento!...

      Sonhar um verso de alto pensamento,

      E puro como um ritmo de oração!

      — E ser, depois de vir do coração,

      O pó, o nada, o sonho dum momento!...

      São assim ocos, rudes, os meus versos:

      Rimas perdidas, vendavais dispersos,

      Com que eu iludo os outros, com que minto!

      Quem me dera encontrar o verso puro,

      O verso altivo e forte, estranho e duro,

      Que dissesse, a chorar, isto que sinto!!

      Lágrimas ocultas

      Se me ponho a cismar em outras eras

      Em que ri e cantei, em que era qu'rida,

      Parece-me que foi noutras esferas,

      Parece-me que foi numa outra vida...

      E a minha triste boca dolorida

      Que dantes tinha o rir das primaveras,

      Esbate as linhas graves e severas

      E cai num abandono de esquecida!

      E fico, pensativa, olhando o vago...

      Toma a brandura plácida dum lago

      O meu rosto de monja de marfim...

      E as lágrimas que choro, branca e calma,

      Ninguém as vê brotar dentro da alma!

      Ninguém as vê cair dentro de mim!

      Torre de névoa

      Subi ao alto, à minha Torre esguia,

      Feita de fumo, névoas e luar,

      E pus-me, comovida, a conversar

      Com os poetas mortos, todo o dia.

      Contei-lhes os meus sonhos, a alegria

      Dos versos que são meus, do meu sonhar,

      E todos os poetas, a chorar,

      Responderam-me então: «Que fantasia,

      Criança doida e crente! Nós também

      Tivemos ilusões, como ninguém,

      E tudo nos fugiu, tudo morreu!...»

      Calaram-se os poetas, tristemente...

      E é desde então que eu choro amargamente

      Na minha Torre esguia junto ao Céu!...

      A minha dor

      A Você

      A minha Dor é um convento ideal

      Cheio de claustros, sombras, arcarias,

      Aonde a pedra em convulsões sombrias

      Tem linhas dum requinte escultural.

      Os sinos têm dobres de agonias

      Ao gemer, comovidos, o seu mal...

      E todos têm sons de funeral

      Ao bater horas, no correr dos dias...

      A minha Dor é um convento. Há lírios

      Dum roxo macerado de martírios,

      Tão belos como nunca os viu alguém!

      Nesse triste convento aonde eu moro,

      Noites e dias rezo e grito e choro!

      E ninguém ouve...


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