Repensar la educación en derecho internacional en América Latina. Enrique Prieto-Rios

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a disciplina “Ordem Jurídica Internacional” apresenta um número considerável de aulas totalmente dedicadas ao contexto brasileiro em relação ao direito internacional. De forma geral, os manuais brasileiros abordam os mesmos temas que são percebidos como gerais na área de direito internacional – fundamentos, sujeitos, fontes, solução pacífica de controvérsias e a relação entre direito internacional e direito interno (geralmente analisada a partir de construções teóricas sobre monismo e dualismo).

      Vale sublinhar que a análise de programas não é suficiente para entender a dinâmica de sala de aula, a forma como esses conteúdos são realmente trabalhados com discentes e o resultado do curso que combina variados fatores além das indicações de programa. Alguns métodos podem, inclusive, transformar os temas previstos em questões relativamente diferentes. Contudo, o conteúdo e a bibliografia indicados nos programas analisados apontam para a preponderância de uma noção de direito internacional público como a regulação das relações entre Estados soberanos. Isso é claro na recorrência de temas como organizações internacionais e responsabilidade internacional dos estados, para citar exemplos. Algumas temáticas são pontos fora da curva, como o estudo do ser humano como sujeito de direito internacional ou de relações privadas internacionais como parte complementar das regulações entre Estados, como partes de um direito mais abrangente. Mesmo assim, como padrão, as disciplinas analisadas trazem conteúdos que geralmente correspondem a uma expectativa de atuação profissional bastante excepcional para a realidade brasileira. Mesmo em áreas com grande demanda por conhecimento sobre a regulação internacional como o comércio, por exemplo, é raro encontrar profissionais que trabalhem exclusivamente com temas internacionais no seu dia a dia.17

      Observados os programas de ensino da amostra, há uma possível dissonância entre os objetivos das disciplinas e o que é escolhido para ser ensinado. Invariavelmente, quando indicam objetivos, os programas mencionam o desenvolvimento de habilidades ligadas à prática do direito internacional, seja apontado o “interesse teórico e prático” da disciplina, seja elencando entre seus propósitos a “utilização das fontes do direito internacional”, “resolução de problemas de repercussão internacional” ou “solução de problemas jurídicos complexos”. Não é possível afirmar com certeza a discrepância desses objetivos com relação à aparente manutenção da ideia da formação de um internacionalista voltado a atuar nas relações internacionais brasileiras ou nos órgãos internacionais, porque os programas não são suficientes para a apreciação da realidade do ensino do direito internacional no país. Mas a generalidade dos objetivos elencados nos programas reforça a percepção de que o ensino do direto internacional no país se concentra em uma ideia de atuação profissional em direito internacional muito mais restrita do que poderia, diante da realidade atual brasileira.

      A próxima seção abordará literatura recente que busca problematizar as particularidades do processo de formação do jurista internacionalista na contemporaneidade para entender essa ideia geralmente compartilhada entre os profissionais de direito internacional sobre sua função. Em seguida, voltaremos a analisar a pertinência desse ideal profissional para a prática do direito internacional e consequentemente para o ensino da disciplina no país.

       2. A formação do jurista internacionalista em questão

      A ideia de um colegiado invisível de pensadores data do século XVII18 e compreende uma coletividade de indivíduos que se reune para tratar de um mesmo tema de tempos em tempos, com pensamentos similares ou unificados, unidos por uma mesma linguagem técnico-científica. Em relação ao direito internacional, Oscar Schachter,19 em artigo de larga influência, aponta a existência de um invisible college of international lawyers, apesar de reconhecer as particularidades da disciplina enquanto ciência – o campo não seria totalmente neutro ou despido de valorações de cunho subjetivo.20 Esse colegiado, argumenta Schachter,21 não está confinado à academia: estende-se às esferas de governo, resultando em uma pénétration pacifique de ideias oriundas do pensamento acadêmico para os canais oficiais. Deste modo, o colegiado exerce influência quanto à tomada de decisões em assuntos e temáticas globais.

      Segundo Schachter, a constituição de um colegiado invisível, pressupõe, de forma implícita, o Direito Internacional como sendo um campo unificado, a despeito de sua amplitude e subdivisões. O autor consubstancia a constatação com base no fato de que a maior parte dos internacionalistas possui tanto a habilidade quanto a vontade de se dirigir às questões colocadas em todos os campos da disciplina; para o autor, evitam, inclusive, a compartimentalização.22 Adiante, aponta que a ideia de que o Direito Internacional constitui uma disciplina unificada que deve fazer frente à influente dominação dos interesses nacionais e dos fatores socio-históricos quanto ao funcionamento da profissão do jurista internacionalista.23

      Por outro lado, argumenta que este colegiado invisível deve ser o mais amplo possível – em termos de diferentes horizontes de vida –, por uma “[...] razão que é essencialmente a mesma que aquela subjacente aos requerimentos dos estatutos da Corte Internacional de Justiça e da Comissão de Direito Internacional de que colegiados jurídicos internacionais devem ser representativos do mundo como um todo”.24

      É possível questionar a perspectiva de Schachter à luz das particularidades do campo do direito internacional na contemporaneidade. Em 2006, a Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas publicou extenso relatório acerca da chamada fragmentação do Direito Internacional.25 No documento, finalizado por Martti Koskenniemi, há indicação acerca da significância jurídica da fragmentação do Direito Internacional, especialmente no sentido de que havia ocorrido, nas últimas décadas, a criação de diversos ramos de especializações em Direito Internacional.26

      Como aponta Santiago Villalpando,27 há a possibilidade de que a ‘empreitada intelectual compartilhada’ apontada por Schachter28 possa continuar sendo objeto do esforço de uma comunidade de generalistas, que, a despeito das modificações ocorridas nas últimas décadas na matéria, continua a compreender o campo do direito internacional de forma unificada. Contudo, Villalpando29 argumenta que, em razão de uma maior especialização da disciplina e da amplitude de cargos e funções disponíveis para o jurista de Direito Internacional, existem atualmente diferentes graus no colegiado invisível de internacionalistas; e é justamente em face da diferenciação de níveis e do consequente aumento de habilidades do colegiado invisível de internacionalistas que o Direito Internacional consegue, de forma pacífica, inserir ideias em outros ambientes que não aqueles controlados pelos Estados.30

      Em conclusão, Villalpando indica que o colegiado invisível de juristas internacionalistas deve, criticamente, verificar os problemas criados pela sua própria ‘invisibilidade’. Desse modo, o conjunto deve se engajar em um debate mais compreensivo acerca de sua própria responsabilidade, eficiência e transparência no engajamento com diferentes subcampos de Direito Internacional, de maneira a criticamente perceber quais os impactos de sua atuação no mundo.31

      A australiana Anthea Roberts, do ponto de partida de experiências pessoais na docência em Direito Internacional em universidades na Austrália, no Reino Unido e nos Estados Unidos, complementa e expande as ideias de Villalpando e do relatório da Comissão de Direito Internacional da Organização das Nações Unidas quanto à fragmentação do Direito Internacional para contrariar essa noção descrita em Schachter.32 Verificando grandes discrepâncias no ensino da disciplina nesses países, a despeito, inclusive, de fazerem parte da mesma tradição jurídica da common law, Roberts argumenta pela existência não de um invisible college of international lawyers, mas sim de um colegiado divisível de internacionalistas – a divisible college of international lawyers.33

      No relativo a este colégio divisível de internacionalistas, Roberts indica que uma melhor compreensão da disciplina passa pela noção de que os membros deste colegiado, oriundos de diferentes partes e regiões do mundo, muitas vezes formam comunidades separadas – ainda que, por vezes, sobrepostas umas às outras.34 Focando em três temas distintos – diferença, dominância


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