Repensar la educación en derecho internacional en América Latina. Enrique Prieto-Rios
José Rodrigues de Lemos
O ensino do direito das gentes (segundo então era denominado) se iniciou com a instalação dos cursos jurídicos entre nós. Os professores que primeiro lecionaram matérias próprias a esse direito na Academia de São Paulo foram Avelar Brotero e Amaral Gurgel que alternadamente o regiam. Coube àquele escrever a primeira obra de direito internacional público no Brasil: Questões sobre Presas Marítimas, editada em 1836, em São Paulo, que surgiu, como se verifica, apenas quatro anos depois da edição dos Princípios de derecho de gentes, da autoria de Andrés Bello, obra marcante na bibliografia latino-americana. Prioridade do ensino em Olinda coube a Lourenço José Ribeiro e Pedro Autran da Matta e Albuquerque. Deste último, que prelecionou em Pernambuco por mais de cinco décadas, é a autoria dos Elementos do Direito das Gentes segundo a doutrina dos escritores modernos, editado em 1851. VICENTE MAROTTA RANGEL INTRODUÇÃO AOS “PRINCÍPIOS DO DIREITO INTERNACIONAL CONTEMPORÂNEO
Introdução
Como afirmado por Vicente Marotta Rangel, o ensino do direito internacional esteve sempre presente nos cursos de direito no Brasil. Com a criação dos cursos jurídicos no país em 1827, o então chamado direito das gentes era lecionado durante o segundo ano do curso de direito.1 Desde então, a prática de ensino do direito internacional tem se transformado de forma substantiva no Brasil. Não constitui objeto do presente artigo uma análise histórica desse processo, mas é importante iniciar esta contribuição sobre ensino do direito internacional no Brasil ressaltando a presença da disciplina, de seus respectivos docentes e suas publicações desde o contexto da pós-independência em nosso país.
Este artigo tem como objetivo explorar como se concretiza o diálogo entre o ensino do direito internacional e sua prática no contexto brasileiro atual. No levantamento feito pela equipe de pesquisadores REDIAL,2 as principais universidades da cidade de São Paulo foram selecionadas como uma janela de observação do conteúdo dos programas de ensino de direito internacional no Brasil. A cidade é capital com o maior número de cursos de ensino superior de direito no país, localizada na região com a maior concentração desses cursos em números absolutos.3 A escolha pelas instituições de São Paulo levou em conta essa relevância no contexto nacional e a necessidade pragmática de um recorte inicial de pesquisa, já que um mapeamento nacional teria de levar em conta os cerca de 1300 cursos de direito existentes no país — conhecidamente o país com o maior número de cursos jurídicos do mundo e com uma das maiores populações relativas de advogados.4
Em relação ao método de escolha das instituições de ensino superior no Brasil para análise no presente trabalho, inicialmente a equipe REDIAL optou pelo maior sistema de avaliação público da qualidade de ensino superior no país – o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes de Ensino Superior (ENADE), promovido pelo Ministério da Educação Brasileiro. Em adição, optou pela utilização de rankings brasileiros privados, como o selo OAB Recomenda, emitido pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ranking Universitário Folha, de responsabilidade do Jornal Folha de São Paulo, e o Guia do Estudante, publicado anualmente pela Editora Abril. Esse processo de mescla de rankings públicos e privados visa garantir maior respaldo à escolha das instituições de ensino superior presentes neste estudo, tendo em vista a maior amplitude de critérios utilizados, de uma maior quantidade de dados, além da presumida capacidade de visitação in loco por parte dos avaliadores.5
Nesse sentido, o artigo chegou à escolha das quatro instituições de ensino superior mais bem avaliadas na cidade de São Paulo: a faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP), única instituição pública mencionada no estudo, além da faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito SP) e Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie.6
Esses programas de ensino foram considerados diante de dois parâmetros. Em primeiro lugar, a imagem da atuação de juristas internacionalistas que se encontra na literatura sobre a profissão serviu como ponto de referência para situar as escolhas dos programas de ensino. Em segundo lugar, a prática no atual contexto brasileiro abre possibilidades de atuação de internacionalistas que foram consideradas diante das aparentes escolhas dos programas de ensino.
Para expor essa análise, esta contribuição se divide em quatro partes. A primeira apresentará os programas de curso de direito internacional das principais faculdades de direito localizadas na cidade de São Paulo. O texto segue apresentando a noção de prática do direito internacional tal como explorada em literatura recente que busca problematizar as particularidades do processo de formação do jurista internacionalista na contemporaneidade. Esta contribuição então buscará contrastar a prática brasileira atual no campo do direito internacional à luz dessa literatura, o que permitirá uma discussão mais específica dos programas de ensino analisados.
1. O ensino do direito internacional na cidade de São Paulo: apresentação e análise dos programas de ensino
No Brasil, o direito internacional era listado como disciplina obrigatória no currículo básico dos cursos de direito em 1994.7 Em 2004, passou a integrar um “eixo de formação” obrigatório que incluía, entre outros mencionados no decreto, os conteúdos de “diversos ramos do Direito [...] e sua aplicação às mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais, incluindo-se [...] Direito internacional”.8 Em resolução mais recente, de dezembro de 2018, os “eixos” foram substituídos por “perspectivas formativas” incluídas no conteúdo do curso de direito, que mantiveram a mesma redação sobre a obrigatoriedade dos conteúdos da área de Direito Internacional, mas dessa vez “priorizando a interdisciplinaridade e a articulação dos saberes”.9
Para além de um enfoque puramente técnico-dogmático, as diretrizes curriculares do curso de graduação em Direito no Brasil, nos termos da resolução de dezembro de 2018, estabelecem que o curso deverá promover sólida formação geral e humanística. Discentes deverão ter desenvolvida sua capacidade de análise, com domínio de conceitos e terminologia jurídica, além de capacidade argumentativa e de interpretação, com a valorização de fenômenos jurídicos e sociais. Pela regulação, discentes no Brasil devem desenvolver uma aprendizagem autônoma e dinâmica, que lhes propicie uma postura reflexiva e visão crítica, ambas vistas como indispensáveis ao exercício do Direito, à prestação da justiça e ao desenvolvimento da cidadania.10
Em outras palavras, os cursos jurídicos no Brasil são atualmente regulamentados a partir de uma perspectiva que vê o estudo do Direito de forma contextualizada e em diálogo com outros saberes das Ciências Sociais e Humanidades. Como afirmado na resolução de dezembro de 2018, o Direito e sua aplicação necessariamente relacionam-se com mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais do Brasil e suas relações internacionais.
Apesar de apenas o conteúdo da área de direito internacional e não a disciplina em si ter obrigatoriedade atualmente sob a legislação brasileira, é comum encontrar nos planos de curso de direito no Brasil uma ou mais disciplinas autônomas que lidem com o direito internacional. Vale ressaltar que a normativa brasileira não estabelece de forma exaustiva o conteúdo da área de direito internacional. Fala-se em “conteúdos essenciais”, sem que exista um detalhamento dos temas estudados e tampouco a forma como esses temas devem ser organizados em uma ou mais disciplinas. Há, portanto, bastante espaço para que as instituições de ensino superior brasileiras organizem o conteúdo da área de direito internacional da forma que julgarem mais adequada em sua matriz curricular. Essa característica do contexto brasileiro nos ajuda a compreender a diversidade existente entre as diferentes instituições no que tange à oferta de disciplinas de direito internacional.
No caso das instituições estudadas pela equipe REDIAL para este artigo, por exemplo, a maioria das disciplinas continham a expressão “direito internacional” em sua denominação, geralmente com a designação de direito internacional “público”. Exceções eram as disciplinas que lidavam com áreas