Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV. Brandão Zephyrino

Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV - Brandão Zephyrino


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com elegancia e desenvoltura; de encobrir com a mantilha um dos seus formosissimos olhos por tal arte, que parece terem cravado na face um diamante negro, a reflectir a luz fulgorosissima do bello sol da Andaluzia.

      O sevilhano passa por nós muito ancho da sua pessoa, e da sua Sevilha, que não só possue os titulos de mui leal, mui nobre e mui heroica, senão que é patria de notabilissimos santos; por isso até um poeta exclama patrioticamente:

      «Que Dios, Sevilla, en tu preciosas venas

      Para el Cielo crió tantos tesoros,

      Cuantas el ancho mar esconde arenas,

      Cuantas estrellas los celestes coros!»

      Sem embargo de tamanha gloria, a cidade de Maria Padilla tem sido tambem algo peccadora…

      A nobreza opulenta de rendas de seus vastos dominios ruraes, em que abundam frutos e gados, sustenta luzidas tropas de escudeiros fidalgos, que põe ao seu serviço e ao dos reis, alentando os impulsos das proprias ambições e prosapias.

      Nas suas casas tem grandes depositos de armas, e nas suas cavallariças centenares de cavallos. Empara em vida os de sua hoste, e deixa-lhes fartos legados em seus testamentos.

      Um d'esses grandes senhores é o duque de Medina Sidonia; ou de Sevilha, como tambem o tratam.

      Entremos no seu palacio.

      Este grandioso edificio, exteriormente austero e nú, ostenta no interior uma riqueza enorme, um luxo deslumbrante e voluptuoso, que determina a influencia exercida em Hespanha pela civilisação arabe. Póde considerar-se uma vivenda semi-oriental, como todas as do estylo mudejar, a que pertence, para a construcção das quaes as duas artes, christã e mahometana, se dão as mãos com tal engenho, que se harmonisam perfeitamente os dois elementos de manifestações tão diversas.

      – Como sabido anda, os arabes que ficaram com os christãos, depois de certos tratados, em virtude dos quaes se lhes permittia conservar suas leis, religião e costumes, chamavam-se mudejares, e nas edificações, em que eram empregados, imitavam o luxo e magnificencia dos povos, que os da sua raça haviam conquistado, especialmente da Persia.

      Tornando, porém, ao ponto: na disposição geral do palacio adoptou-se o estylo arabe, estabelecendo-se amplos pateos, e galerias, em volta das quaes demoram as habitações.

      A sala principal pertence ao terceiro periodo arabe puro. As paredes d'ella recordam os ricos tecidos orientaes da Persia, assim por seus desenhos primorosos, como pelo brilhantismo do colorido. O pavimento acha-se coberto com uma alcatifa persa de um avelludado suavissimo. No tecto, o elemento decorativo predominante são estalactites e laçarias, tudo realçado com applicação de côres e douraduras.

      Os peregrinos ornatos d'esta sala bastam, para confirmar a frondosa imaginação dos artistas mahometanos, e o respeito por elles tributado ás suas tradições gloriosas.

      Móvel não se vê, a não ser uma larga cadeira de espaldar, com sobrecéo e estôfo de brocado. No centro da espalda, o brazão dos Medina Sidonia. Uma riquissima almofada de setim bordada a ouro está collocada aos pés d'esta cadeira, em que sómente costuma sentar-se o duque, ou algum extrangeiro de distincção, que o visita, e a quem elle offerece esse lugar de honra.

      Em outras salas, paredes forradas de pannos de Arraz e de Flandres, representando episodios da vida de Christo, assumptos mysticos, batalhas, torneios e scenas de caça; ou cobertas de tapetes turcos, imitando persas, guadamecins e azulejos, tendo os sóccos revestidos de mosaicos esmaltados. Os tectos, estucados e pintados, com imitações mais ou menos exactas da flora. Alguns pavimentos, alcatifados.

      Nos aposentos dos duques pendem das paredes quadros de Giotto e da sua escola, de João Van-Eyck, Roger van der Weyden, e do patriarcha da pintura sevilhana, Juan Sanchez de Castro, que poucos annos antes fundára a sua escola. As paredes e tectos da ante-camara, armados e toldados de riquissimos lambeis. Os móveis, de páu-santo, primorosamente entalhados e forrados de brocado e ouro.

      Na sala da duqueza vê-se um magnifico relicario, d'estes que o clero manda executar sobre desenhos proprios para maravilhar os fieis, tal é a perfeita intelligencia, que elle tem do seu tempo. Em cima de uma credencia com tres compartimentos em fórma de degráus, cobertos de setim e rendas de Flandres, repousam varios objectos de uso senhoril, uns de ouro, outros de prata e crystal de Veneza. Sobre um bufete de abano, coberto com um bancal de velludo, tendo ao meio bordadas as armas da duqueza, acham-se livros de horas luxuosamente encadernados e brochados de prata, uma escrevaninha de ouro, flores em vasos de crystal e castiçaes de ouro. Nos angulos da sala, açucenas em amphoras preciosas proclamam a sua candura triumphal, e roseiras enroladas em columnas de onyx exhalam a sua fragancia suavissima.

      As paredes da sala de armas do duque exhibem trophéos de armas arabes, despojo rico das batalhas das Navas e do Salado, como: rodellas, adargas, onde se lêem lemmas bordados a fio de ouro e a matiz, lanças em fórma de meia lua, espadas, gomias, tridentes e alfanges de dois fios.

      Amplas colgaduras, tendo bordadas as armas da casa, encobrem completamente as estreitas portas de alerse.

      O mobiliario do palacio, em geral, consiste: em cadeiras de espaldar coroado por dentilhões, tendo entalhado o brazão das armas de Niebla, titulo da familia Medina Sidonia, ou simplesmente a corôa ducal; algumas cadeiras ainda, lavradas com atauxias de ouro, marfim, prata ou cobre, e umas e outras com escabellos fixos ou moveis; almofadas de seda, sobrepostas duas a duas, e servindo de assento na sala de recepção da duqueza; faldistorios, tamboretes de espaldar, bancos longos e de espaldas, almofadados de tela de ouro e velludo; bancos de thezoura, bufetes de ebano artisticamente entalhados de prata, candelabros dourados, arcas para assentos, armario, cofre e até mesa de escrever, todas de madeiras preciosas e guarnecidas de prata, ferro ou bronze; relogios de parede em luxuosas caixas, umas de madeira, outras de ferro. Muito d'este mobiliario é coberto de ricas tapeçarias orientaes, que lhe dão um aspecto delicado e alegre com as côres vivas de seus bordados caprichosos. Emfim, mesas de prata, de ouro e de bronze, quadradas, de um pé só, além de outras de madeira, iguaes áquellas no formato, e sobre que se vêem magnificos vasos de flores, cravejados de pedras preciosas, outros vasos de prata lavrada, salvas e floreiras.

      Não entremos na ante-camara do duque, onde elle conversa agora com D. Juan de Guzman, que tem sido o seu irmão predilecto.

      Conforme o costume, a duqueza saiu logo de manhã para o jardim com as dez donzellas, suas familiares, levando, como cada uma d'estas, na mão um rosario e um livro de missa.

      Á sombra do copado arvoredo alli rezam no mais edificante recolhimento. Terminada a oração as donzellas correm alegremente a colher flores, com que na volta ao palacio enfeitam o altar da virgem.

      Na capella é esperada a duqueza com o seu sequito gentilissimo pelas moças da camara, e pelo sacerdote, que celebra a missa, ouvida por aquella pequena côrte.

      Em seguida serve-se o almoço, depois do qual a duqueza, acompanhada de suas donzellas e de alguns fidalgos, dos mais apontados em garbos de cavallarias, em esmeros de atavios, e em chistes de conversadores, passeia a cavallo no seu suberbo palafrem. Hoje, todavia, recolheu-se aos seus aposentos, e não deu o seu passeio habitual.

      Deixemos, pois, entregue ás suas meditações a virtuosa senhora. Naturalmente algum novo acto de caridade projecta, para juntar aos muitos, que tão justamente lhe tem grangeado o santo e doce nome de mãe dos pobres.

      E, emquanto o duque falla com o irmão, acompanhe-me o leitor ao pateo principal do palacio.

      É um quadrilongo regular, cercado de galerias, superior e inferiormente, decoradas com arabescos do mais fino gosto, sendo seus arcos em fórma de ferradura, graciosamente entalhados e sustentados por dezenas de columnas de ordem composita e de marmore alvissimo. O pateo é ajardinado, tendo no centro uma fonte, cuja agua crystalina cáe dentro de um tanque largo que a circumda; e os canteiros são separados uns dos outros por lousas de marmore branco.

      Na galeria superior sente-se rir e folgar. São as donzellas da duqueza. O sol não as incommoda, porque todo o vão do pateo está coberto com um grande toldo. Uma d'ellas, desviando-se das companheiras,


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