Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV. Brandão Zephyrino

Pero da Covilhan: Episodio Romantico do Seculo XV - Brandão Zephyrino


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contingente valioso esse – observou D. Affonso.

      A respeito das forças, com que poderemos contar devo em breve ser definitivamente informado pelo marquez de Vilhena.

      – Assim o creio. Talvez a demora dos seus esclarecimentos dependesse da resposta de meu irmão.

      – Porquê?

      – Á hora da minha partida para Portugal recebeu o duque uma carta de D. Diogo, na qual lhe perguntava com quantos cavallos concorria, pois desejava enviar a voss'alteza uma nota das tropas castelhanas, com que poderiamos entrar em campanha, e a Luiz XI a da totalidade do exercito.

      – E o marquez communicava tambem ao duque o computo dos já inscriptos?

      – Sim, meu Senhor. Anda por dezoito mil cavallos; devendo, porém, este numero elevar-se, quando constar a entrada de voss'alteza em Castella, pois muitos dos cavalleiros, que até agora não adheriram, o farão immediatamente.

      D. Affonso V não poude occultar o jubilo, que lhe causou esta nova de ter já por si em Castella tão importantes forças; e com a sua habitual familiaridade affirmou a D. Juan de Guzman:

      – Eu tenho muita confiança nos cavalleiros castelhanos. Não os ha mais briosos certamente.

      – Mercê por elles, meu Senhor.

      – Agora aqui vos deixo para serdes recebido pelo principe, que muito gostará de conversar comvosco.

      É fácil de presumir, sobre que versaria principalmente a palestra, sabendo-se do interesse, que mostrava o principe D. João em seu páe acceitar o papel, que Henrique IV lhe distribuira no testamento.

      D. Juan de Guzman poucos dias se demorou em Portugal; foi, porém, o tempo sufficiente para D. Affonso e seu filho conhecerem e apreciarem o pagem, que viera na comitiva. D'elle fizeram grandes gabos ao fidalgo sevilhano, o qual, mais talvez por alardear philaucias de familia, do que por enaltecer as qualidades do môço, ou por ambas as razões, referiu em resumo: que da Covilhan costumava ir a Sevilha o páe do pagem commerciar e conquistára grandes creditos. Tendo afinal estabelecido a sua residencia n'aquella cidade, onde era geralmente estimado, accedeu ao pedido, que lhe fez o duque de Medina Sidonia, de deixar-lhe educar o filho, então muito creança ainda, mas dotado já de singular viveza. Como fallecesse o mercador, pouco depois, e já viuvo, ficára o pagem inteiramente confiado ao amparo do duque. Possuia prendas muito estimaveis, poderia em breve ser um excellente cavalleiro, e chamava-se Pero da Covilhan, por causa da sua procedencia.

      Esta narrativa ainda mais aguçou a D. Affonso e ao principe o appetite de terem o pagem ao seu serviço; e D. Juan de Guzman já havia reconhecido isso na maneira como lhe fallavam d'elle.

      Na vespera do seu regresso a Sevilha, perguntou Guzman a Pero da Covilhan:

      – Quereis ser pagem do rei de Portugal?

      – Tudo quanto sou – respondeu Pero – devo ao senhor duque, por isso não tenho animo de separar-me d'elle.

      – Esperava essa resposta; – volveu Guzman – mas se eu vos pedir, que fiqueis?

      – Obedeço, porque de vossa mercê sómente recebo ordens e não pedidos.

      – Meu bom Perico! – exclamou affectuosamente Guzman. – Muito me custa deixar-vos cá; mas o senhor D. Affonso, que, dentro em pouco será rei de Castella, mostra desejos de ser vosso amo, e eu tenho-os de o bem servir; por isso entregar-vos-ei a elle, certo de que meu irmão assentirá ao meu proposito.

      No dia seguinte saiu D. Juan de Guzman para Sevilha. D. Affonso V dirigiu-se a Evora, levando no seu sequito a Pero da Covilhan, já escudeiro, servido de armas e cavallo, sem embargo de não ter completado ainda vinte annos.

      O rei antes da partida despachou o seu Arauto Lisboa com cartas para Luiz XI, a quem communicava a resolução que tomára, de receber por esposa a princesa D. Joanna, e de entrar em Castella com um grande exercito, pois a isso o estava convidando a maior parte da grandeza castelhana. E sob o pretexto de recear, que na jornada sobreviesse ao seu Arauto algum accidente ou enfermidade, que o retardasse, escreveu de novo ao rei de França, insistindo agora principalmente em demonstrar os legitimos e inauferiveis direitos da rainha D. Joanna. Ponderava habilmente, que o não ser d'elles esbulhada, era conveniencia de ambos os monarchas, por quanto, se Fernando se apoderasse de Castella, viria a ser um vizinho formidavel e perigoso, tanto para Portugal, como para França.

      Procurava assim conciliar com acertada politica as boas graças de Luiz XI, que mui interessado era, em que no throno de Castella estivesse um principe capaz de manter e conservar as antigas confederações e allianças d'esse reino com a França; mas contra todos em geral e sem excepção.

      N'este ponto offerecia-se a difficuldade de ser Portugal alliado da Inglaterra, antiga inimiga da França, e querer Luiz XI, que Portugal ficasse comprehendido no tractado a celebrar com Castella.

      De certo modo veiu o nosso monarcha a prestar-se ás vistas politicas de Luiz XI; o que determinou este a promulgar uma carta patente sobre o soccorro, que dava a D. Affonso V, nomeando sire d'Albret commandante de um exercito destinado a invadir Guipuzcoa e Biscaia.

      Com quanto o duque de Bragança tivesse já dado lealmente por escripto o seu parecer – que foi archivado a seu pedido, para constar no futuro – ácerca da entrada do exercito portuguez em Castella, D. Affonso, antes d'este se pôr em marcha, conversou ainda particularmente com o duque a respeito do assumpto.

      – Insistis na vossa opinião? – perguntou o monarcha ao duque de Bragança.

      – Certamente, meu Senhor – respondeu o duque.

      – Ora dizei-me: não deverei eu confiar nas declarações categoricas, que por Lopo de Albuquerque me enviaram os grandes de Castella?

      – Mais acertado fôra, Senhor, desconfiar d'ellas. Reparai bem, que esses mesmos, que vos chamam agora para sustentar os direitos de vossa sobrinha, são os que atraiçoaram a D. Henrique, seu rei natural, depondo-o do governo do reino.

      – Assim é. Mas não acreditais, que elles reconhecendo a justiça que assiste a minha sobrinha, queiram resgatar com uma nobre acção seus anteriores desatinos, sem embargo de esperarem tambem receber de mim grandes mercês?

      – O que me parece é, que a obediencia por elles jurada depende unicamente da sua ambição, e vem acompanhada de mais interesse, do que de fidelidade e constancia; por isso, se a sorte das armas começar a ser desfavoravel a voss'alteza, depressa abandonarão a vossa bandeira.

      – Sei, que como amigo me fallais; mas a vossa prudencia é agora descabida. Pois os nobres de Castella arriscar-se-iam por ventura a grandes perigos, offerecendo-me espontaneamente seus serviços, se duvidassem do seu e meu triumpho?!

      – De tudo são elles capazes, meu Senhor, que os não ha mais voluveis. Mas superiores em poder e em numero são-lhes os mais avisados e prudentes, tendo ao seu lado o povo, que unanimemente acclamou D. Isabel por sua rainha. E uma acclamação, como esta, é vantagem muito grande no começo dos reinados, servindo até de justificar as pretensões mais duvidosas.

      – Não ignoro quanto o poder de Castella excede o de Portugal; mas conto não só com os homens do meu reino, que são muito valentes, senão com outros tantos castelhanos, como de mais nações, que de boa vontade engrossarão o meu exercito.

      – E a D. Isabel não virão soccorros da Secilia, tanto em dinheiro, como em armas, navios de guerra, cavallos e provisões? Aragão dar-lhos-ha decerto; e até a Italia, pois são senhores d'ella, e primos dos reis da Secilia, o rei de Napoles D. Fernando, e o duque da Calabria, seu filho.

      – Sim, estão os meus adversarios bem aparentados; mas não os temo apesar d'isso, e eu tambem não nasci das pedras.3 Conto igualmente com amigos e parentes; tambem me não falta dinheiro, que é mais fiel que todos os parentes e amigos, e tenho sobretudo a Deus em meu auxilio.

      – Não pretendo demover voss'alteza do proposito, em que está; permitti, porem, que vos lembre ainda a reciproca aversão de Castella e Portugal, filha de um odio inveterado entre


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