A novela gráfica como género literário. Alexandra Dias

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troisième paramètre, qui est le site de la vignette, concerne son emplacement dans la page et, au delà, dans l’œuvre entière129.

      Este terceiro parâmetro determina o protocolo de leitura, dado que é a partir da localização das diferentes componentes do multiquadro que o leitor estabelece o percurso a seguir.

      ←53 | 54→

      A representação de um multiquadro pode ser observada a partir desta adaptação de uma prancha do desenhador português Vyktor a uma grelha vazia.

      A integração e a articulação a nível espacial representam os processos fundamentais da narrativa em banda desenhada:

      (…) les articulations du discours de la bande dessinée portent indissociablement sur des contenus-incarnés-dans-un-espace, ou si l’on préfère sur des espaces-investis-d’un-contenu. La spatio-topie est donc une partie de l’arthrologie, un sous- ensemble arbitrairement découpé, et sans autre autonomie que celle que veut bien lui reconnaître, à un moment donné, la recherche, à des fins heuristiques. Il est utile en effet, pour appréhender certains niveaux de fonctionnement du langage de la bande dessinée, d’opérer intellectuellement cette réduction de la planche à un assemblage de cadres et de bulles vides. Dans la réalité, cet assemblage n’est nulle part observable comme tel, et n’a pas même préexisté, sous une forme déjà si élaborée, à la version finale, complète, de l’objet planche130.

      Ao longo do processo de elaboração de uma banda desenhada – e ela começa por ser uma forma mental – é necessário desenvolver uma espécie de diálogo com este meio artístico, verificar a viabilidade e a aplicabilidade de um determinado ←54 | 55→argumento a um encadeamento em «molduras». A espaciotopia é o ponto de vista que podemos ter sobre a banda desenhada antes de pensar numa história em particular, e a partir do qual é possível pensar numa nova possibilidade do meio. Quando se dá forma a um conteúdo, quando uma história preenche o multiquadro, a questão dos encadeamentos e das articulações torna-se preponderante. Articular os materiais icónicos e linguísticos é uma tarefa da montagem. Articular os quadradinhos é tarefa da paginação. Montagem e paginação são as duas operações fundamentais da artrologia que a operação de entrelaçamento remata eventualmente. Ambas se servem dos elementos que dependem da espaciotopia. A paginação assegura a integração e a gestão dos parâmetros espaciotópicos de uma banda desenhada, não só por estabelecer relações proporcionais e posicionais entre os quadradinhos, já preenchidos pelos seus conteúdos verbais e icónicos, mas também por assegurar o seu grau de autonomia percetiva131.

      Desde o instante em que o autor confia à linguagem da banda desenhada a história que pretende contar, ele pensa essa história, e a sua obra nasce no interior de uma forma mental determinada que é necessário gerir esteticamente e traçar através de signos. Não se tratando de uma forma de escrita pictogramática, a escrita da banda desenhada possui outras especificidades que observaremos a seguir.

      A importância de Töpffer não residiu apenas na reflexão teórica sobre esta nova forma artística, como já dissemos; a sua obra antecipa aquilo que viria a ser a banda desenhada contemporânea. Benôit Peeters salienta que Töpffer, ao utilizar de forma brilhante a sua limitada capacidade de desenhar, criou um novo tipo de escrita, a escrita por imagens132.

      L’on peut écrire des histoires avec des chapitres, des lignes, des mots: c’est de la littérature proprement dite. L’on peut écrire des histoires avec des successions de scènes représentées graphiquement : c’est de la littérature en estampes133.

      Se considerarmos, com Roland Barthes, que a literatura não é um conjunto de obras, mas sim uma prática de escrita134, a literatura em estampas é o exemplo ←55 | 56→extremo da rutura com a conceção logocêntrica preconizada por Derrida135. Assim, a escrita da novela gráfica, não se limitando a uma prática que decorre da utilização de uma semiótica icónico-verbal, obedece às regras de um código específico e aciona dispositivos de ordem espacial — a espaciotopia, o entrelaçamento e a decupagem —, que, como vimos, são próprios da linguagem da banda desenhada e determinam a conceção e a planificação do ato de escrita, atuando como fator de constrangimento criativo.

      Pensar a banda desenhada enquanto escrita foi o objetivo de um grupo de autores franceses de banda desenhada que, em 1990, criou o grupo OuBaPo (Ouvroir de Bande Dessinée Potentielle). Jean-Cristophe Menu, Patrice Killoffer, Etienne Lécroart, entre outros desenhadores e autores, desenvolveram um programa de aplicação de restrições aos seus desenhos e textos, seguindo o modelo de restrições literárias utilizado, em décadas anteriores, por autores pertencentes ao célebre grupo OuLiPo (Ouvroir de Litérature Potentielle) como Georges Perec e Ítalo Calvino. Esta oficina de literatura foi fundada pelo escritor Raymond Queneau e pelo matemático François Le Lionnais. As suas bases foram traçadas na década de 1960, em França, quando um grupo de escritores procurou conceber uma vanguarda literária. Num século que nasceu sem a dependência de métricas e de rimas, onde todos os modelos haviam já sido explorados e subvertidos, constroem-se novas medidas num exercício de composição inovador. Inventam-se novos jogos de linguagem, importam-se conceitos matemáticos para a literatura, criam-se restrições para produzir um novo meio de escrita literária136. Estas restrições foram a base de muitas publicações, tais como o célebre romance La Disparition, de Perec, escrito sem a letra «e», a vogal mais usada na língua francesa137. Sem um programa estético definido, o objetivo do grupo era inventar ou reinventar regras de tipo formal que permitissem, com uma pequena quantidade de matéria – a verbal – e de mecanismos – as restrições impostas – conceber o maior número de obras literárias. Revigoram-se técnicas da antiga retórica capazes de romper com a ideia de inspiração e de génio como motores de criação, explorando a escrita do ponto de vista técnico.

      Os oulipianos são seguidos não só por novas gerações de escritores, mas também copiados por diversos domínios artísticos, dando origem a uma linhagem de «oficinas» reunidas sob o nome de OuXPo, expressão que designa qualquer arte que se desafia a si própria, explorando e subvertendo as suas potencialidades ←56 | 57→estéticas138. É neste panorama criativo que se inserem os oubapianos. Na primeira publicação, que reúne as experiências de alguns dos seus autores, a OuPus1 apresenta textos teóricos sobre a OuLiPo e a própria OuBaPo. Jean-Christophe Menu refere, no ensaio «Ouvre-Boîte-Po», que, justamente, por ser uma arte à margem, pouco «explorada», a banda desenhada tem muito mais potencialidades a serem descobertas e, sendo uma arte «potencial», presta-se à invenção constante139. Num texto que se tornou fundador, «Un premier bouquet de contraintes»140, publicado no mesmo número da OuPus, Thierry Groensteen, em lugar de invenção, fala em transformação lúdica, introduzindo a noção de «reinterpretação gráfica». A «transformação lúdica» consiste em modificar o estilo gráfico da obra sem alterar o assunto141. Groensteen apresenta exemplos, tais como as reproduções que Moebius fez de algumas personagens da Marvel, nomeadamente, o Homem de Ferro, o Super-Homem e o Homem-Aranha, ou que Bilal fez de Tintin, ou, ainda, as versões manga de personagens de banda desenhada ocidental. Estas representações constituem, apenas, um exercício ilustrativo; no entanto, o facto de o traço dos seus artistas ser conhecido, cruzado com aquelas personagens, também conhecidas, leva a que se crie um espaço ficcional, potencial, onde se mantém o conteúdo mas se altera a forma, ainda que esta alteração conduza necessariamente à modificação da mensagem semântica.

      A prática levada a cabo pela OuBaPo abraça experiências que fogem à narrativa clássica da banda desenhada, mas nem sempre se distingue, de forma clara, da prática da banda desenhada experimental, pois admite muitas formas de realização que se destacam pelo uso não convencional dos seus códigos de expressão que, sem assentarem em mecanismos de constrangimento assumidos enquanto tal, são explorados, subvertendo


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