Grandes escolhas: Autobiografía regeneradora. Ricardo Beltran

Grandes escolhas: Autobiografía regeneradora - Ricardo Beltran


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aquelas primeiras férias em liberdade tão intensamente que no final do famoso festival de verão fui a figura Escolhida por um famoso jornal para ilustrar o ambiente que por lá se viveu!

      Ao regressar a casa, eu fui invadido por uma força interior incrível e totalmente nova para mim, que me catapultou para uma dimensão de força interior muito estranha.

      Organizei uma conversa com a minha Mãe para debater o tema da universidade, mas, para minha total frustração, o guião da Escolha alheia voltou a manifestar-se. Fui confrontado com uma proposta do género:

      «Filho, a Mãe não tem meios financeiros para te pagar um quarto nem os estudos universitários numa cidade cara e longe de Chaves. Por isso, vamos ter de Escolher as universidades mais cercanas, aqui em Trás-os-Montes.»

      Era perfeitamente compreensível a postura da minha Mãe, mas eu entrei num pânico e ebulição interiores tão intensos que nem o dom da palavra se soltou para argumentar perante ela. Ironicamente, naquele momento, eu queria que me roubassem a adolescência da mesma forma que não quis que me tivessem roubado a infância. Eu queria que me tirassem de Chaves e de Trás-os-Montes com a mesma intensidade com que nunca quis ter saído de Reguengos de Monsaraz e do Alentejo.

      O formulário de candidatura à universidade é composto por oito opções, apresentadas por ordem decrescente de preferência. Enquanto a Mãe estava a preencher o papel, o meu ar de desespero silencioso devia ser tão evidente que ela me deixou Escolher as sétima e oitava opções! Ufa, que alívio!!!! Entre as seis primeiras opções por ela propostas, constavam as universidades de Mirandela, Bragança e Vila Real, todas em Trás-os-Montes. Quando chegou a minha vez de Escolher as tais sétima e oitava opções, coloquei Porto e Aveiro, por saber que os escassos Amigos de Chaves que eu tinha feito, iriam para essas cidades.

      Tive náuseas só de pensar em ter de recomeçar tudo de novo, outra vez, e ter de ficar amarrado ali, enquanto via os meus Amigos distanciarem-se de mim, outra vez. Desculpem-me os transmontanos que devem estar a perguntar-se o porquê de tanta revolta com a região! Contudo, hoje percebo que a minha aversão às terras do norte não está necessariamente relacionada com algo de negativo que ali se respire — muito pelo contrário —, mas sim com a revolta que em mim vivia por me terem retirado cruelmente do sul.

      A candidatura à universidade é entregue em mão e em versão em papel nos serviços administrativos da capital de distrito, Vila Real. E pronto, é essa a razão pela qual estou neste autocarro.

      Sonhei tanto e tão intensamente nesta viagem, testemunhando cada árvore pela janela como se de um novo episódio da minha vida se tratasse. À medida que passavam os quilómetros, fui recapitulando o sinuoso caminho que vivi até aqui. O meu cérebro e alma estão numa sintonia tão sinfónica que a cada um destes quilómetros que passam, o meu corpo se agiganta e a minha passada se alarga. É como se algo de muito forte em mim se esteja a querer manifestar. Deve ser a liberdade, não sei! Talvez seja aquele espírito audaz da minha Mãe, ou talvez seja o amparo de minha Avó Emília que partiu fisicamente, mas que se encontra mais do que nunca perto de mim.

      Estás a ver este papel amarrotado que tenho na mão? É o formulário da candidatura que supostamente vou entregar a seguir nos serviços administrativos. Mas isso não vai acontecer! Estou cansado que a vida e os outros me peçam constantemente para recomeçar tudo de novo, mas, desta vez, vou recomeçar com o selo de uma Escolha minha.

      ***

      As fases da infância e da juventude são o germinar do nosso ser e são vistas pelos gurus das terapias como aquilo que define a base e os valores pelos quais o adulto se vai reger ao longo da sua vida. Pode em parte até ser verdade, mas o maior disparate que se comete é usarmos isso como justificação para as falhas maiores do adulto! É óbvio que se formos abusados sexualmente ou levarmos um grande par de cornos do nosso melhor Amigo enquanto somos jovens, não é a mesma coisa do que termos uma infância e uma juventude em que tudo é mais certinho e lógico!

      É normal e expectável que, mediante os cenários vividos na juventude, o adulto se venha a comportar e a desenvolver de forma distinta, havendo, no entanto, uma grande margem de manobra para que o adulto possa Escolher entre viver mais perto ou mais longe dos seus traumas de criança. Essa é uma Escolha que fazemos e que estará sempre à nossa disposição.

      Não é porque um dia somos católicos e acreditamos em curas milagrosas que no outro dia não podemos acreditar convictamente na espiritualidade e na reencarnação. Não é porque um dia vivemos longe daquilo que julgamos serem os genes das nossas raízes, que mais tarde não podemos regenerar comportamentos e formas de amar.

      Por mais que queiramos dar o mérito ou acusar os outros pelo que nos acontece na vida, são sempre as nossas Escolhas de hoje que definem os estados em que nos vamos encontrar amanhã. Não importa se são Escolhas boas ou menos boas, nem importa se são Escolhas factuais ou simplesmente sobre a forma como encaramos e sentimos os eventos que nos vão surgindo na vida. O importante é ter consciência de que mesmo em situações em que o destino parece estar traçado, podemos fazer Escolhas que alteram as formas de encarar, sentir e digerir esse mesmo destino. Na maioria dos casos, não são os factos que importam, mas sim o significado que lhes damos no nosso interior.

      Por razões óbvias, o Tipo não conseguiu abraçar conscientemente nenhuma vantagem daquela saída brusca do Alentejo nem de todas aquelas mudanças de escola. Por mais desamparado que se sentisse e por maior que fosse o seu sentimento de revolta, a verdade é que foi dessa forma que o Tipo se tornou no animal decidido que conheci naquele autocarro! Pareceu-me ser alguém capaz e pronto para poder Escolher, com vontade de moldar a adversidade a seu favor, transformando-a no combustível da sua própria evolução! No entanto, consegui também vislumbrar uma cegueira emergente, provocada por toda aquela revolta interior, que poderia talvez acabar por guiar o Tipo por caminhos e decisões mais instáveis e desgastantes no futuro.

      Olhando para a infância e adolescência do Tipo, é certo que não vislumbro grandes motivos de festejo, mas também é certo que há muitos jovens a passar por bem pior! No entanto, apesar de todas as roturas, «Escolhas alheias» e «renascimentos existenciais» a que esteve sujeito, o Tipo não mergulhou numa vida sedentária de erros fatais e resignação, como acontece a muitos outros jovens em situações bem mais favoráveis. E porquê?

      Primeiramente, parece-me óbvio que os valores pelos quais se regia a sua Família tinham fundações de base assentadas na resiliência, coragem, solidariedade, bondade e sobretudo muito amor. Em segundo lugar, e apesar de não beneficiar da presença de um Pai biológico por perto, o Tipo tinha no seu Tio Chico um mar de valores e uma identidade masculina idónea.

      As Escolhas alheias que tanto o fizeram sofrer, foram sendo amparadas por um conjunto de valores Familiares inquestionáveis e foi graças a isso que o Tipo pode Escolher entre perder-se… e descobrir-se.

      Este meu primeiro encontro com o Tipo faz-me pensar naqueles jovens nascidos e criados no seio de Famílias abastadas, aparentemente estáveis e com o destino pré-definido, em que tudo é tão bem delineado à partida que se destrói bem antes da chegada. Ou então aqueles jovens educados em modo de regime militar, banhados precocemente pelos pais e pelas escolas na síndrome da responsabilidade e da performance, ficando tão formatados para trabalhar e ganhar dinheiro, que acabam precocemente entregues à estagnação interior. Pondo as coisas em perspetiva, creio que prefiro a infância atribulada do Tipo…

      No final daquela viagem de autocarro, o Tipo derramou-se num intenso dilúvio de lágrimas de revolta, e eu naquele momento interpretei uma necessidade igualmente intensa de me desencontrar dele. Eu sabia que aquele papel amarrotado era afinal o formulário da sua candidatura à universidade, mas o que iria ele fazer a seguir? Abandonar a ideia da universidade ou cometer alguma loucura atroz?

      Confesso que quis acompanhá-lo no passo seguinte, mas fiquei assustado com o seu intenso estado de revolta e decidi afastar-me, até que mais de vinte anos depois nos reencontrámos num gabinete médico.

      Take II.

       A última das opções, pode ser a melhor Escolha

      No


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